Segunda-feira, 13 de dezembro de 2010 - 11h21
Prof. Diogo Tobias Filho*
Aceito com entusiasmo a ideia de que se não fôssemos racionais o mundo seria melhor de se viver. O nomadismo da idade da pedra foi o estágio atemporal em que o ser humano era feliz e não sabia. Não éramos até então, dotados de senso de sobrevivência calcado em bens materiais nem buscávamos vitória pessoal a qualquer preço. Queríamos apenas uma singela caverna, uma disputa leal por uma parceira no coito, quiçá, lutar em condições climáticas adversas, mas iguais com os outros animais pela sobrevivência da espécie. Sequer distinguíamos os efeitos dos nossos sentimentos.
De todas as percepções afetivas desenvolvidas desde que nossos ancestrais usaram o polegar e inseriram uma dieta rica em fósforo de forma assaz contínua, nosso cérebro dominou, além do sedentarismo e da agricultura, a sensibilidade dos sentimentos vitais, divididos em virtudes e defeitos. Entre os últimos, talvez a inveja seja de longe, o mais presente malefício no cotidiano das pessoas.
Pouco percebido pelo seu caráter excessivamente abstrato dentre os abstratos, a inveja é a causa da destruição do futuro promissor de talentos, um óbice contumaz no desenvolvimento do pensamento crítico, um ente assombroso contra o sucesso ou a riqueza dos nossos pares e o pior, sua essência causa sofrimentos tanto em quem a possui como quem dela se torna alvo predileto. Sabemos muito bem quão difícil é escapar das suas insidiosas garras quando estas encarnam sem serem vistas a olhos nus. Não há imunização para o mal que nasce no olhar de despeito.
Os alvos mais comuns dos invejosos são os que por razões diversas, destacam-se no palco da vida. Ser um homem de sucesso atrai olhares negativos, ser inteligente acima da média e isso inclui um aguçado senso crítico é meio caminho andado para ruína, ser belo diante dos feios é um sério risco, ser racionalista ao extremo no trabalho, na escola na família, não ser modesto muito menos humilde no marketing pessoal é eternamente motivo de infelicidade para os invejosos que de tudo fazem para empurra-los ao abismo do infortúnio.
Quantas mentes brilhantes foram estagnadas por seus pares medíocres? Quantos profissionais foram relegados ao desprezo do anonimato pelo medo de concorrência dos ínferos? Quantos notáveis deixaram de ser agraciados pela fortuna pessoal arruinados com a negatividade dos que o cercavam? Quantos amores interromperam seu caminho para a felicidade diante da obsessão dos fracassados? Quantos não conseguiram galgar os degraus do sucesso vitimados pela natureza sombria dos invejosos?
Dos livros de Shakespeare ao exibicionista do banheiro público, do seio da família ao coração das empresas, da escola às igrejas e sucedâneos, onde habita uma mente racional existe o risco mórbido da inveja, esse maldito sentimento que dói na alma e provoca insensatas desilusões. Vítimas anônimas ou figuras públicas como Jesus Cristo, Maria Madalena, Joana D’arc, Mauá, JK entre outros pagaram caro pelo relevante sucesso que fizeram das suas vidas.
A inveja é um mal que nunca se acaba. Que atire a primeira pedra quem nunca sofreu os danos de sua ira. Que atire a segunda pedra quem nunca a sentiu tentado a usá-la para derrubar seus desafetos. Mas a única maneira de enfrenta-la está indisponível na sociedade de consumo. Seria fazer o caminho de volta, sairmos da contemporaneidade e voltarmos a trilhar o caminho das comunidades primitivas como fazia o homem das cavernas.
*O autor é Professor de Filosofia – Email: [email protected]
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