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Crônica

A magia da plateia


A magia da plateia - Gente de Opinião

O comportamento do público/plateia varia conforme o tipo de espetáculo − do futebol às igrejas, do show de cantor popular ao teatro, do erudito ao brega, do circo à praça − a participação do público é diferenciada e exerce um efeito nem sempre positivo. O discurso, a palavra religiosa, uma partida de um jogo qualquer, o show, o espetáculo, a peça teatral e até mesmo o comício, precisam de um ponto de apoio da plateia, uma espécie de “bate e volta”, ou seja, alguma coisa da apresentação pública precisa ser simpática, para despertar a empatia da plateia, o efeito magia.

Um candidato a prefeito de uma cidade do interior de Minas Gerais, mandou armar um palanque para um comício, às margens de um rio da cidade, onde havia um extenso gramado: − Quando eu vejo essa grama verde, eu me lembro de minha mãe. Um malandro da plateia perguntou em voz alta: − Ela era égua? E o político respondeu sem titubear: − Era não, filho da puta, era lavadeira.

Impossível analisar uma plateia a partir de uma única pessoa, embora o efeito liderança possa se sobressair e influenciar o comportamento dos demais, numa espécie de contágio, porém o normal é o conjunto, o grupo funcionar como vibração estimulante do entorno da glândula pineal coletiva, a abracadabra responsável pela magia do retorno, em forma de aplausos e gritos de incentivo. Nada mais importante para o pacto, para a interação cerebral do que aplausos seguidos de: Evoé, bravo, valeu, viva, mengoool, é isso aí, parabéns, bis bis, sensacional, Sandy! Sandy! Sandy!

O público de um espetáculo de futebol tem um comportamento diferenciado, porque já possui o rótulo “torcida”, o mesmo acontece com as chamadas “macacas de auditório”, que já saem de casa com o propósito de “causar”, durante um show. Para esses públicos, o efeito magia já vem embutido na exibição, exercendo um certo entusiasmo, no time ou no artista que está se apresentando. A frieza do botão “curtir” não influencia do mesmo modo, daí porque as “lives” dos cantores, em tempos de pandemia, são tão sem graça e os jogos sem público acontecem sem o mínimo entusiasmo. Imaginem a algazarra, se houvesse público, na vitória do Bayern sobre o Barcelona por 8X2: Cabróns, cagóns, gilipolhas, mételo por el culo, em espanhol, ou em catalão: mare meva, ostres, caram, gep de burra, cagadubtes, escalfabraguetes, enquanto os alemães retrucariam: tor, eigentor schiribarças, tot, tor, tor, tor, tor, tor, tor.

Na cidade de Feira de Santana,  interior da Bahia, a Orquestra Sinfônica da UFBA fazia uma apresentação rara, tocando em praça pública, ao término de uma composição de Mozart, um espectador se levantou e em voz alta pediu: − Maestro, num dava pra tocar uma sofrência, pra nóis? O maestro tentou sorrir, mas não evitou as palavras que lhe brotaram da boca, em voz baixa: puta que pariu, era só o que me faltava. O maestro respondeu com Elisa de Beethoven, o tabaréu esperou educadamente a orquestra terminar e retrucou: num sabe tocar sofrência, mas sabe a musiquinha do caminhão que entrega gás, eheheheh. 

A grande diferença do teatro, do circo, da praça, para o cinema é a magia do aplauso instantâneo, a cara de felicidade da trupe com a satisfação do público. A magia da plateia é decisiva no sucesso, na continuidade de um espetáculo presencial, seja ele qual for.

Por outro lado o sucesso das apresentações online, via vídeos postados nas mídias sociais, vem causando efeitos surpreendentes, modificando o estudo da magia presencial, ou seja o virtual interferindo no físico, nestes casos ocorre claramente o que os psicólogos chamam de fator humano: geralmente é um personagem “carente de tudo”, que precisa fazer sucesso para sobreviver, estabelecendo uma empatia instantânea com o público internético. Lembram da caneta azul, azul caneta, caneta azul tá marcada com minha letra? Nestes casos, quase sempre, o sucesso é singular. Caneta preta, caneta preta, escrevi meu nome nas suas tetas. Black pens matter.  Online ou não, o sucesso é proporcional a magia da interação, à qualidade da interpretação e ao tempo de permanência na memória coletiva, além do apoio da TV. Nossa, nossa, assim você me mata, ai se eu te pego, ai, ai, ai, se eu te pego. 

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