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OAB condenada por erro na correção do Exame de Ordem



Por Fabiana Bica Machado, advogada (OAB-RS n º 66.886).

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Em 2009, após vários anos de denúncias de irregularidades de correção nos Exames de Ordem em praticamente todos os Estados brasileiros, a OAB inovou e anunciou a unificação de seu teste de proficiência. Apesar das críticas, a promessa era de (ainda maior!) lisura nos certames, e a esperança era de melhoria nos níveis de aprovação.

Passados três anos e onze exames unificados, os números impressionam de forma assustadora. Na última verificação, os números divulgados dão conta de que apenas 12% dos alunos foram aprovados – em um universo de mais de cem mil candidatos. Em um primeiro momento, o pensamento que vem é a já consolidada opinião do senso comum: por que a qualidade dos alunos anda tão baixa? Mas já é mais do que necessário mudar esse pré-conceito e redefinir o questionamento: que provas – e, principalmente, que corretores – estão sendo disponibilizados a esses alunos?

Em recente decisão do TRF da 4ª Região, a Ordem dos Advogados do Brasil foi condenada a pagar-me reparação por danos morais, porque fui indevidamente reprovada em um dos Exames de Ordem. O julgado reforma sentença de primeiro grau, que deu pela improcedência do pedido. O valor concedido é pequeno (R$ 5 mil), ante as agruras que passei. Mas é um começo. Penso que contribuir para o aprimoramento e a dignidade da Advocacia é um dever de todos nós.

Participando do concurso aplicado no primeiro semestre de 2005 na Seccional do Rio Grande do Sul (*) – à época os exames ainda eram regionalizados –, verifiquei, entre outros erros de correção, a falta de atribuição de grau a uma questão que não apenas estava respondida com total acerto, como contava cinco pontos da avaliação.

Mesmo após o recurso regulamentar solicitando a correção da questão (literalmente) esquecida, a resposta foi de que "não cabia o pedido de revisão".

Apesar da grande dificuldade de demonstrar erros cometidos na esfera administrativa, em razão da linha tênue que divide a independência entre os Poderes, não havia outra decisão a ser proferida pelo Judiciário, que reconheceu o erro administrativo e, ante a correção da resposta, determinou a atribuição do grau devido, resultando na minha folgada aprovação.

O recurso especial interposto pela OAB foi completamente rechaçado pelo STJ, que confirmou a decisão proferida pelo TRF-4. Da divulgação do resultado da prova até o trânsito em julgado da decisão, fui submetida a várias situações que comprometeram minha vida social e profissional, e afetaram saúde de forma severa.

Há um aspecto crucial que emerge dessa decisão. Em tempo de reconhecido colapso do sistema judiciário, verifica-se que a própria OAB contribui para o caos dessa engrenagem. Porque assim como esse processo, muitos outros poderiam deixar de ser ajuizados, houvesse uma correção digna e escorreita das provas dos Exames de Ordem.

Se, por um lado, é verdade que há bacharéis desqualificados e sem condições de aprovação nos testes de certificação de competências, há outros que são duramente punidos pela imperícia ou negligência de corretores despreparados ou displicentes. Porque sejam professores iniciantes ou já há muito iniciados (lembre-se que a lista de corretores não é divulgada), todos devem ter extrema atenção nas verificações das respostas, observando a colocação de todos os quesitos que devem ali figurar.

A ação mencionada que ajuizei teve origem pelo fato de que o corretor foi manifestamente negligente, e deixou de cumprir tarefa básica da correção: ler o que eu, como examinanda, havia escrito.

Repensar e reordenar o ensino jurídico no Brasil vai muito além de pensar apenas na base dessa pirâmide.

Além de combater os cursos de qualidade duvidosa, é necessário repensar e redimensionar todo o sistema. Ter alunos interessados em adquirir conhecimento, e não apenas alcançar notas para aprovação; professores interessados em disseminar o conhecimento que adquiriram, vendo os alunos como discípulos, e não como concorrentes.

E oferecer aos formandos interessados na Advocacia uma prova bem redigida, sem entendimento ambíguo, e corrigida por profissionais realmente comprometidos com o desenvolvimento de um bom trabalho.

Se considerada somente sob o aspecto monetário, a decisão foi irrisória, diante de todos os percalços que enfrentei. Por diversos fatores, a prova do processo não foi suficientemente produzida.

Mas a decisão do TRF-4 e do STJ vai muito além. Porque se mostra histórica, na medida em que é a pioneira a condenar a OAB pela negligência no trato com os seus profissionais. Pela deficiência da prova, o valor atribuído foi o maior possível encontrado pelo magistrado; ainda assim, a condenação monetária toma seu vulto, na medida em que serve para a compreensão do verdadeiro sentido da expressão "caráter pedagógico da sentença". Porque ela se presta a poder-se dizer que "sim, houve uma grande injustiça, mas, ela foi de alguma maneira, reparada".

E se o precedente for aplicado a cada examinando que conseguir demonstrar a irregularidade cometida em sua prova, pode ter proporções até então nunca mensuradas.

Além disso, a decisão mostra a coragem e hombridade de magistrados que, sem se curvar ou compactuar com irregularidades ou pressões de grupos que tenham grande influência política e/ou social, julgam de acordo com a legislação vigente e, sobretudo, com seu senso de justiça. Profissionais que verdadeiramente merecem nosso respeito, nosso aplauso e nosso rogo de que se multipliquem, servindo de exemplo aos demais juristas que tomam para si a árdua tarefa de tomar decisões sobre as vidas das pessoas.

Porque retidão de caráter é indispensável à imparcialidade do juiz, qualquer que seja a sua esfera de atuação.

Complementos feitos pela redação do Espaço Vital

* O Exame de Ordem a que se submeteu a advogada ocorreu na gestão dos advogados Valmir Martins Batista / Bráulio Pinto, em 2005.

* O número do processo (JFRS) que reconheceu o erro na correção da prova é 2005.71.00.030097-6. A confirmação do julgado pelo STJ teve o nº 1002079.

* O número do processo da ação indenizatória, também na JF-RS, é 5008210-60.2011.404.7100. Proferida a sentença de improcedência (juíza Maria Isabel Pezzi Klein), a apelação foi provida por maioria (votos dos desembargadores Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, Luiz Carlos Lugon e Edgard Lippmann Júnior); a desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha foi voto vencido, entendendo que não houve qualquer erro cometido pela OAB. Está em curso prazo para eventuais recursos aos tribunais superiores.

* O advogado Ricardo Aronne atuou em nome da bacharel na ação que reconheceu o erro da OAB. Na ação reparatória por dano moral, a autora - já como advogada - atuou em causa própria.

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