Quinta-feira, 17 de julho de 2025 - 15h37
A participação dos combustíveis fósseis na matriz
energética mundial é cerca de 82%, mas na matriz elétrica, o percentual é
menor, cerca de 60%. No Brasil, o uso de fontes renováveis, solar e
eólica, tem crescido exponencialmente, ocupando hoje um papel de relevo na
matriz elétrica nacional, o que nos distingue de outros países, cuja dependência
dos recursos fósseis é mais elevada. A eletricidade dos ventos e do Sol
representa 38% da matriz elétrica, que somada à hidroeletricidade chega a cerca
de 88%. Uma posição privilegiada, acima da média mundial, mesmo no caso da
matriz energética, onde nossa dependência por combustíveis fósseis, é da ordem
de 51%. Ainda assim, temos biomassa abundante e diversificada, com
oportunidades estratégicas em agrocombustíveis, produção de hidrogênio, entre
outras alternativas que se complementam, garantindo a segurança energética.
Tal crescimento exponencial mostra o viés
ofertista, da política energética errática adotada, ao longo dos anos, pelo
Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pela formulação de diretrizes
e implementação de políticas relacionadas ao setor de energia, incluindo a
exploração, produção e comercialização. Produzir energia, como qualquer outra
atividade econômica, gera impactos socioambientais, independentes de ser fonte
renovável ou não. Não existe energia limpa.
Tais diretrizes deveriam estar alinhadas com o
compromisso de combater as mudanças climáticas, reduzindo e mesmo abandonando
os combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), principais
responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa. Este esforço global é a
essência do Acordo de Paris, cujas metas de cada país apontam a ambição na
redução das emissões, e estão contidas na “Contribuição Nacionalmente
Determinada” (em inglês, NDC) revisada a cada 5 anos.
Atualmente, chegamos ao ponto de, mesmo tendo
disponibilidade, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), uma entidade
privada, ter limitado, e até cortado parte da energia gerada por fontes
renováveis, porque a expansão da rede de transmissão e a demanda não
acompanharam o ritmo de instalação de novos parques de geração, que cresce a
taxas mais aceleradas. Ou seja, temos energia, mas não temos linhas de
transmissão para seu aproveitamento pelo sistema elétrico nacional. Isto tem
acontecido com frequência no Nordeste, maior produtora de energia elétrica a
partir do Sol e dos ventos. Esta irracionalidade do planejamento, levou as
empresas geradores a exigirem ressarcimento, pois produziram, mas não
faturaram.
Em meio à
esbórnia vigente no sistema elétrico, o ONS lançou no dia 8 deste mês, o
Planejamento da Operação Energética (PEN2025), que fala do agravamento do
déficit de potência no Brasil, ou seja, há falta de capacidade de geração de
energia. Como solução, o operador recomenda a volta do indesejado horário de
verão, além de convocar o acionamento de usinas térmicas, que têm um custo
maior de geração e emitem gases de efeito estufa. O ONS justifica a adoção
desta opção pelo baixo volume nos reservatórios das hidroelétricas na região
Sul, o que elevará mais ainda a conta de energia do consumidor.
Vai
entender, ou não é para entender e simplesmente aceitar?
Segundo a ONS “ampliar o uso das térmicas, ainda
que temporariamente, reforça a importância de se manter uma matriz energética
equilibrada e capaz de responder às adversidades climáticas e operacionais”.
Argumentos que desmerecem a inteligência alheia diante das atuais propostas do
MME, que insiste na exploração do petróleo, “até a última gota”, afirma o
próprio ministro. Há ainda outras propostas insanas que se distanciam da
sustentabilidade energética e socioambiental, como disseminar pequenas centrais
nucleares na região amazônica, e concluir a central nuclear de Angra 3, abrindo
a porteira para a nuclearização do país. Mais nucleoeletricidade implica aderir
a uma fonte de energia insustentável, cara, suja e perigosa.
A monocracia no setor energético, provoca a
repetição de problemas, devido aos interesses lobistas que dominam o MME, em
proveito de alguns, contrários à maioria da população, que vive o drama de ver suas
contas de energia aumentarem, ano a ano. Além de ignorar, e mesmo impedir, a
participação da sociedade civil nas decisões. Assim, problemas antigos
ressurgem.
Por exemplo, em 2014, a antiga estatal Companhia
Hidroelétrica do Rio São Francisco (CHESF) teve atrasos na infraestrutura de
transmissão de energia, que teriam impactado o escoamento da energia gerada por
parques eólicos. O não cumprimento dos contratos de projetos, vitais para
a segurança energética, especialmente o atraso na implantação de linhas de
transmissão associadas às centrais de geração para conexão compartilhada (ICG),
levou a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a desabilitar a
Companhia, impedindo que a empresa participasse de leilões de linhas de
transmissão.
Mais recentemente, um termo técnico em inglês curtailment
começou a ser usado com frequência para designar cortes determinados pelo
ONS. Em junho de 2025, no Nordeste, os cortes na geração de projetos de grande
porte - solar e eólico - não injetados na rede, chegaram ao valor de 27,3% do
total produzido, sendo 19,6% por razões energéticas.
Mas o que tem a ver o curtailment e o licenciamento
ambiental?
O curtailment é a redução intencional da geração de
energia, especialmente em usinas de fontes renováveis como eólica e solar,
quando a produção excede a capacidade de consumo ou transmissão do sistema.
Ocorre quando a geração de energia é reduzida ou cortada, seja por razões
elétricas, como a capacidade limitada de transmissão; ou energéticas, com
excesso de oferta do sistema em relação à demanda. Isto ocorre pela falta de
planejamento estratégico, que privilegia a oferta descolada da demanda, pelos
atrasos na conexão de projetos à rede, pela demora em adotar o armazenamento
por baterias, e de diretrizes claras nos marcos legais construídos com a
presença e participação perniciosa dos lobbies, defendendo interesses
corporativos, em detrimento dos interesses da maioria da população.
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo
que licencia uma atividade utilizadora de recursos naturais, sendo instrumento
crucial para garantir que a geração seja feita de forma sustentável e com o
mínimo impacto ambiental. No contexto do curtailment, o licenciamento pode
influenciar a forma como a energia é gerada e como as restrições são
gerenciadas. Bem feito, e com um planejamento adequado do sistema elétrico,
ajudaria a mitigar o problema de “corte de energia”, garantindo que haja
infraestrutura suficiente para escoar a energia gerada e que as usinas possam
operar de forma eficiente.
Ao considerar erroneamente a energia solar e eólica
fontes de geração “limpas”, as exigências para o licenciamento de grandes
projetos com geração centralizada, foram amenizadas, e somente um Relatório
Ambiental Simplificado (RAS) é suficiente para análise do licenciamento. Assim,
por considerar estas fontes energéticas de baixo impacto os empreendedores se
eximem de apresentar estudos mais aprofundados, o EIA/RIMA.
Por outro lado, a flexibilização das regras de
licenciamento tem levado a um aumento do risco ambiental, comprometendo a
sustentabilidade da geração de energia, o que pode agravar o problema do
curtailment. Os órgãos ambientais estaduais possuem normativas e regramentos
definindo critérios específicos que, para atrair os projetos de geração de
energia renovável flexibilizaram a legislação. Assim, subdimensionam os
impactos, invisibilizando a população atingida, além de desprezar os mecanismos
de participação social, com falhas ou limitações no sistema elétrico, agravadas
pela falta de licenciamento adequado de projetos de infraestrutura, como linhas
de transmissão.
Em
resumo, o licenciamento ambiental e o curtailment estão interligados, e um bom
licenciamento pode contribuir para sua redução, além de outras medidas. Já a
flexibilização das regras de licenciamento pode aumentar os riscos ambientais e
agravar o problema da redução e corte da energia gerada.
A
importância do licenciamento ambiental é inegável e necessária. Todavia, diante
de um Congresso de 5ª categoria, dominado pelas elites retrógradas e por
uma extrema direita fascista, foi proposto o Projeto de Lei 2.159/2021 (PL da
Devastação), que flexibiliza ainda mais as regras para o licenciamento,
permitindo que empreendimentos obtenham licenças de forma automática só com
base na autodeclaração do empreendedor, sem as análises técnicas prévias pertinentes
e necessárias. Caso aprovada caminhamos para um retrocesso danoso que colocará
em risco a segurança ambiental e social do país.
* Heitor
Scalambrini Costa é professor associado aposentado da Universidade Federal de
Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade
Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de
Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França.
Como acompanhar odds de jogos no app da Novibet
Acompanhar as cotações das apostas esportivas pode parecer algo restrito aos apostadores experientes, mas com a ferramenta certa, qualquer pessoa po
Produtividade tóxica: quando o "fazer mais" nos desconecta de nós mesmos*
Vivemos em uma era em que “ser produtivo” virou quase uma identidade. A cultura do desempenho invadiu nossas rotinas e, muitas vezes, nossa autoesti
Entenda sobre o Transtorno Desintegrativo da Infância
O Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) é uma condição rara do neurodesenvolvimento que causa a perda de habilidades adquiridas, como linguage
Por que proteger carros antigos é mais do que preservar a história?
Quando falamos em carros antigos, falamos de algo que vai muito além da estética ou da potência. Estamos nos referindo a uma memória sobre rodas — u