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O centenário cinema de Chaplin e busca do ouro



Guido Bilharinho
 

Há muita diferença entre O Garoto (The Kid, EE.UU., 1920) e Em Busca do Ouro (The Gold Rush, EE.UU., 1925), de Charles Chaplin.

Em decorrência da forca intrínseca do drama aventuroso em que se envolve e se empenha Carlitos, a personagem apresenta-se mais contida e, portanto, mais próxima da normalidade comportamental. Raramente ocorre cena em que seu histrionismo é deliberado e, portanto, forçadamente cômico. Nesse sentido, apenas quando está dançando no saloon é que se tem sequência marcada por fato insólito e atitudes disparatadas, circunstâncias bastante repetitivas em outros de seus filmes, curtas, médias ou longas-metragens. Mesmo assim, não se prolonga essa passagem, que possui suficiente quando não exata duração.

No mais, o filme é pautado pela seriedade de acontecimentos e da conduta de Carlitos, não havendo a costumeira e impositiva comicidade na exploração exagerada de seus sestros e extravagâncias.

A personagem não perde, no entanto, suas características básicas. Pelo contrário, é acentuada, no caso, sua humanização, já que livre de alguns dos cacoetes que a singularizam e que o público, mesmo ou principalmente o intelectualizado afeito a outras artes, aceita complacentemente.

Nesse filme, o que se tem, do início ao fim, com a citada exceção da cena do saloon, é personagem gizada com autenticidade, orgânica e intelectualmente integrada no ambiente físico e humano em que se meteu em busca de ouro.

Por isso, além da coerência e constância de sua conduta em todas as situações, ressalvado o episódio mencionado, que incide na costumeira comicidade, suas duas iniciativas mais relevantes, que se celebrizaram e tornaram-se antológicas - a refeição da bota cozida e a coreografia dos pães - inserem-se no contexto e o compõem.

No caso, cumpre destacar que a excelência dessas cenas como de outras ocorrentes em muitos dos filmes de Chaplin não decorre de atributos cinematográficos, aspecto em que não se salientam, mas, de concepção e estruturação ficcional, pelo que poderiam (e podem) acontecer numa peça de teatro, em romance ou conto e até em dramatização (a da bota) circense. Aliás, como toda obra chapliniana, sua virtude maior (ou única) é ficcional.

Nesse sentido e nesse filme, como talvez em nenhum outro, Chaplin aplica em cada acontecimento a dose certa de duração e, principalmente, de pertinência comportamental das personagens, daí decorrendo a consistência do filme, servido também, em não menor dose de importância, de persistentes equilíbrio e densidade poética, presentes em todo seu desenrolar. Qualidades estas que conseguem abrandar as limitações de cunho cinematográfico e mesmo ficcional que o caracterizam. Aquelas, de ordem formal, por seu convencionalismo e, estas, de natureza temática pela ênfase na estória, com seu ordenamento e condução tornados o objetivo da realização.

A suplantação dessas restrições com elevação do filme ao patamar artístico é performance notável pelas dificuldades intrínsecas ao projeto tal como concebido.

Não é, pois, sem razão, que o filme agrade ao público e não desagrade à crítica, visto conter elementos (emocionais e narrativos) que atingem o primeiro e fatores (poéticos e racionais) caros à segunda, em rara operacionalidade de opostos colocados lado a lado e simetricamente amalgamados.

Até mesmo os laivos românticos atenuam-se no filme, onde sobressai o tratamento a que se submete as agruras da fome, balizada entre os limites físicos da resistência humana e sua extrapolação ótica, análoga à das miragens nos desertos.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,

Instituto    Triangulino    de    Cultura,    2003)

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensãode 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional, entre eles, Brasil: Cinco Séculos de História, inédito.

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