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Montezuma Cruz

Até o Greenpeace apóia a Flona Jamari por acreditar que ela controla a grilagem


MONTEZUMA CRUZ

Até o início de março será conhecido o vencedor da licitação para explorar a primeira Floresta Nacional do País, no Vale do Jamari, a 110 quilômetros de Porto Velho. A Flona, que tem 220 mil hectares, é anunciada no momento em que uma imensurável reserva de madeira nobre situada entre o vale e a região central do estado vem sendo vítima de sucessivos furtos. Em 2007, o Estado de Rondônia foi campeão em desmatamento, aumentando-o em 600% em relação a 2006. 

As áreas mais afetadas situam-se em propriedades da Zona 1 do Zoneamento Agroeconômico e Ecológico. De agosto daquele ano a julho de 2007, a Amazônia Brasileira bateu recorde de desmatamento.

O direito de exploração de áreas da Floresta Amazônica dura até 40 anos. O manejo deve ser feito com período de recuperação de 30 anos.

A Flona Jamari desafia o recém-criado Serviço Florestal Brasileiro (SFB), encarregado de analisar as propostas dos oito concorrentes à concessão. A dilapidação das reservas de madeira tem ocorrido rapidamente no estado, e de maneira implacável, quase sem freio. Atuam na região cerca de 40 madeireiras. O território da Flona Jamari divide-se entre os municípios de Candeias do Jamari, Itapuã do Oeste e Cujubim. Dos 220 mil ha, 96 mil foram divididos em três glebas.

Força Nacional 

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Um destino ainda incerto /BETO GRUTZMACHER



Esta semana, o secretário nacional de Segurança, Antônio Carlos Biscaia, declarou que existe a possibilidade de que a Força Nacional seja destacada para combater o desmatamento na Amazônia. Os policiais dariam apoio a uma operação da Polícia Federal que vai promover o endurecimento contra a derrubada ilegal de áreas de floresta.

Ouvida pela Radiobrás, a coordenadora de Iniciativa da Amazônia do Instituto Sócio-Ambiental, Adriana Ramos, defendeu o envio de tropas para o Norte do País. Segundo ela, ao combater o desmatamento as tropas estariam, também, contribuindo para diminuir os conflitos de terras. "Primeiro porque os problemas de desmatamento estão diretamente ligados aos conflitos de terra na Amazônia. A presença da Força Nacional pode suprir a ausência do estado na questão da segurança pública", afirmou.

O SFB garante que "só põe a mão sobre a Flona Jamari quem garantir o melhor projeto de sustentabilidade ambiental". O projeto determina que as comunidades da região poderão explorar racionalmente a castanha, a copaíba o patauá e o açaí. Permite ainda o ecoturismo.

Lago e minério 
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Lago de Samuel rendeu 18 toneladas de madeira na construção de hidrelétrica /M.CRUZ


A Flona fica próxima ao Lago da Hidrelétrica de Samuel, que mede 559 Km² e cujas comportas foram fechadas em novembro de 1988. O inventário coordenado por Newton Paciornik, do Ministério da Ciência e Tecnologia, identificou sete tipos diferentes de formações florestais. Só os 34,5 mil ha de floresta densa, em terra firme e relevo seco, renderam na época, 18,1 mil toneladas de madeira.

Criada no ano passado, a Lei regulamenta a gestão de florestas públicas (matas naturais ou plantadas em terras da União); cria o SFB e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Permite concessões florestais pagas, baseadas em processo de licitação pública.

Há 30 anos os depósitos de cassiterita (minério de estanho) vêm sendo explorados na região onde está a Flona. O território ainda se parece com um feudo, a exemplo da Brascan nos anos 1970, quando a lavra da cassiterita estava proibida em Rondônia. 

Para entrar na Estanho de Rondônia S/A (ERSA) é preciso se identificar diante de um funcionário. A empresa foi comprada em 2005 pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que herdara o patrimônio de outra mineradora, a Companhia Estanífera do Brasil (Cesbra).

Bispo teme o saque 

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Dom Moacyr Grechi, arcebispo de Porto Velho, é testemunha da dilapidação /CHICO LEMOS

O arcebispo diocesano de Porto Velho, dom Moacyr Grechi não rejeita o projeto, mas teme que o sistema de concessões florestais abra espaço ao saque à selva e que um grupo de empresas se beneficie com a venda de madeira ilegal. "Caminhoneiros falam aí, para quem quiser ouvir, que fazem de 20 a 30 carretos por mês", comenta, assustado.

Com amparo da Lei de Gestão das Florestas Públicas, inicialmente a Flona será explorada por concessão a empresas privadas. Cada uma das três glebas só pode ser licitada a uma concessionária. Dom Grechi, que trabalha na floresta há mais de 30 anos – já foi bispo prelado do Acre e Purus – diz ter ouvido da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o compromisso de que o corte será seletivo. Ele viaja regularmente e já sofreu três acidentes, num dos quais quebrou sete costelas. Nesse ritmo, tem assistido o frenético vaivém de caminhões toreiros pelas estradas de Cujubim e Machadinho do Oeste.

Toras apreendidas

Atualmente, os pátios das serrarias de Itapuã estão cheios. Sinal de que a atividade é rentável.
Recentemente, 50 agentes do Ibama e das polícias Federal e Civil fecharam quatro serrarias em Rondônia, por suspeita de furto em reserva. Com certeza, o Ibama e as polícias terão de trabalhar muito para coibir abusos predatórios.

Em Alto Paraíso, 10 mil habitantes, a 200 quilômetros de Porto Velho, atuam 36 madeireiras, numa proporção de uma serraria para cada 277 moradores. O Ibama lacrou dez, diante da negativa dos seus donos em explicar a origem de mais de mil metros cúbicos de toras apreendidos, o suficiente para encher 50 carretas. As cargas estavam em terrenos baldios e seus donos não apareceram. A situação assemelha-se à de traficantes que abandonam a droga em bagageiros de ônibus.

Contra a grilagem

Por quê o temor? Pela falta de fiscalização às derrubadas ilegais. Nas operações raramente os infratores são encontrados, constata o próprio Ibama. Em outubro de 2006, no distrito de Nova Dimensão, município de Nova Mamoré, os fiscais apreenderam cerca de 7 mil metros cúbicos de madeira, conforme estimativa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sedam). Madeira de terras indígenas.

Ainda assim, organizações não-governamentais oferecem o seu aval à Flona, na expectativa de que ela dê certo. Sérgio Leitão, do internacional Greenpeace, declara: "Agora o governo vai ter pequenas áreas para cuidar. Terá o nome, endereço e telefone do responsável pela área. Não há mais desculpa para não fiscalizar, a tolerância vai ser zero".

O Greenpeace apoiou o projeto da Flona por entender que é a única forma do governo federal controlar a exploração de terras na Amazônia e acabar com a grilagem. Segundo Leitão, "75% das terras da Amazônia são públicas e não há nenhum controle sobre elas".

Durante a discussão passional do projeto na Câmara, o deputado Ernandes Amorim (PTB-RO) inquietou o governo ao defender maior participação de empresas rondonienses na licitação. Por conta disso, o edital de exploração da Flona foi adiado até que se fizessem novas reuniões e audiências públicas propostas pelo parlamentar.

Para o deputado Carlos Souza (PP-AM), da Comissão Permanente da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, o governo "vende gato por lebre". Dizendo-se descrente na fiscalização do Ibama, "um órgão falido", ele indaga: "Quem foi o Prêmio Nobel que determinou cada hectare da Floresta Amazônica ao custo de R$ 32 mil?". O governo estima que a exploração do lote por concessionária renderá no mínimo R$ 3 milhões por ano.

Burla ao Zoneamento

No distrito de Surpresa (Vale do Guaporé), na Zona 2 do Zoneamento Ecológico e na Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Serra da Cutia, peões a serviço de fazendeiros derrubam árvores nativas, entre as quais, a castanheira, para a formação de pastagens. Num protesto solitário, o Conselho Indigenista Missionário e a Diocese de Guajará-Mirim, pedem ao Ministério Público Federal, à Sedam e à Promotoria de Defesa do Meio Ambiente que não aprovem mais nenhum plano de manejo florestal em Rondônia enquanto continuarem esses crimes.

Aparentemente, o projeto da Flona é ousado. Prevê a fiscalização das concessões em três frentes: o Ibama cuida do monitoramento ambiental da implementação do plano de manejo florestal sustentável e o Serviço Florestal Brasileiro fiscaliza o cumprimento dos contratos de concessão.

Há obrigatoriedade de uma auditoria independente das práticas florestais, no mínimo a cada três anos por entidade previamente credenciada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Para o monitoramento, o SFB se utilizará, entre outras ferramentas, do Sistema de Detecção de Exploração Seletiva, que permite detectar a exploração florestal por sensoreamento remoto (por meio de imagens de satélite). Esse sistema, desenvolvido em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, deverá funcionar até o final deste ano. 

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Exploração por 40 anos / M.CRUZ

Quem quer a Flona


▪ A área licitada da Jamari equivale a mais de duas áreas da cidade de Curitiba (PR), ou 53.333 campos de futebol. Mede 96 mil ha, em três glebas (17 mil ha; 33 mil ha e 46 mil ha).

▪ Alex Madeira Ltda., Amata SA, Civarro Agropecuária, Engenharia e Comércio Ltda., Con & Sea Ltda., Construção e Incorporação Kabajá Ltda., Porta Júnior Construções Ltda., Sakura Indústria e Comércio de Madeiras Ltda. e Zn Indústria, Comércio e Exportação de Madeiras Ltda. ME são as empresas que apresentaram propostas ao Serviço Florestal Brasileiro.

▪ Do total de 193,8 milhões de ha de florestas públicas, 43 milhões de ha são considerados legalmente passíveis de concessão. Destes, o Plano Anual de Outorga Florestal considerou passíveis das primeiras concessões as florestas públicas inseridas numa área de 11,7 milhões de hectares (6% do total).

O leitor encontra reportagem especial sobre a Flona Jamari na revista Momento Brasil, nas bancas.

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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