Sábado, 1 de novembro de 2025 - 08h00

Eu vejo uma coisa, me contam outra. Cada um vê um
ângulo, fecha os olhos a outros, e a história vai correndo como se normal tudo
fosse. Não, e a barbárie pode atingir qualquer um de nós.
Fiquei muito tempo com as imagens (e sons) do Massacre do
Carandiru marcados na memória como uma das mais lamentáveis e terríveis cenas
de toda a vida ocorridas em meu país, em minha cidade. Agora elas foram
brutalmente “empurradas para o lado” como se faz em imagens nas redes sociais,
e trocadas por imagens daqueles corpos, muitos seminus, estendidos e
enfileirados no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, na manhã seguinte ao
massacre de mais uma megaoperação desastrada (minha opinião) de contenção de um
dos muitos grupos do crime organizado. Alguns cobertos, outros sendo descobertos
por mães copiosas à procura de seus filhos; outros, sangue seco nos ferimentos,
despidos de suas roupas camufladas de soldados do crime, tentando evitar suas
culpas. Pessoas em volta acompanhando como se absolutamente normal mais um
rotineiro dia de violência extrema que já se acostumaram a viver. Seriam os
“corpos da mata”, encontrados nas matas onde se concentraram os confrontos,
juntados, levados e ali enfileirados – estranhamente recolhidos pela população
e não pelas forças policiais. Foram aumentando gradativamente as somas.
Oficialmente, ao todo, na operação, 117 mortos; ou 121, 126, 130, 131, que os
números dançam, e agora, infelizmente, fazem pouca diferença. Assim como parece
esquecido que o objetivo central de capturar líderes teve resultado frustrante.
Vi, vi sim, como diria o canarinho Piu-Piu, e não era o
Frajola.
Tudo me lembrou ainda cena de décadas atrás quando em uma
cobertura do Jornal da Tarde de uma das muitas rebeliões ocorridas à época e
que precisei me esconder do grupo policial que não queria, digamos, que
contássemos os mortos. O problema é que, lá dentro do Pronto Socorro para o
qual foram levados, vi uma porta, abri e entrei, no escuro. Justamente era a
sala onde tinham sido jogados mais de uma dezena deles, e o que só percebi
quando olhei para trás. Foi o tempo de sair dali horrorizada, embora costumada
com a cobertura policial, e voltar à redação.
Hoje mais distante desse epicentro, vem me chocando a cada
dia mais o pouco valor de tudo, da vida, das vidas, e a expansão de uma espécie
de pena de morte extra oficializada e praticamente aceita como normal, até
aplaudida. Antes que atirem pedras, junto a isso fatos de outros países,
conflitos em protestos, guerras, ações policiais, os bombardeios e ataques dos
Estados Unidos a barcos na América Latina supostamente ocupados por
traficantes. E ainda a violência que essas organizações criminosas poderosas
que se fortaleceram de tal forma a desafiar o Estado fazem entre elas, em seus
comandados, nas comunidades onde estabeleceram. O horror e a violência que
diariamente comandam e levam às ruas de todo o país, muitas vezes a troco de um
celular, um anel, um olhar atravessado, a cobrança de uma dívida. A vida não
vale nada. A justiça nunca feita.
Não tenho como propor solução, a não ser torcer por mais
cuidados e inteligência nas necessárias operações, e que possam proteger as
informações, os agentes destacados, as comunidades acuadas por todos os lados,
tanto pelos comandos, quanto pelas milícias, e ainda sob a constante suspeita e
violência dos policiais, que acabam também vítimas.
Onde erramos tanto? Como viramos isso, “povo gentil”? A
disseminação rápida dos nossos tempos institucionaliza a barbárie quando – seja
de que lado for – comemorando mortes de forma aleatória. Esperamos a próxima.
Governantes sorriem, como se realmente vitoriosos fossem, e apenas lamentando a
perda dos combatentes que comandou. E imediatamente se metendo em salas
refrigeradas e em reuniões de onde sempre saem anunciando a criação ou de novos
planos, medidas, ou de novos grupos, consórcios (sempre tem nomes bonitos),
ações conjuntas, leis. E mais reuniões. Temperadas com poder, disputas
políticas, busca por destaque e em alguns casos até culminando com a aparição
de autoridades das quais quase já esquecíamos a existência, como a do atual
ministro da Justiça, Lewandowski.
Não tem lado. Não podemos aceitar a barbárie, ou não
seremos mais nem uma sociedade.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, cronista, consultora de
comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom
para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na
Amazon). Vive em São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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