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Crônica

Zé do burro


Zé do burro  - Gente de Opinião

Inevitável a quem escreve todo dia, direcionar um pouco da sua escrita à festa anual americana do Oscar, estatueta conferida aos melhores do cinema. Ano a ano os americanos vem valorizando a diversidade, novo foco da premiação, nas produções cinematográficas. Antes, as minorias pouco apareciam nas indicações de maior destaque, neste domingo, 25/04/2021, mulheres, negros e estrangeiros estão entre os principais indicados, um avanço considerável se levarmos em conta a força do cinema americano na integração da sociedade global. "Há uma rachadura em todas as coisas / É assim que a luz entra".

As estatuetas mais importantes, nas diversas categorias do Oscar, dadas a um coreano, por Parasita, na festa do ano passado, já sinalizava essa nova tendência americana: em 92 anos de Oscar, foi a primeira vez que um filme não falado em inglês, ganhou o prêmio de “melhor”. Aos poucos, os patriotas americanos vão permitindo o aparecimento de brechas em seus compenetrados cérebros, por onde estão entrando a luz do conhecimento da realidade de outras sociedades, não menos competentes na arte de produzir bons filmes, recheados de contundentes questionamentos sociais.

2021 foi o ano das mulheres, de uma só vez o filme Nomadland – Sobreviver na América, inspirado no livro da jornalista americana Jessica Bruder e dirigido pela chinesa Chloé Zhao, primeira mulher não branca a ganhar o Oscar de melhor direção, abocanhou outras duas das principais estatuetas: melhor filme e melhor atriz. Um híbrido de filme e documentário, narra as aventuras de uma mulher de terceira idade, criada pela imaginação da diretora, que se infiltra entre nômades reais, tentando sobreviver no Oeste americano.  O resultado é uma imersão completa, que não enxerga o dia a dia como problemático, mas como um modo de vida. Na verdade, uma jornada em busca de aceitação e superação.

Os estúdios Disney produziram recentemente uma animação titulada Dia e Noite, dirigida por Teddy Newton, que ilustra bem a perspectiva integradora da diversidade. A rivalidade e as diferenças causam divergências entre os personagens, no entanto, aos poucos, como se fossem humanos, eles se fascinam pelas características que não possuem: o Dia descobre as estrelas e a Noite se encanta pelo calor da praia. A diversidade de culturas é vital para um saudável dinamismo cultural.

Bacurau, filme de Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, premiado em 2019, com um Troféu Especial do Júri, no Festival de Cannes, acendeu uma luz de esperança na expectativa do povo brasileiro, apesar de ainda distante do inesquecível − O Pagador de Promessas − ganhador da Palma de Ouro do mais conceituado festival de cinema europeu, o Festival de Cannes, na França. O renomado filme foi escrito e dirigido por Anselmo Duarte, baseado na dramaturgia do escritor Dias Gomes, em 1962, época em que os americanos só tinham olhos para produções hollywoodianas.  Tenho certeza que, se fossem com os recursos técnicos de hoje, acrescidos da nova visão da crítica estadunidense, o diretor, o filme e o nosso querido Zé do burro ganhariam as principais estatuetas douradas, na festa americana do Oscar.

Bacurau é uma mistura de faroeste, forte crítica política e fábula violenta, retratando um país através da força e da união de seu povo, quando todo o restante do mundo lhe vira as costas. Através de uma narrativa aparentemente convencional, o texto dos diretores é repleto de diálogos fortes, ora com sotaque americano ora em nordestês, com cenas contundentes, abordando, acima de tudo, a perda da identidade de um país, perante o imperialismo americano.

Vale a pena conferir Bacurau, ao menos para estabelecer elos de comparação com aqueles premiados com o Oscar, ou saber o porquê da admiração de Kleber Mendonça, pelo viés da violência, com os famosos diretores Quentin Tarantino e Sérgio Leone. Vale lembrar que nossas produções, em se tratando de custos operacionais, não representam nem 10% de um filme americano razoável.

Além das estatuetas douradas para mulheres, negros e asiáticos, essa foi a semana da notícia da condenação de um policial branco, pela morte do negro George Floyd, refletindo a tendência americana de corrigir erros do passado e reverberando o Black Lives Matter e o I Have a Dream, ao longo do universo. A caminhada pela inclusão é longa e não começou agora, já dura séculos: “Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele”.

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