Quinta-feira, 4 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Opinião

Guarda-Sorriso


 
 
 
                                              João Baptista Herkenhoff
 
 
 
          Vitória não é uma grande metrópole mas, mesmo assim, as pessoas desaparecem. Onde estará um guarda de trânsito que, por tratar os motoristas e cidadãos em geral com extrema delicadeza, era chamado Guarda-Sorriso?
 
          Eu o vi numa audiência há quatro décadas, quando ainda exercia a função de Juiz de Direito, e nunca mais voltei a encontrá-lo.
 
          Nessa audiência o Guarda-Sorriso compareceu como vítima, pois fora desacatado por uma moça que o  chamou de guardinha. Essa moça, no horário do rush, sendo péssima motorista, foi sucessivamente multada pelo guarda porque sucessivamente cometeu infrações. O veículo sofreu um problema mecânico. Tentando safar-se da situação embaraçosa, parou o carro onde não podia parar, deu marcha a ré indevido, avançou quando não podia avançar, provocou uma balbúrdia no trânsito. Ao receber as multas, corretamente aplicadas, a infratora chamou o Guarda-Sorriso de guardinha, um procedimento desrespeitoso e injusto.
 
          À face da lei, a moça deveria ser condenada nas sanções do artigo 331 do Código Penal, assim redigido:
 
“Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.”
 
A acusada, arrimo de família, tinha feito um concurso público, foi aprovada e estava para ser nomeada. A condenação, ainda que na pena mínima (multa), impediria a nomeação. A multa administrativa não gera este efeito, mas a multa criminal sim.
 
          O Guarda-Sorriso, demonstrando a altitude de sua nobreza, pediu que a acusada fosse absolvida porque, além de tudo que já constara dos autos, a Mãe de sua agressora era idosa e estava enferma.
 
          Como agir à face do caso concreto:
 
          a) condenar a acusada e lhe fechar o futuro?
 
          b) absolvê-la e atender o pedido de clemência do Guarda-Sorriso?
 
c) a piedade da vítima demonstrou grandeza espiritual mas não era juridicamente procedente, pois se tratava de uma ação pública; a injúria não alcançava apenas a pessoa do guarda, mas também a função que desempenhava como agente do Estado; desprezar então a lei naquele caso concreto?
 
Pareceu-me que não seria justo destruir o futuro da moça e alcançar com a sentença as pessoas que dela dependiam financeiramente. De fato, o perdão do ofendido não extinguia o delito mas seria ilógico desprezá-lo. Lavrei decisão absolutória.
 
Tantos anos depois, fico a meditar.
 
 Era preciso que houvesse muitos guardas-sorriso, muitos homens-sorriso, muitas crianças-sorriso, para tornar menos agreste este mundo tão tenso, tão competitivo, tão cruel.
 
Esteja você onde estiver, receba Guarda-Sorriso José Geraldo Morais minha palavra de admiração.
 
 
 
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
 
 
 
 

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 4 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

A política do tempo dos coronéis

A política do tempo dos coronéis

Tem gente que acha que basta o presidente da República, o governador ou o prefeito escolher seu sucessor e todo mundo vai votar no seu candidato. Is

Desrespeito a Porto Velho

Desrespeito a Porto Velho

Não tem prefeito que dê conta de resolver os problemas da cidade que administra se os habitantes não colaborarem.  Não se pode negar que Léo Moraes es

Os títulos podres do Master

Os títulos podres do Master

O Banco Master, do senhor Daniel Vorcaro, está no centro de uma crise financeira. Tudo indica que houve gestão fraudulenta. O Master oferecia taxas

Transporte Público Gratuito: 78 bilhões no colo do setor produtivo

Transporte Público Gratuito: 78 bilhões no colo do setor produtivo

O Governo não para de criar propostas mirabolantes para agradar o eleitorado com políticas assistencialista e prepara, mas uma festa. O “bolo”, poré

Gente de Opinião Quinta-feira, 4 de dezembro de 2025 | Porto Velho (RO)