Domingo, 19 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Pessoas queimadas vivas


Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)
Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas

Sete presos morreram queimados vivos na Colônia Penal de Porto Velho, no dia 05 de agosto de 2012. Pode ser que a repetição de mortes de presos, sob a responsabilidade do Estado, leve o Brasil a enfrentar novamente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Lá estivemos em razão do massacre de 27 presos ocorrido no presídio Urso Branco, em 2002. Neste novo episódio, transcorridos dez anos, 150 presos estavam acondicionados em um galpão.Pessoas queimadas vivas  - Gente de Opinião

Um galpão não poderia, não pode abrigar cento e cinquenta pessoas, independentemente se presas ou soltas. Porém, como estavam presas, sob a custódia do Estado, suas vidas eram de responsabilidade pública. E é óbvio que, na condição de presas, a capacidade dessas pessoas se livrarem do fogo é (ou era) muito menor. Nesta condição estavam indefesas, incapacitadas de defenderem a própria vida.

Em 2010, no Chile, 83 pessoas morreram e outras 21 ficaram feridas em incêndio ocorrido na prisão de San Miguel, em Santiago, em situação semelhante a esta vista agora em Rondônia. Foi preciso que ocorresse isso para que o presidente chileno, Sebastián Piñera, atentasse para as precárias condições das penitenciárias existentes no país.

Em Honduras, em 2012, foram mais de 300 mortos, quase a totalidade que o Centro Penitenciário de Comayagua comportaria. No momento em que o Estado assistiu à morte dos presos, entretanto, a penitenciária retinha mais de 900 apenados. Isto é, um terço dos presos foi queimado vivo, sob a visão inercial do poder público, em verdadeiro forno crematório.

O que há em comum a todos esses casos é a chacina patrocinada pelo Estado, uma afronta ao Estado de Direito. Com ou sem autorização ou participação direta, o que importa é que o direito essencial à vida não vale nada, pois as condições reais de existência dessas pessoas são inaceitáveis. São pessoas condenadas à morte, como se estivessem presas em campos de concentração. Sem que as “autoridades” responsáveis sejam efetivamente julgadas e punidas estamos condenados a ver a repetição desses casos.

No último episódio brasileiro, algumas perguntas restaram para ser respondidas: em situação normal, quanto tempo o Bombeiro demoraria para chegar? Não havia brigada de incêndio, prevendo-se o fato ocorrido? Não havia equipamento de combate a incêndio? Os presos feridos foram socorridos? O que foi e será feito para investigar responsabilidades? O que foi e será feito para evitar outra chacina como esta?

Na América Latia, como vimos pelos exemplos recortados, vigora um Estado Penal cruel, sádico, em que as mortes devem vir pelo fogo. Para que o leitor tenha ideia da crueldade, basta que imagine a dor e a agonia dos presos com as carnes fritando.

Não é uma questão de retórica, nem da defesa dos famosos “direitos dos presos”. Trata-se da defesa da dignidade ou, se quiserem, do que é óbvio, da vida, ou seja, trata-se de enfrentar o fato de que pessoas presas não podem morrer queimadas.

Se se quer lutar contra determinados direitos garantidos, se presos ou soltos, até se admite que seja um direito de todos. Agora, lutar para defender, justificar que pessoas presas sejam queimadas vivas, aí é demais. É demais porque isso é um crime contra a humanidade. Esse tipo de defesa se enquadra bem no nazismo.

Pessoas queimadas vivas  - Gente de Opinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 19 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Por que ler Paulo Freire?

Por que ler Paulo Freire?

 É certo que cada leitura fará seu leitor, leitora, encontrar respostas as mais diversas, a depender da visão de mundo, dos interesses e motivações

Antropologia Política do Virtual - o fim da inteligência social

Antropologia Política do Virtual - o fim da inteligência social

É fato que, ao longo dos séculos, alguém sempre apontou para o Armagedon – e a Segunda Grande Guerra, com o implemento da Bomba Atômica, seguindo-se

Uma caneta

Uma caneta

Tenho lembrado muito do isolamento. E que se impôs como nosso isolamento. - como ironia radical, o que nos trouxe, nos levou. Mas somos melhores do qu

Não fiquei bonzinho - nem na casa da vovó

Não fiquei bonzinho - nem na casa da vovó

Quando você cuida da sua gata na pandemia, e a gatinha de 4 patas exige ser a dona da casa você aprende algumas coisas. A primeira e muito óbvia diz

Gente de Opinião Domingo, 19 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)