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Artigo

Tristes recordações da Aneel


Heitor Scalambrini Costa - Gente de Opinião
Heitor Scalambrini Costa

“Brasil
Mostra tua cara
   Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio
O nome do teu sócio
Confia em mim”.

 (Cazuza, Nilo Romero, George Israel)

 

Hoje acordei com a notícia que a Justiça Federal quer explicações da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel se houve facilitação para renovar contratos com empresas distribuidoras de energia elétrica, sem exigir o pagamento de multas e débitos acumulados. Instantaneamente comecei a cantarolar a música do Cazuza. Sei não porque fiz esta associação.  

Segundo divulgado, são 15 empresas que acumulam R$ 1,18 bilhão em débitos e são responsáveis pela distribuição de energia elétrica em 12 estados, cujas multas foram aplicadas por descumprimento de obrigações contratuais, ou desrespeito de metas de qualidade do serviço. Assim, para terem seus contratos renovados deveriam no mínimo pagar o que deviam. A Justiça Federal quer saber se houve “maracutaia”. 

A Aneel não traz boas recordações, pois sempre esteve e está presente na tragédia das tarifas de energia elétrica que se abateu sobre o consumidor, a população brasileira, com a privatização do setor (distribuição e grande parte da geração e transmissão). Estudos recentes apontam que a conta de luz é o item de maior impacto no orçamento de quase metade (49%) das famílias brasileiras, ao lado da alimentação. 

Criada após o processo de privatização das distribuidoras tomar fôlego no governo neoliberal de FHC. Desde seu nascimento foi “cortejada” pelas empresas privadas do setor, que em 2005 se organizaram na Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica- Abradee, que atua como lobista, defendendo os interesses corporativos, com uma interlocução privilegiada e poderosa junto a Aneel, o governo Federal, e o Congresso Nacional. 

É responsável pela regulação e fiscalização das empresas. Criada pela Lei nº 9.427/96, deveria atuar para garantir o fornecimento de energia com qualidade e preços justos e módicos, além de promover o desenvolvimento eficiente do setor. Todavia, ao longo dos anos demonstrou ineficácia, despreparo, falta de transparência, sofrendo interferências indevidas nas decisões/ações, além de negócios e interesses mal explicados à opinião pública. Tem ainda como responsabilidade crucial decidir/estipular os índices de reajuste aplicado nas tarifas, além de fiscalizar os serviços prestados. 

Com tarifas altas e péssima prestação de serviços, as distribuidoras estaduais foram alvo de inúmeras reclamações, manifestações, denúncias e processos jurídicos. Os índices de qualidade (DEC- Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora e FEC- Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) a que estavam submetidos, foram sistematicamente desrespeitados.  

Prefeituras, câmaras de vereadores, governos estaduais, parlamentares federais se manifestaram, reclamaram, divulgaram cartas de repúdio exigindo melhorias na prestação dos serviços, com mais qualidade. Uma das manifestações de maior repercussão foi a decisão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, que exigiu o rompimento do contrato com a concessionária, que atende à capital paulista. 

Diante de tantas evidências, e fatos concretos, nada mudou. Ao contrário, nos últimos anos pioraram. A blindagem destas empresas, além de serem os próprios contratos de privatização, conhecidos como “juridicamente perfeitos”, contaram com a leniência, omissão, e mesmo, em certos casos, prevaricação de agentes públicos, ressaltando o papel da agência reguladora, a Aneel. 

Com o final dos contratos de concessão das distribuidoras (na maior parte com vigência de 30 anos), o governo federal propôs a renovação por mais 30 anos, com modificações pontuais. Segundo o ministro de Minas e Energia, “as modificações são necessárias, pois os contratos de distribuição são frouxos e dão poucos mecanismos à agência reguladora e ao poder concedente de cobrar da distribuidora melhor qualidade do serviço. Queremos endurecer o processo, os índices e os mecanismos de fiscalização e de cobrança da qualidade”. Foram necessários praticamente 30 anos para se chegar a estas conclusões!!!  

Foram os contratos de concessão, conhecidos como contratos de privatização, que permitiram a instalação do capitalismo sem risco no Brasil. Empresas do setor obtiveram exorbitantes lucros (dentro da realidade econômica brasileira) apresentados nos Relatórios Anuais Contábeis. Para os consumidores, os contratos e a agência reguladora significaram, além dos apagões, a baixa qualidade nos serviços e aumentos excessivos nas tarifas, bem acima da inflação. As tarifas pós-privatização aplicadas contribuíram para uma fabulosa transferência de renda da população brasileira para as distribuidoras e seus donos estrangeiros e nacionais. 

Com a decisão governamental de renovar os contratos com as distribuidoras de energia elétrica, o povo brasileiro continuará penalizado, perdendo a grande oportunidade de estatizar o setor elétrico, iniciando pela distribuição. Nada custaria aos cofres do tesouro nacional, pois os contratos estariam finalizados, e não haveria nem prorrogação, nem nova licitação. 

O que é notório, sem dúvida no setor energético/elétrico brasileiro, é a falta de transparência e de participação social, democratização em todo o processo decisório. O Conselho Nacional de Política Energética, de assessoramento à presidência da República, tem em sua essência e composição um grande déficit de democracia, que não condiz com os tempos atuais em que a participação da sociedade é exigida. 

Enquanto a democracia não chega a sociedade paga pelos “erros” cometidos por uma casta que se instalou no setor energético. Exige-se mais democracia, mais participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não discutir com a sociedade as decisões que toma.

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