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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Assim Caiu Ademar


Assim Caiu Ademar - Gente de Opinião

Bagé, RS, 26.12.2025

 

Vamos continuar reproduzindo as reportagens da Revista Manchete:

 

Manchete n° 746, Rio de Janeiro, RJ

Sábado, 06.08.1966

 

Assim Caiu Ademar

 

Ao Sair do Palácio, Ademar Ouviu um Amigo Dizer: “Toda Revolução tem um pai que é uma Fera

 

Uma semana antes da queda de Ademar, sete agentes do Serviço Nacional de Informações haviam sido deslocados para São Paulo, por ordem pessoal e direta do General Golbery Couto e Silva. Existiam indícios concretos de corrupção naquele Estado, com o suborno de vários deputados.

 

Tive de contribuir com 570 milhões de cruzeiros e por isto não pude pagar a folha dos meus operários no mês passado.

 

O depoimento desse empreiteiro, tomado por termo, impressionou o agente do SNI, que voltou correndo para o Rio. Simultaneamente, tinha sido levantada a relação de nomeações em massa para os quadros do funcionalismo estadual, bem como de contatos do governador paulista com políticos cassados para garantir a vitória na Assembleia. O Sr. Ademar de Barros parecia disposto a ganhar a qualquer preço a batalha da sua sucessão. E reativou seus preparativos a partir do instante em que a Arena homologou a escolha do Sr. Abreu Sodré, com total cobertura do Governo Federal. Tinha como certo que, dentro de poucos dias, inverteria em favor de um candidato seu todos os atuais cálculos e previsões sobre o resultado da eleição na Assembleia Legislativa.

 

As provas, trazidas ao Rio no fim de semana, alte­raram a habitual quietude do Palácio das Laranjeiras: ali eram vistos entrando e saindo os Generais Golbery e Geisel, aos quais caberia, finalmente, como diretor do SNI e como secretário do Conselho de Segurança, a denúncia final e o pedido de cassação. Houve enorme preocupação para que o ato colhesse o governador paulista de surpresa e evitasse qualquer reação de sua parte, pois existiam inclusive indícios de que Adernar se preparara para reagir. Seus últimos pronunciamentos davam a entender que se tratava de um homem disposto a vender caro a sua posição. O General Amaury Kruel estava de passagem pelo Rio com destino à sua fazenda no Município de Linhares, Espírito Santo, quando recebeu um telefonema e uma ordem para que voltasse imediatamente a São Paulo e colocasse de prontidão as tropas do II Exército. Algumas unidades de Jundiaí e Caçapava chegaram a ser convocadas. Coube também ao General Kruel, juntamente com o Sr. João Leite, chefe de Gabinete do Ministro da Justiça, comunicar ao ex-governador a notícia da cassação dos seus direitos políticos por dez anos e consequentemente a extinção do seu mandato. Ao receber a comunicação Ademar estava com 39 graus de febre.

 

Havia Nervosismo Naqueles Últimos Instantes no Palácio dos Campos Elísios. Muita Gente Ainda não Sabia se o Governador Reagiria ou não ao Decreto que o Cassou

 

Divulgada a notícia pelas televisões e emissoras de rádio, o Palácio dos Campos Elísios começou a receber uma avalancha de amigos e correligionários do governador. O ambiente, ainda era de expectativa. Mas a tristeza já se tornara flagrante na fisionomia das pessoas que cercavam Ademar. Naquela mesma noite, ele reuniu pela última vez o secretariado. Ao entrar para a reunião, abatido, febril, a barba por fazer, lembrou a frase do General Douglas MacArthur: “Eu voltarei”.

 

Enquanto isto, pelos portões laterais do Palácio, empregados carregavam às pressas roupas e malas para o interior de vários veículos estacionados no pátio. Papéis e documentos eram guardados em pastas por funcionários mais íntimos. O nervosismo e a confusão eram gerais:

 

Ademar de Barros: Reuni vocês por apenas cinco minutos. Fiz o que era possível. Quero agradecer toda a colaboração que me deram nesses anos de governo. Embora coagido pelos acontecimentos, desejo dirigir-lhes uma palavra de carinho e agradecimento por terem suportado comigo esta causa tão pesada e difícil. Esta é a minha palavra de adeus e despedida. Sinto-me como se deixasse uma ilha no Pacífico. É a terceira vez que me sinto acossado. Não me custa nada voltar e prosseguir. Tudo o que Deus faz é bom. Se vocês olharem o decreto de minha cassação verão que não está explicada a razão do meu afastamento.

 

A Força Pública nenhuma participação teve nos acon­tecimentos. As ruas de São Paulo, com um frio de 13 graus, num final de domingo, estavam quase deser­tas. O Sr. Ademar de Barros, trajando um terno escuro e protegendo-se do sereno com um chapéu branco, deixava o palácio. Momentos antes, sentira-se mal e fora atendido por um médico em seus apo­sentos particulares. Mas, refeito, logo partiu para o interior do Estado.

 

Em seu lugar, empossou-se o Vice-Governador, Sr. Laudo Natel, que na véspera viera ao Rio e recebera do Presidente da República a comunicação de que se preparasse para assumir o Governo de São Paulo, pois o decreto que derrubava Ademar e o nomeava já estava seguindo para publicação no Diário Oficial em Brasília.

De Interventor a Duas Vezes Governador

 

Em São Paulo, o primeiro domingo de junho ama­nhecera nevoento e frio. Parecia apenas um domingo como os outros, quando nada de importante acontece em política. Mas assim não seria para o Sr. Ademar de Barros: aquele dia de névoa e friagem marcaria o que parece ser o fim de sua carreira política.

 

Trata-se de um capítulo dramático de uma vida que começou praticamente com o século: a 22 de abril de 1900 nascia, em Guaratinguetá, filho de uma família de aristocratas rurais de São Manuel, o garoto que, durante muitos anos, seria o líder político de São Paulo.

 

Quando Ademar tinha 6 anos, seus pais, Antônio Emídio e Elisa, mandaram-no para a Capital, a fim de fazer os estudos primário e secundário no Colégio Na­glo-Brasileiro. Dez anos depois, enviaram-no para o Rio, onde, em 1923, se formou pela Faculdade de Medicina. Sempre o primeiro aluno da sua turma, ru­mou depois para a Europa, onde estagiou em clínicas francesas, inglesas e alemãs. Fez um curso de 4 anos na Universidade Popular da Alemanha. De volta ao Brasil, especializou-se no Instituto Oswaldo Cruz. Casou com D. Leonor Mendes de Barros e seguiu para os Estados Unidos, onde estudou em várias univer­sidades.

 

A depressão de 1929 atingiu sua família, que era grande produtora de café; e a Revolução Constitucio­nalista de 1932 deu-lhe os postos de Capitão e de Delegado Militar em Aparecida do Norte. O Capitão Ademar lutou no “front”, depois de participar ativa­mente da conspiração. Depois da derrota, esteve na Argentina e no Paraguai. Era o seu primeiro exílio. Quando voltou, candidatou-se a Prefeito de São Manuel e, em seguida, elegeu-se Deputado Estadual pelo antigo Partido Republicano Paulista.

Seu mandato teve curta duração, pois logo sobreveio o Estado Novo. Era o seu Primeiro mandato cassado.

 

Dedicou-se à clínica médica e foi nela que o Sr. Getúlio Vargas o foi buscar, no dia 27 de abril de 1938, para nomeá-lo Interventor de São Paulo, em substituição ao Sr. José Cardoso de Melo Neto.

 

É interventor para 15 dias”, pensaram alguns.

Mas o fato é que Ademar ficou na Interventoria até 5 de junho de 1941. E nela realizou uma surpreendente obra administrativa. Criou e construiu o Hospital de Clínicas, o Instituto do Câncer, os sanatórios de Sapecado, Mandaqui, Juqueri e de São José dos Campos, a Maternidade Leonor Mendes de Barros, O Serviço de Higiene da Criança e a Casa Maternal da Infância. Deu grande impulso à aviação civil: como piloto brevetado da Alemanha (seus instrutores haviam sido ases da Primeira Guerra Mundial), passou a usar o avião em suas viagens.

 

Logo depois da queda do Sr. Getúlio Vargas, em 1945, ele pensou em fazer causa comum com a UDN paulista, mas esta o recusou em suas fileiras. Aproximou-se, então, do Sr. Café Filho, que nesse tempo chefiava um pequeno Partido no Rio Grande do Norte, e do Sr. Olavo de Oliveira, que também possuía um bom núcleo eleitoral no Ceará. Da união dos três, nasceu o PSP.

 

Desde então, conseguiu várias e retumbantes vitórias, ao lado de algumas derrotas. Elegeu-se governador em 1947, com apoio do Partido Comunista. Depois de ter sido prefeito de São Paulo, reelegeu-se governador, em 1962, derrotando o Sr. Jânio Quadros. Mas, como se viu, não chegou a completar o mandato. O seu primeiro quadriênio, em São Paulo, foi também o do auge do seu prestígio.

 

Tanto assim é que, em 1950, elegia o Sr. Café Filho para Vice-Presidente da República, na chapa do Sr. Getúlio Vargas, e em 1951, elegia o Sr. Lucas Garcez para seu sucessor no governo de São Paulo.

 

Sempre teve, porém, a sina de ver-se abandonado por alguns dos seus principais amigos. Os triunfos eleitorais eram não raro entremeados de fracassos, frustrações e dissabores. Durante o governo de Jânio Quadros, por exemplo, teve de curtir vexatório exílio na Bolívia e no Paraguai, provocado pelo implacável adversário seu que começava a surgir na política paulista.

No primeiro período como governador de São Paulo, construiu as Vias Anchieta e Anhanguera, dando início à era das grandes rodovias pavimentadas. No segundo, expandiu e criou fontes de energia elétrica. Mas sua fama de grande administrador no plano estadual não se traduzia em sucessos eleitorais no âmbito federal. Competindo com Juscelino e Juarez, na eleição presidencial 1955, foi o terceiro colocado, com 24,4% da votação. Disputando com Jânio e Lott o pleito de 1960, ficou novamente no terceiro lugar, com 17,4% dos votos.

 

Depois de 1960, moveu tenaz oposição aos sete meses de Governo Federal do Sr. Jânio Quadros e, logo em se­guida, rompia com o Sr. João Goulart, passando mesmo a constituir um dos principais elementos da conspiração que deflagraria o movimento de 31 de março de 1964. Desse movimento, foi um dos líderes decisivos, pois até o momento da sua definição, restaram dúvidas e incertezas quanto ao êxito da marcha iniciada em Minas. Seu ajuste completo com o General Kruel representou o golpe de misericórdia no Sr. João Goulart.

 

Viu-se logo, porém, que Ademar não se ajustava bem com os vitoriosos. Oficiais da linha dura em São Paulo, sobretudo da Aeronáutica, instauraram uma série de inquéritos contra ele. Depois de romper com a política econômico-financeira do governo, recebeu como um golpe contra seu futuro político pois era mais uma vez candidato à presidência da República: o Ato n° 2, que suprimiu as eleições diretas.

 

Passou então a criticar direta e abertamente o Governo Federal, sem poupar a pessoa do Marechal Castello Branco nessas críticas. Viu alguns amigos seus se transferirem para a Arena e cuidou de reagir a tempo de conquistar votos na Assembleia. Dispunha-se a conversar até mesmo com o Sr. Jânio Quadros. Cuidava de reunir maciços recursos financeiros para vencer a batalha na Assembleia.

Mas tinha conhecimento também de que alguns agentes do SNI estavam vigiando seus movimentos. Dois dias antes, soube que sua sorte estava selada: como Saturno, a revolução passara a devorar seus próprios filhos. Naquele nevoento domingo de junho ele seria apenas mais um cordeiro imolado.

 

Até que ponto a cassação do Sr. Ademar de Barros se refletirá na candidatura Costa e Silva? Terá sido com ela eliminado mais um ponto de sustentação do Ministro da Guerra? Qual a participação que o General teve na cassação do mandato do governador?

 

Responde-se:

 

1.     Tudo quanto de extraordinário que venha a acontecer doravante só servirá para alteração de um “status” até aqui profundamente favorável à candidatura do Ministro da Guerra.

 

2.     Depois da demissão do General Justino Alves Bastos, o afastamento do governador paulista, que era amigo particular do General Costa e Silva, poderá ser considerado como um elemento a menos, um governador que não criaria obstáculos à sua eleição à presidência.

 

3.     O Ministro da Guerra só teve ciência dos fatos nas horas finais da decisão. Até que ela se tornasse inevitável e irreversível, o comando das provi­dências coube ao SNI. Só quando entrou na fase prática das providências é que ele foi chamado a acionar os dispositivos militares.

 

À última hora, outros rumores circulavam à margem da cassação do governador paulista:

 

I      O presidente da Assembleia de São Paulo, Depu­tado Francisco Franco, juntamente com outros seis parlamentares estaduais e alguns verea­dores, estariam nas listas do SNI para as próxi­mas cassações.

II     O Marechal Paulo Torres, governador do Estado do Rio, estava sendo alvo de acusações idênticas (nomeações em massa, suborno de deputados) e deveria também ter o seu mandato cassado. Salvara-se, porém, até agora, com a promessa de renunciar ao posto nos próximos 15 dias. (REVISTA MANCHETE N° 739, 18.06.1966)

 

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

YYY Coletânea de Vídeos das Náuticas Jornadas YYY

https://www.youtube.com/user/HiramReiseSilva/videos

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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