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Crônica

Janelas da fé


Por William Haverly Martins - Gente de Opinião
Por William Haverly Martins

Altas torres, bonitas janelas, abrem e fecham, ninguém chega nelas. Ao olhar para o céu, em dia de tempestade, eu me extasiava com a beleza dos relâmpagos, mas a vista não me metia medo, como se o medo inerente não me entrasse pelos olhos, mas pelos ouvidos. Eram os trovões que me empurravam para debaixo da cama, segundos depois do clarão.

          As tempestades, apesar de temidas, são bem vindas ao sertão nordestino. Instantes depois que elas esmaecem, as ruas se enchem de meninos, chutando a água, tomando banho com os restos da chuva, inebriados com a presença do líquido raro e vital. A chuva ilumina até mesmo o sorriso de um adolescente com poucos dentes, escorado na janela, esperando o dia da colheita e a possibilidade de visitar o protético.

No meu tempo, acompanhar barquinhos de papel, enxurradas abaixo, era de uma alegria ímpar, não só para mim, como também para os meus pais e vizinhos: a água umedecia o rico solo, esverdeava o futuro da paisagem, repercutindo a satisfação de quem olhava pelas janelas e via os açudes cheios, o dinheiro brotando da terra em forma de feijão, milho, frutas, verduras, capim pro gado, um ciclo se cumprindo.

A vista da janela da seca é como a página de um livro de terror, instala o medo de morrer de fome, descortina preocupação de toda ordem, pinta a vegetação de cinza e admoesta o futuro do sertanejo. Os dias de estiagem vão passando as páginas do pavoroso livro, mas não conseguem afastar o suspense do risco de se perder a vida, instalado na página de cada um.

Às vezes a água em demasia provoca enchentes, desbarranca as encostas, destrói casas construídas em locais indevidos, mas a mãe natureza não tem culpa da incompetência de nossos governantes, da necessidade de se ter uma casa pra morar, nem da ingenuidade de quem constrói no barranco, mesmo sabendo que um dia a casa vai cair e vai levar seus moradores, barranco abaixo. É a lei humana da sobrevivência dos mais humildes: ou morre de sede, ou morre de fome, ou morre da cheia, mas a água faz parte da cabala da vida, não pode faltar.

A tempestade nordestina, com fortes e continuadas chuvas, embeleza as linhas da trama da vida humana, anuncia os frutos da continuidade, alimenta os sonhos e permite a renovação ilusória da esperança, dando a sensação de que alguém, do alto, faz da gente a vista da janela da fé:

                Meu divino São José

                Aqui estou a vossos pés

                Dai-nos chuva com abundância

                Meu Jesus de Nazaré

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