Sábado, 14 de junho de 2025 - 08h00
A cada dia
nos percebemos mais vulneráveis, iludidos, frágeis, indefesos, até bobos e
manipuláveis. Muito além dos inúmeros riscos que sofremos no dia a dia, tem o
que escutamos, no que acreditamos, em quem acreditamos. E ainda temos de ouvir
de vez em quando uma justificativa ridícula: era só retórica.
A palavra saiu da boca
do depoente maior desta semana (que prefiro e nem preciso citar o nome) algumas
vezes, na maior cara dura: “era retórica”. “Exagerei na retórica”. Acompanhada
por um “desculpas” isso ou aquilo, como se educado e inocente fosse.
Praticamente alegando que nem sabia porque estaria ali sendo julgado, ao lado
de outros “inocentes”. Creio que a todos pareceu estarmos assistindo a um
espetáculo teatral, aliás, tenebroso, de péssimo gosto, principalmente para
quem tem memória de tudo o que foi dito, quando foi dito, o que foi feito e o
que causou, a forma e os locais nos quais foram ditas as tais frases
“retóricas”. Como se sente quem acreditou, feito de idiota, manipulado? Devem
estar se sentindo traídos, e mais uma vez, por ídolos de barro mole. Camisetas
amarelas e da Seleção queimadas nas fogueiras de São João seria agora o mínimo
da dignidade.
Ah, se fosse só ele a
usar esse recurso, e se tudo fosse como tantos declaram, de forma tão despreocupada
como se não houvesse amanhã que as revelasse à luz do Sol, da justiça, da
verdade. Está virando moda dizer um dia, se desdizer no outro, principalmente
sentado na cadeirinha dos tribunais. Racista, homofóbico, violento, eu?
“Imagine, era só retórica”, dizem, sempre acompanhado de frases que pioram e
muito a situação, como “tenho até amigos negros”, “ué, não quis ofender”, “só
exercia minha liberdade de expressão”.
Liberdade de expressão
que na boca (ou nos posts feitos em redes sociais) de certas pessoas causa até
arrepios na coluna; enoja. Andam usando como bandeira de tanta coisa ruim que
daqui a pouco vão defender que se grite “Fogo” dentro de uma sala de cinema, e
depois saiam às gargalhadas, como creio que sempre estão rindo de nossas caras.
Caçoando dos coitados que vão atrás de suas ordens, que acreditam nas balelas e
por elas são capazes de brigar e até matar. Largar a família para viver em
tendas nas portas do Exército. Ou, por outro lado, acreditar de pés juntos que
as coisas atualmente estão uma beleza no país, que o mundo nos acha o máximo.
Não é difícil perceber
o quão nos tornamos muito mais vulneráveis aos perigos, além daqueles que a
vida sempre nos proporcionou, inevitáveis. Desde a queda de um avião
considerado o mais seguro do mundo, o atropelamento ao atravessar na faixa de
pedestres, um vaso que cai de uma janela, o tropeção nos buracos de rua, o
assalto à mão armada. Tem também um conflito lá longe que pode degenerar uma
guerra mundial e explodir a qualquer momento, e que se inicia com uma notícia
extra no meio da noite, trazendo angústia e sérios problemas a todos. Esse
“mais” inclusive já vêm também com retórica do um contra o outro, dos líderes e
suas pretensões, sejam elas de poder, religião, conquistas ou mesmo para
desviar o olhar de suas próprias e já sentidas inconsequências. De todos os
cantos, uma hora chega a nós. Ultimamente até porque a tudo parece sermos
forçados a termos de aceitar e decidir por um lado, desses dois que nesse
maniqueísmo absurdo as coisas se transformaram nos últimos tempos, em todos os
campos.
Além da vida digital em
andamento, essa que tanto facilita e ao mesmo tempo complica as relações, os
temas até que vêm tendo tentativas de normalização, como a discussão no Supremo
Tribunal Federal sobre a responsabilização das empresas que abrem suas portas
sem ver o que/ quem entra e o que vão ou já estão fazendo por ali.
Há o novo inferno
trazido pela inteligência artificial, ao mesmo tempo tudo de bom para o
progresso, e tudo de ruim, quando usada com artimanhas para criar universos
paralelos, golpes, chamados, raivas, transformar mentiras em verdades como
mágica destrutiva de qualquer coitado do São Tomé. Agora é “não adianta mais
ver para crer”. Surgem daí novos magos, mágicos de falsificações, mentes de
verdade de pessoas inteligentes voltadas apenas para a manipulação, para nos
deixar cada vez mais vulneráveis, medrosos, indefesos, desprotegidos e
derrotados. Além, claro, de exaustos.
Combinando com o tempo
das festas juninas, pulamos fogueiras, pontes e corremos das cobras de líderes,
governos, organizações, medidas, ordens e decretos, seduções e promessas.
Não somos a quadrilha,
nem as dançamos. Somos mesmo é todos os caipiras e ingênuos a serem enrolados
no caminho de uma roça onde não há GPS que nos salve do buraco que vão acabar
nos metendo.
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MARLI GONÇALVES –
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de
Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora
Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo. marligo@uol.com.br /
marli@brickmann.com.br
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