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Montezuma Cruz

Tortura e morte em garimpos amazônicos


Violência e exploração contra garimpeiros na Guiana Francesa mobiliza parlamentares e o Itamaraty; empresário francês é denunciado
MONTEZUMA CRUZ
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BRASÍLIA – O Ministério das Relações Exteriores e a Câmara dos Deputados vão pedir providências do governo da República do Suriname para combater a violência  e exploração nos garimpos de ouro de Dorlem e Uiaqui, na selva amazônica, no município de Maripa Soula. A medida foi anunciada nesta terça-feira pela deputada Lucenira Pimentel (PR-AP).  Cerca de 60 garimpeiros que trabalharam mais de 30 meses nas minas do empresário francês Jean Béna, não receberam salário e alguns foram resgatados em helicópteros do governo daquele país. 
Há casos dedenunciando homicídios, tentativas de homicídios, e trabalho escravo nesses garimpos. A população indígena fronteiriça do Amapá também foi vítima da violência. Alguns índios foram espancados e pereram canoas. A Funai está enviando um procurador para se reunir com autoridades de Caiena e apurar a situação. 
Além de cartas apelando por providências, a deputada foi procurada pelo garimpeiro Antônio Wilhame Pereira, maranhense, 40 anos, um dos resgatados. "A situação é grave, eles não têm mais a quem recorrer", lamenta Lucenira Pimentel. Ela defende a rápida intervenção do governo brasileiro na questão. "Não é de hoje que esses problemas vêm ocorrendo e nenhuma medida enérgica é tomada em favor dessa gente", ela se queixa.  
Em média, a produção dos dois garimpos passa de 50 quilos de ouro por mês. O metal é todo comercializado em territória da Guiana. O quilo do ouro na região está custando R$ 40 mil. O grupo de garimpeiros entrou na justiça do Suriname contra o empresário, exigindo seus percentuais. 
Numa carta ao presidente da França, Nicolas Sarkozy, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP) pediu apoio à ação judicial movida pelos garimpeiros contra Béna, no Tribunal de Grand Instance de Caiena."São fatos graves e lamentáveis, senhor presidente", afirma Borges. O senador manifesta a certeza de que a França vai condenar o trabalho forçado na Guiana. 
Terror e fome 
A deputada, que pertence à Comissão de Direitos Humanos e Minorias, apelou ao Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), que enviou documentos e pediu a intercessão do Consulado Brasileiro em Caiena, na defesa dos direitos e no socorro aos garimpeiros. O chefe do Departamento das Comunidades Brasileiras no Exterior, ministro Eduardo Gradilone, visitou a deputada e ouviu o relato de Pereira. Ele está em Brasília desde o mês passado e se mostra apreensivo com o estao de saúde de dois companheiros, Isaías e Raimundo, espancados e baleados por policiais e empregados do empresário. "Perdi o contato com os que ficaram lá no garimpo e sabe Deus como estão resistindo", comenta. 
Isaías, que morava em Roraima, foi seduzido por amigos para ir catar ouro. Lá chegando, deparou com a ação de quadrilhas que roubavam o metal e matavam garimpeiros. Mesmo assim, conforme relata Pereira, Isaías tinha planos para ficar no garimpo. Foi quando um bando armado seqüestrou-lhe, junto com outros companheiros, atando-lhe as mãos com fita isolante dos pés à cabeça.
"O Maranhão levou dois tiros na perna esquerda e quebrou o fêmur; eu levei um tiro na perna esquerda e também foi atingido no fêmur", conta Isaías ao jornal O Pioneirinho, da Igreja Assembléia e Deus na Guiânia. 
Depois do asslto, foram todos torturados e abandonados na selva durante quatro dias. Um deles morreu na hora. "Quando o meu fêmur quebrou, meu corpo ficou pendurado e minha boca começou a doer. Roí a fita e consegui me soltar". Os outros também. Atravessaram o rio, sentiram fome e se alimentaram com folhas de limão, completamente debilitados. 
Jean Béna, que mora em Kouru, está com os bens confiscados pela justiça do Suriname. Depois de várias protelações, ele deverá ir a audiência prévia no próximo dia 16 de novembro. Antes isso, os garimpeiros querem o apoio do governo brasileiro para receber os seus salários. Alegam que o empresário "tem forte proteção e advogados". 
"Viver em paz"
Os garimpos situam-se a uma hora e meia de vôo de Caiena, capital do Suriname. Segundo Pereira, o bando do empresário é acusado de mortes, tortura, assédio sexual e estupramentos. "Inicialmente, a polícia local sabia de tudo, mas encobria; depois, a situação chegou na chefia deles e aí, sim, tomaram providências", conta. 
Enquanto trabalharam no meio da floresta, os garimpeiros só comiam arroz, feijão e charque. Nos últimos meses de trabalho, só recebiam arroz como alimento. "Mandavam a gente caçar e pescar para comer, mas de que jeito, se todas armas são deles?".  
Pereira trabalhava há 16 anos na região. Segundo ele, as relações com o empresário sempre foram duvidosas. "Ele falou que ia pagar mensal, depois mudou de conversa e seria por produção; o resultado foi que não recebemos nada e nós conseguimos sair de lá, graças a Deus", relatou. 
Depois de serem resgatados pela polícia francesa, os garimpeiros passaram a sobreviver de bicos em Caiena. Cuidam de chácaras, mansões, e trabalham na construção civil. Mas o forte continua sendo o garimpo. "Só ficamos sabendo que ele (Béna) era foragido da justiça quando mostraram uma reportagem que saiu no jornal" – mostra um exemplar da edição de 25 de março do France-Guyane.
"A justiça está atrás dele, e é ela que deve saber o que fazer; porque nós só queremos receber o nosso dinheiro e viver em paz". 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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