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Crônica

Adeus, Babilônia!


Adeus, Babilônia! - Gente de Opinião

Fechei os olhos e uma dormência me invadiu. Vi-me em um lugar que já não existe mais. Ouvi o silêncio do tempo. A vida vinha nascendo outra vez. Meus olhos são os olhos dela. A respiração ofegante é minha e é dela. O rosto está coberto por um manto escuro. O corpo é forte e vestido com roupas negras. Tem uma adaga na mão, um alforje com moedas e outro com pão, azeite e frutas secas com aroma adocicado. Os olhos espreitam, por uma pequena janela, a vida lá fora. Ela é uma fugitiva. Do alto dessa janela, podemos – meus olhos nos dela – vislumbrar uma cidade linear.

Todas as casas parecem iguais; todas elas têm janelas quadradas e são tão juntas que parecem um condomínio.  Corremos pelos corredores apertados das ruas ao alvorecer. Sentimos os passos pesados dos nossos algozes. Eles nos querem, mas seguimos sorrateiras às vezes; em outras vezes corremos. Sinto que não há medo no coração dela, há uma força feminina de sobrevivência e coragem; de determinação e de extrema vontade de libertação. Ouvimos vozes e paramos juntas, eu e ela, em uma só pessoa. Falam de nós: de mim, dela. Seu nome é Fáthuma!

Meu coração saltou. Revirei-me na cama, mas continuei no torpor e volto à cidade, a correr, a fugir. Vejo portões e apressamos os passos. Agora corremos com a velocidade dos que querem ser livres. Atravessamos entre as aberturas dos portões. Ainda não há sol.  Respiramos fundo e juntas, eu e ela, em uma só pessoa, abraçamos um cavaleiro e montamos em seu cavalo. Fáthuma abraçada àquele homem desaba em forte choro. Ele segura sua mão em torno da cintura; ela grita: “Adeus, Babilônia!”. Juntos, em uma veloz cavalgada, eles desaparecem no infinito. Atrás, vejo a cidade em sua única cor. Tudo parece tão igual. Sinto uma profunda angústia e lágrimas correm pelo meu rosto.

“Dorothy?” Acorde querida! Ao abrir os olhos, vejo-o, o cavaleiro do sonho. Os mesmos olhos, a mesma cor de pele. A mesma cumplicidade. Suas mãos tocaram as minhas com força, tal como no sonho. Esse toque me dizia: “Ainda estou aqui. Estamos juntos. És livre!”

Abracei esse ser que me guardava cheio de amor e me perdi em seus braços para me encontrar novamente. Um sonho, uma visão, uma realidade? Tudo está assim, tão perto, ao nosso alcance. E é tudo tão real. De longe, tão longe, ouço a voz sussurrante: “Adeus, Babilônia! Adeus Babilônia!”

Quem era ela? Fátima, Dorothy, Fáthuma? Todas em uma!

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