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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCLXVIII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 2ª Parte – VIII Ilha da Amizade – Tapirapuã II


A Terceira Margem – Parte CCLXVIII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 2ª Parte – VIII Ilha da Amizade – Tapirapuã II - Gente de Opinião

Bagé, 27.07.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
2ª Parte – VIII

 

Ilha da Amizade – Tapirapuã II

 

Relatos Pretéritos - Tapirapuã

 

Roosevelt (Continuação)

 

15.01.1914: Partimos ao amanhecer do dia seguinte. Um dos marinheiros se tinha extraviado no interior do terreno. Começou a dar voltas sem conseguir achar o Rio; tínhamos partido sem notar sua ausência. Paramos de pronto ao dar por ela, e com dificuldade o homem abriu caminho através dos cipós e dos espinheiros do matagal, na direção do ruído do motor da lancha e dos toques de buzina com que lhe indicávamos o lugar onde estávamos. Naquela densa mataria, quando o Sol está oculto nas nuvens, um homem sem bússola, que se afaste cem metros do Rio, pode facilmente se extraviar irremediavelmente.

 

Ao passo que subíamos o Rio, os coqueiros babaçu se tornavam cada vez mais numerosos. Naquele trecho, por espaço de muitos quilômetros eles davam um aspecto característico às matas marginais. Em toda parte seus ramalhetes de folhas compridas e curvas se erguiam entre as outras árvores e em certos pontos as sobrepujavam em altura. Mas nunca igualavam em altura aos gigantes das outras árvores comuns. Num coqueiro altíssimo vimos um aglomerado de orquídeas violetas crescendo à meia altura do tronco. Numa outra árvore enorme ‒ não coqueiro ‒, que sombreava uma pequena clareira, havia cerca de cem ninhos de guaches.

 

Passamos durante esse dia por uma grande fazenda, além de dois ou três pequenos sítios. As várias casas e ranchos, todos cobertos de folhas de coqueiros, ficavam junto ao Rio, num largo espaço de solo descoberto, escalonado de coqueiros babaçu. Uma chata coberta estava encostada ao barranco. Mulheres e crianças olhavam das janelas sem vidraças; os homens achavam-se parados à frente das casas. A construção maior era cercada por uma estacada feita de rachas de palmeiras fincadas no chão. Bois e vacas pastavam em volta, e carros de sólidas rodas inteiriças de madeira estavam inclinados, com suas lanças encostadas no chão. Fizemos nossa parada do meio-dia em uma ilha onde existiam altas árvores, cheias de frutas agradáveis ao paladar [Deviam ser ingazeiros, que abundam naquelas paragens]. Outras árvores da ilha estavam cobertas de flores de um vermelho vivo e amarelas; delicadas florinhas azuis e outras brancas, estreladas, atapetavam o chão. Aqui e ali, pela superfície do Rio, voavam andorinhas com tanta cor branca em sua plumagem que, brilhando ao Sol, Pareciam ter os corpos níveos suportados por asas pretas. A correnteza do Rio se ia tornando mais rápida; havia trechos de águas revoltas quase semelhando corredeiras; máquina, incansável, fazia força e arfava sob a dificuldade crescente com que impelia para frente a lancha e sua pesada compa­nheira. À noite amarramos junto ao barranco, num claro da mata que permitia acampamento confor­tável. Nessa noite os cupins abriram largos furos no mosquiteiro de Miller e quase lhe destruíram as meias e os cordões dos sapatos.

 

16 a 20.01.1914: Ao nascer do Sol continuamos a viagem. Havia trechos de água rápida e encarneirada, quase formando corredeiras; em toda parte a correnteza era forte e nosso avanço muito lento. A prancha era rebocada por um cabo e sua tripulação recorria aos varejões.

 

Mesmo assim, às vezes com muita dificuldade, conseguíamos vencer a correnteza. Duas ou três vezes, socós e biguás, pousados em alguma tranqueira do Rio, ou em árvores da margem, deixavam a lancha se aproximar até alguns metros. Em um trecho de mato alto notamos um bando de tucanos, visíveis, mesmo entre as copas das árvores, devido aos seus enormes bicos, e à destreza sossegada com que andavam, subiam e saltavam entre a galharia. Passamos por várias fazendas. Pouco antes do meio-dia, a 16 de janeiro, chegamos a Tapirapuã, sede da Comissão Telegráfica. Era um lugar atraente dando sobre o Rio, e se achava garridamente engalanado em nossa honra, não só com as bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos, como com as de todas as repúblicas americanas. Havia ali um grande espaço coberto de grama verde com árvores no centro. Em um lado desse espaço ficava o escritório da Comissão e, no outro, o de uma grande fazenda que ali tinha sua sede. Adicionem-se a isso, estrebarias, ranchos, abrigos externos, currais e, nas proximidades, áreas cultivadas.

 

Vacas leiteiras, bois para corte, bois carreiros e burros andavam quase que à vontade. Havia dois ou três caminhões e carros, assim como um trator utilizados na construção das linhas telegráficas, mas inservíveis na época das chuvas, ao tempo de nossa Expedição. Daquele lugar iríamos começar nossa viagem por terra com burros e bois de carga, várias dúzias dos quais foram reunidos para nos esperar. Muitos dias foram necessários para repartir as cargas e organizar várias combinações necessárias para que tão grande comitiva pudesse empreender a longa travessia do Sertão, atravessando uma região onde não havia alimento bastante para homens ou animais e onde era sempre possível entrar nalguma zona em que reinassem pestes fatais ao gado ou aos cavalos.

 

Fiala, com a habitual eficiência, tomou a seu cargo os aprestos relativos ao grupo americano da Expedição, tendo em Sigg um ativo e útil auxiliar. Harper, que como os outros trabalhava com zelo dedicado e jovial, ajudava-o também, exceto quando ocupado a auxiliar os naturalistas. Estes últimos, Cherrie e Miller, tinham feito, tanto quanto possível, o melhor e mais difícil trabalho da Expedição. Haviam colhido cerca de mil aves e 250 mamíferos. Não era provável que conseguissem outro tanto no resto de nossa viagem, pois tencionávamos, dali por diante, fazer tão poucas paradas e jornadear tão rapidamente quanto nos permitissem o terreno, o tempo e as condições dos meios de transporte.

 

Eu sempre desejava que dispuséssemos de mais tempo para estudar os hábitos de vida de empolgante interesse dos belos e admiráveis animais de pelo e aves que víamos a cada momento. Todo museu de primeira classe deve ainda organizar competentes colecionadores de espécimes; julgo, porém, que um museu poderia atualmente trazer benefícios mais duradouros se mandasse para os sertões imensos, onde a natureza selvática domina, observadores competentes que registrassem aquilo que observassem.

 

Tais homens deveriam também colher espécimes, pois essa colheita ainda é necessária; mas teriam de ser, de preferência, capazes de ver por si, e de expor sugestivamente aos olhos alheios os hábitos e costumes das criaturas que moram nas regiões desabitadas do mundo. Naquele lugar tanto Cherrie como Miller conseguiram certo número de mamíferos e aves que antes não haviam obtido; se alguns eram novos para a ciência, era cousa que só podia ser determinado após a chegada dos espécimes ao Museu Americano.

 

Quando fazia inspeção de suas armadilhas para pequenos mamíferos durante a manhã, Miller encon­trou um exército de terríveis formigas. A espécie era das pretas grandes e moviam-se em uma frente bem extensa. Estas formigas, algumas vezes chamadas formigas militares, como as invasoras africanas, marcham em grandes corpos que destroem ou fazem sua presa qualquer coisa viva que não se possa afastar a tempo de seu caminho. Andam depressa e tudo foge ante seu avanço. Os insetos constituem sua presa principal; é de admirar como até as mais perigosas e agressivas criaturas das espécies inferiores não lhes oferecem resistência séria.

 

A atenção de Miller foi atraída para esse exército de formigas por ter visto uma grande centopeia de 23 a 25 centímetros procurando fugir-lhes. Certo número de formigas estava a mordê-la, e ela se torcia a cada mordida, mas não cuidava de utilizar contra as assaltantes suas compridas mandíbulas encurvadas. Em outras ocasiões ele vira grandes escorpiões e grandes aranhas caranguejeiras procurando fugir de forma idêntica, mostrando a mesma incapacidade para atacar suas vorazes inimigas ou para se defenderem. As formigas sobem a grande altura nas árvores, chegam aos mais altos ninhos e do pronto matam e despedaçam os filhotes das aves.

 

Mas não são tão comuns como imaginam alguns escritores; podem-se passar dias sem se encontrar seus exércitos, e por certo muitos ninhos nunca são por elas visitados nem ameaçados. Em alguns casos parece provável que as aves se salvam, e a seus filhos, de outras maneiras. Alguns ninhos são inacessíveis. De outros, os pais talvez retirem os filhotes. Miller uma vez, na Guiana, estivera por alguns dias a observar um ninho de carriças formigueiras, com filhos implumes. Lá chegando uma manhã, viu a árvore e o ninho repleto de formigas.

 

Supôs, a princípio, que os filhotes tinham sido devorados, mas logo viu os pais que, a uns 30 m apenas de distância, penetravam na mata levando alimento nos bicos e dela saindo sem alimentos, e isso por vezes repetidas. Miller nunca descobriu seu novo ninho, mas estava certo de que os passarinhos alimentavam seus filhotes, que haviam sido removidos do ninho antigo. Estas carriças esvoaçam por cima e à frente das colunas de formigas assaltantes, alimentando-se não só dos insetos que elas espantavam, como também das próprias formigas.

 

Este fato tem sido posto em dúvida, porém Miller matou algumas com formigas no bico e no estômago. Libélulas em grandes bandos muitas vezes adejam sobre as correições, flechando para cima delas; Miller não pôde vê-las apanhando as formigas, mas essa era sua opinião. Eu próprio vi essas formigas atacando uma caixa de marimbondos muito agressivos e perigosos. Os marimbondos zumbiam em grande excitação, mas Pareciam incapazes de lhes resistir.

 

Vi também limparem um broto ocupado por suas parentas, as venenosas formigas de fogo; estas lutaram e não tenho dúvida de que mataram e aleijaram muitas das suas inimigas pretas, ativas e numerosíssimas, que em pouco deram cabo das primeiras. Daquelas terríveis formigas só encontrei de cor preta, mas há espécies vermelhas. Atacam seres humanos, precisamente como o fazem a todos os animais, e em casos tais o único recurso é a fuga precipitada. [...] Naquele acampamento o calor era elevado, de 33° a 40° C, e o ar pesado, saturado de umidade; caíam frequentes aguaceiros, mas não havia mosquitos e tínhamos muito conforto. Graças à proximidade da fazenda, passávamos regaladamente com abun­dância de carne, galinhas e leite fresco.

 

Dois ou três pratos brasileiros eram deliciosos: a canja, uma sopa espessa feita de arroz e galinha, a melhor sopa que um homem com fome possa ingerir; e o picadinho de carne, servido com um molho simples mas bem temperado.

 

A besta que me coube como montaria era um animal possante, de boa marcha. O Governo brasileiro pusera ali à minha espera bonitos arreios guarne­cidos de peças de prata, que muito me agradaram, embora minhas roupas muito surradas e grosseiras fizessem com ele um visível contraste.

 

Em Tapirapuã dividimos a bagagem e a nossa comitiva. Mandamos à frente, num carro puxado por seis bois, a canoa canadense, com seu motor e algumas caixas de gasolina e cem latas fechadas, cada uma com rações diárias para seis homens. Tinham sido arranjadas em Nova York, sob a direção especial de Fiala, para serem utilizadas quando chegássemos a lugar onde quiséssemos ter alimento variado e bom, em volume reduzido. Todas as peles, crânios e espécimes em álcool, assim como toda a bagagem que não era de absoluta necessidade, foram remetidas pelo Rio Paraguai abaixo, para Nova York, aos cuidados de Harper. A tropa cargueira, sob a direção do Capitão Amílcar ([1]), fora organizada para seguir formando um destacamento separado. O grosso da Expedição, composto pelos membros ame­ricanos, Coronel Rondon, Tenente Lyra e Dr. Cajazei­ras, com a bagagem de todos e com provisões, formava outro destacamento. (ROOSEVELT)

 

Filmete

 

https://www.youtube.com/watch?v=-ek3beISFFA&t=456s

 

Bibliografia

 

ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1944.

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Amílcar: Amílcar Armando Botelho de Magalhães.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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