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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte XLV - Viagem da “Real Escolta” – I


A Terceira Margem – Parte XLV - Viagem da “Real Escolta” – I - Gente de Opinião

Bagé, 16.09.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XIV

 

Viagem da “Real Escolta” – I

 

Muito diferente dos homens públicos brasileiros da atualidade, nossos irmãos lusitanos jamais negligenciaram dos assuntos atinentes aos interesses de suas Províncias Ultramarinas. A pretérita visão estratégica portuguesa deveria servir de luzeiro aos nossos políticos atuais para tirá-los do obscurantismo doentio em que teimam permanecer ao tratar de assuntos que envolvem nossa soberania. A sucessão de equívocos no trato das delimitações de Terras Indígenas mostra que os representantes dos três poderes da República ignoram a nossa Carta Magna, a nossa história, os interesses da maioria esmagadora de nosso povo e se submetem pacífica e subservientemente ao arbítrio de uma minoria atuante a soldo de inconfessos interesses alienígenas no trato de questões nacionais relevantes.

 

A Viagem de José Gonçalves da Fonseca, realizada quase três décadas depois da Bandeira de Palheta, foi muito relevante em virtude da missão que lhe foi atribuída pela Coroa Portuguesa e, por isso mesmo, dedicamos a ela um capítulo especial neste livro.

 

Rota Fluvial Guaporé-Mamoré-Madeira

 

Marco António de Azevedo Coutinho, Primeiro-Ministro de Portugal (Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra), de 04.10.1747 a 1750, ordenou, em setembro de 1748, que o Capitão-mor do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, organizasse uma Expedição de reconhecimento do Rio Madeira.

 

Azevedo Coutinho temia a expansão das Missões de Moxos, da Província do Peru, para Oeste do Eixo Fluvial formado pelos Rios Guaporé, Mamoré e Madeira, temor agravado com a fundação, em 1743, da Missão de Santa Rosa, no Rio Guaporé e de uma possível descoberta de ouro nas suas cercanias ou mesmo em outras regiões do Vale do Madeira, o que certamente atrairia garimpeiros espanhóis.

 

De uma hora para outra, poderia ser colocado em cheque o controle português da navegação da Rota Fluvial, que permitia a integração do Pará com o Mato Grosso e que, se perdido, provocaria, com certeza, o despovoamento das regiões mineiras de Cuiabá e do Mato Grosso.

 

Além disso, desde 1747, as duas Cortes Ibéricas negociavam um novo Tratado de Limites sobre seus respectivos domínios na América do Sul.

 

Marco António de Azevedo Coutinho comenta:

 

Suposto o que deixo explicado, tem-se por necessário e conveniente, não só apossarmo-nos da navegação do Rio da Madeira até o Mato Grosso, mas tomar a tempo as medidas para que a dita nova Missão Espanhola nos não cause os prejuízos, que podemos recear. Ou procurando os meios para a tirar dali, sem escândalo, ou rodeando-a em alguma distância com habitações e sesmarias dos nossos, de sorte que se não possam os Castelhanos alargar, nem tentar outros estabelecimentos da parte Oriental do Rio da Madeira, e talvez virá a ser conveniente para este efeito permitir-se e frequentar-se a comunicação do Pará com o Mato Grosso por aquele Rio.

 

 

Este Rio da Madeira é para nós hoje mais conhecido da parte de cima e até as Missões dos Moxos, do que da parte de baixo, sem embargo de ser nesta parte ocupado com Missões dos nossos Jesuítas do Pará. Porém até agora não houve a curiosidade de se remeter, nem Mapa, nem relação disso mesmo, que ocupamos, e muito menos, do que fica para cima. Sabe-se, contudo, que já algumas vezes foram portugueses do Rio das Amazonas, com canoas de voga, e saveiros até as Missões dos Moxos, que é o que basta para constar que até o Mato Grosso se pode navegar com a mesma comodidade, pois, dos Moxos para cima, não tem embaraço algum. (COUTINHO)

 

Na verdade, em 1747, o Secretário do Governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará, José Gonçalves da Fonseca, já havia desenhado um Mapa do Rio Madeira baseado nas parcas informações da Bandeira de Francisco de Mello Palheta e outros sertanistas e Missionários que haviam percorrido a região enviando-o a Alexandre de Gusmão.

 

O Primeiro-Ministro Azevedo Coutinho conhecia o trabalho de Gonçalves da Fonseca, mas considerava que, desde a Expedição de Palheta (1723), a exploração do Rio Madeira tinha sido feita à revelia da coroa portuguesa e do Estado do Maranhão e Grão-Pará, pelos sertanistas, Missionários e colonos que abriram, por iniciativa própria, a Rota Fluvial ligando os Rios Guaporé, Mamoré e Madeira.

 

Expedição de Reconhecimento da Rota do Madeira

 

Em julho de 1749, o Capitão-mor do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, cumprindo as ordens de Azevedo Coutinho, atribuiu ao Sargento-mor Luís Fagundes Machado o comando da Expedição, instruindo-o sobre os propósitos daquela navegação:

 

Empreenderá a viagem pelo Rio da Madeira dando lugar a que, desde a Boca até ao Mato Grosso, se façam os exames e observações pelo que leva a instrução necessária José Gonçalves da Fonseca [...] e alguma matéria que sobre este particular conferir o mesmo José Gonçalves, e o piloto António Nunes com o dito Cabo, este concorrerá com o seu parecer no que for conveniente para qualquer averiguação das que levam a seu cargo; pois todas as que houverem de fazer na forma da referida instrução são mui importantes ao serviço de Sua Majestade. (GORJÃO)

 

José Gonçalves da Fonseca e o piloto António Nunes realizariam, portanto, observações astronômicas. Gonçalves da Fonseca deveria ainda colher informações que seriam relatadas em um diário e ainda elaborar Mapas de todo trajeto da “Real Escolta”.

 

Marco António de Azevedo Coutinho especifica:

descreverá o mesmo Amazonas em Mapas, combinando as alturas, voltas e Rios, com as que descrevem o Mapa do Padre Acuña, e Monsieur de La Condamine, em que seguirá o que achar mais exato, segundo a conferência que fizer com o Piloto António Nunes, que será obrigado a fazer todas as observações necessárias em cada dia. (COUTINHO)

 

António Nunes deveria levar consigo “todos os instrumentos capazes de tomar as alturas e agulha de observar os rumos”; e era obrigado a fazer o seu próprio Diário da Viagem, onde deveria anotar os dias de navegação e as Latitudes observadas.

 

Já as instruções de Fonseca eram ainda mais precisas quanto ao que devia fazer a partir do momento em que a Expedição entrasse no Rio Madeira: esperava-se que tivesse um cuidado redobrado nas observações que fosse realizando, anotando os rumos da corrente do Madeira, o número de Cachoeiras, as dificuldades em atravessá-las e as distâncias entre elas.

 

A preocupação com o cálculo das Latitudes era uma constante: todos os dias deviam tomar a altura do Sol, principalmente na Boca dos Rios. Para além de novos Mapas do Amazonas, que antes referimos, deveria Fonseca desenhar um Mapa do Rio Madeira que mostrasse por onde se devia navegar e que permitisse visualizar as informações que fosse anotando sobre o Rio e seus afluentes, e sobre as missões de Moxos.

 

Uma vez chegado ao Mato Grosso, também lhe era pedido que fizesse um Mapa onde registrasse todos os dados relativos à rede hidrográfica, ao relevo e às povoações portuguesas e espanholas, nomeadamente sobre Cuiabá e o caminho que ligava esta Vila ao Mato Grosso.

 

O Diário

 

O Diário de Gonçalves da Fonseca é dividido em três partes:

  a viagem a partir de Belém do Pará até a Boca do Rio Madeira;

  a navegação do Rio Madeira e a travessia de suas 19 Cachoeiras;

  a subida do Rio Guaporé até Mato Grosso.

 

Somente, em 1826, o Diário da Viagem foi publicado, em Portugal, pela Academia das Ciências de Lisboa e, em 1866, no Brasil, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro publicou a “Notícia da Situação de Mato Grosso e Cuyabá”.

 

Em janeiro de 1750, ao ser assinado o Tratado de Madri, as autoridades portuguesas fingiram desconhecer os resultados da Expedição de Gonçalves da Fonseca o que, certamente, justificava o texto bastante vago do artigo VII do Tratado, relativo às demarcações a realizar no território situado entre os Rios Jauru e Guaporé. (Continua...)

 

Bibliografia

 

COUTINHO, Marco Antonio de Azevedo. Carta do Secretário de Estado Marco Antonio de Azevedo Coutinho a Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, Governador do Maranhão de 15 de setembro de 1748 – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Anais da Biblioteca Nacional – Volume 107, 1987.

 

GORJÃO, Francisco Pedro de Mendonça. Instruções do Governador do Maranhão Francisco Pedro de Mendonça Gorjão ao Sargento-mor Luís Fagundes Machado – Portugal – Lisboa – Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Documentos Avulsos, 1750.

 

Solicito Publicação

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].

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