Quinta-feira, 25 de outubro de 2007 - 09h52
A questão da prorrogação da CPMF tem tido a utilidade de possibilitar o exame do conjunto de tributos que vai vitimando, sem clemência ou sentido de justiça, o povo brasileiro.
É que a matéria exige reforma constitucional, com quorum privilegiado para aprovação. Aprovada a emenda pela Câmara, em 2 votações, está sendo encaminhada para o Senado, em que a maioria governamental não é expressiva e a lama do caso Renan dificulta os movimentos e articulações, possibilitando tombos e escorregões, que tornam de difícil previsibilidade a tramitação dessa emenda constitucional.
Efetivamente, a CPMF é um tributo da pior qualidade. É enganador, parece pouco pela sua alíquota pequena, mas a sua cumulatividade morde muito, e torna a sua carga tributária exponencial; induz à monetarização da economia; discrimina negativamente a produção nacional e favorece a importação, possibilitando seja-lhe atribuída a designação adormecida de entreguista; é gilete, pois corta dos dois lados, a produção e o consumo; invade todas as bases dos outros impostos e contribuições, sendo instrumento de guerra fiscal contra os entes mais fracos da Federação, os estados, Distrito Federal e municípios.
Finalmente, propicia uma arrecadação sem muito esforço do governo, pois feita pelas instituições financeiras, que a retêm por ocasião das retiradas de dinheiro dos seus estabelecimentos. Compõe para o Fisco o “facilitário tributário”.
Diante do quadro, em que predomina a avidez arrecadatória do Fisco Federal, a cúpula governamental está nervosa e aflita, estressada diante da possibilidade de essa contribuição perversa e rica falecer em 31 de dezembro deste ano.
Outro dia, em cerimônia realizada em Florianópolis, o próprio presidente Lula, a propósito da CPMF, abordou a questão da tributação no país, em especial a da carga tributária, e pontificou, como lhe é atualmente peculiar: “a verdade é que as pessoas estão pagando mais porque estão ganhando mais. É só ver o lucro dos bancos, ver o lucro das mil maiores empresa brasileiras que vocês vão perceber que as pessoas estão ganhando mais e, portanto, têm que pagar mais”.
Como diz o ditado popular, “há males que vêm para bem”. A propósito da CPMF, a cúpula governamental vai explicitando suas concepções tributárias e, ao fazê-lo, expõe as fragilidades do seu entendimento.
Os bancos e as mil maiores empresas do país, que geram lucros astronômicos, não pagam o substancial do imposto de renda sobre seus lucros. Pagam sobre os juros do capital próprio distribuídos aos seus sócios ou acionistas a uma alíquota definitiva na fonte de 15%.
Essa incidência é uma originalidade brasileira, única no mundo. Heterodoxia da tributação. A alíquota de imposto de renda aplicável ao lucro, regra geral, até 240 mil reais, em base anual, é de 15%, e o que excede a tal lucro submete-se à alíquota adicional de mais 10%. Se ainda houver lucro, depois de apurado o IR sobre os juros do capital próprio, eles são considerados como dedução para apuração do lucro real. É triplo o benefício às grandes empresas que ganham lucros extraordinários: alíquota reduzida, base de cálculo heterodoxa (juros) e dedução dos juros, se ainda houver lucro a ser tributado.
As grandes empresas têm tratamento favorecido no imposto de renda da pessoa jurídica. Mas o povo, vale dizer, a classe média e a trabalhadora, padece de cruel tributação sobre as mercadorias que consome. Essa, a realidade. Estão esmagados pelo peso absurdo dos impostos e contribuições. Não há razão para comemorar, presidente Lula. Governo não é usurário. Nem hiena.
Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal. E-mail: osirisfilho@azevedolopes.adv.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
Fonte: Osiris Lopes Filho
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