Quarta-feira, 10 de dezembro de 2025 - 07h40

Bagé, RS, 10.12.2025
Vamos continuar reproduzindo
as reportagens da Revista Manchete:
Manchete n° 627, Rio de Janeiro, RJ
Sábado, 25.04.1964
Brasília
– A Posse de Castello Branco
Perante as duas Casas do
Congresso, reunidas em sessão solene, o novo Presidente e o Vice prestaram
juramento, prometendo obedecer à Constituição. Brasília viveu mais um grande
dia, com a posse do novo Presidente, Marechal Humberto de Alencar Castello
Branco. Foi com esse posto, já na reserva do Exército, para não mais voltar às
fileiras, que o novo Chefe do Governo assumiu o poder, na Capital da República.
Não o fez sem ter, antes, apresentado sua minuciosa declaração de bens. Mesmo
nos Largos Espaços de Brasília, a Posse do Novo Presidente Produziu
Movimentação e Interesse Popular ali jamais Testemunhados. Eleito pelo Congresso
Nacional, por
meio de
votação
nominal, o novo Presidente tomou posse em
sessão conjunta das duas Câmaras que integram o Poder Legislativo Federal. Estavam
presentes todo o Ministério, numerosos Governadores Estaduais e todas as
Missões Diplomáticas acreditadas junto ao nosso Governo. Ao ouvir do Senador
Auro de Moura Andrade a declaração de que estava empossado na Presidência, o
Marechal Castello Branco foi entusiasticamente aplaudido pelo plenário e pelas
galerias. Levantou-se, então, para agradecer os aplausos, com ligeiros acenos
de cabeça. Mas logo se perfilou, porque uma banda militar dava início a
execução do Hino Nacional. Nesse mesmo momento, por todo o País replicavam os
sinos das igrejas e soavam buzinas de toda a espécie de veículos, anunciando
aos brasileiros que uma etapa nova começava na vida republicana. Naquele
momento, entre tantas e tão expressivas manifestações, reacendiam-se as
esperanças dos brasileiros, desejosos de ver a Nação entrar numa
fase de
trabalho, ordem
e tranquilidade, sem
agitações ou divisões.
O Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco já se havia despedido definitivamente da vida militar,
quando seguiu para Brasília a fim de assumir, pela primeira vez, uma função
civil, que seria, precisamente, a mais alta magistratura da Nação, Neste
momento, ele chegava ao Congresso Nacional, acompanhado do Sr. José Maria
Alkmin, ex-Ministro da fazenda, a fim de ali serem empossados, após o juramento
de praxe. Caminhando entre alas de Soldados do dispositivo de segurança que o
protegeu, o novo Presidente e o Vice-Presidente Alkmin se encaminharam para o
Congresso, reunido sob a presidência do Sr. Moura Andrade. No Desfile Militar
em Honra do Marechal Castello Branco Tomaram Parte Destacamentos de Todas as
Forças que Promoveram a Revolução. O Governador de Minas Gerais, Sr. Magalhães
Pinto, foi alvo de grande manifestação
popular e agradeceu acenando o “V” da Vitória. O Governado Ademar de Barros recebeu homenagens e pedidos de autógrafos. O
Governador Nei Braga recebeu congratulações.
Falando Pela Primeira vez
aos Brasileiros Como Presidente, o Marechal Castello Branco Prometeu Acelerar o
Desenvolvimento Nacional. O novo Presidente recebe os cumprimentos do Sr.
Lincoln Gordon, Embaixador dos Estados Unidos. O Embaixador Andrei Fomin da
URSS, cumpre a obrigação de cumprimentar o Marechal Castello Branco. Um Pastor
protestante, acompanhado de seus dois filhinhos, foi apertar a mão do novo
Chefe de Estado. Monsenhor Armando Lombardi, Núncio Apostólico cumprimentou o
Presidente em nome de sua Santidade o Papa. Dom José Newton, Arcebispo de
Brasília, apresenta congratulações ao sexto Chefe de Governo nestes últimos quatro
anos.
As palavras que o novo
Presidente da República dirigiu ao povo brasileiro, ao empossar-se, foram
bastante afirmativas. Entre outras coisas, declarou o Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco:
1. O
seu Governo não será de estagnação. A arrancada para o desenvolvimento há de
ser a grande preocupação do novo Governo. O Estado, no entanto, não constituirá
estorvo para a iniciativa privada, sem prejuízo da justiça social devida aos
trabalhadores.
2. O
remédio para os malefícios do esquerdismo não será o do estabelecimento de uma
direita reacionária, mas sim o das Reformas Sociais, necessárias e urgentes.
3. Fará
o Governo da Lei, voltado para o futuro do País, e passará a faixa
presidencial, no dia 31 de janeiro de 1966, ao seu sucessor, eleito em pleito livre,
em outubro de 1965, pois quer ser um fiel servidor da Constituição.
4. Definindo
os rumos da política externa, declarou que todas as Nações Democráticas e
livres serão nossas aliadas e que os povos que quiserem ser livres pela
democracia contarão com o apoio do Brasil para a sua autodeterminação.
Igualmente disse que os negócios do Brasil não admitirão a interferência de
quem quer que seja.
5. Disse
que o movimento que o levou ao poder não foi um mero Golpe de Estado, mas
sim uma
Revolução
destinada a
assegurar
o progresso nacional,
sem renegar o passado. A vocação brasileira é a do Governo da maioria, com
respeito aos direitos das minorias.
6. Afiançou
que será o Presidente de todos os brasileiros e não o Chefe de uma facção ou de
parte deles.
7. Concluindo,
disse ainda: “Demos ao povo o exemplo e ele nos seguirá. Nunca um só homem
precisou tanto da colaboração e da compreensão dos brasileiros. Venham eles a
mim e eu irei com eles, sob a proteção de Deus, buscar melhores dias para o
futuro”.
Retirando-se do Congresso Nacional em companhia do Sr. José Maria Alkmin, Vice-Presidente da República, igualmente empossado, o Marechal Castello Branco passou em revista as tropas formadas em sua continência e, depois, dirigiu-se em carro fechado para o Palácio do Planalto. Iam em sua companhia, além do Vice-Presidente, os Srs. Luís Viana Filho, Chefe da Casa Civil da Presidência, e o General Ernesto Beckmann Geisel, Chefe da Casa Militar.

O Ministério Organizado Pelo Marechal Castello Branco, sem Interferência dos Partidos Políticos Mantém Vários dos Ministros de Mazzilli ao Lado de Outras Figuras de Alto Gabarito Técnico e Moral
Na rampa do Palácio do Planalto, o novo Presidente foi recebido pelo Deputado Ranieri Mazzilli, que se achava no exercício temporário da Presidência. Juntos, dirigiram-se os dois ao Gabinete Presidencial, onde foram assinados os atos de nomeação dos novos Ministros. Seguiu-se, no segundo andar, a cerimônia da entrega da faixa Presidencial, quando o ex-Presidente Mazzilli saudou o seu sucessor, dizendo que o povo brasileiro para ele se voltava, certo de que o novo Governante saberia corresponder aos seus anseios de justiça social, de trabalho e de paz. Em resposta, o Marechal Castello Branco proferiu ligeiro improviso, em que se dirigiu ao Congresso Nacional, aos Governadores e às Forças Armadas, afirmando que saberia corresponder à confiança nele depositada.
Já ostentando a faixa Presidencial, dirigiu-se o Marechal Castello Branco para o Palanque, em frente ao Palácio do Planalto, sendo então longamente aclamado pela enorme multidão que enchia a Praça dos Três Poderes. Daí, o novo Presidente assistiu ao desfile militar em sua honra, do qual participaram três mil e quinhentos homens. Nessa tropa figuravam representações dos Cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, da Policia Militar de Minas Gerais, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia do Exército, do Corpo de Paraquedistas, o Regimento de Cavalaria de Guardas e um grupo de tanques do Regimento de Reconhecimento Mecanizado. Enquanto prosseguia a parada, a famosa Esquadrilha da Fumaça e um grupo de caças da Força Aérea Brasileira faziam evoluções sobre a imensa praça, despertando as atenções gerais. Terminado o desfile, novas aclamações ao Marechal Castello Branco se fizeram ouvir, tendo o povo, no auge do entusiasmo, rompido os cordões de isolamento e se aglomerado ao redor do palanque. O novo Presidente, depois de agradecer tais manifestações, voltou ao interior do Palácio do Planalto, para ali receber os cumprimentos dos diplomatas e das altas autoridades civis, militares e eclesiásticas.
O novo Ministério foi organizado com figuras altamente representativas da vida pública nacional, depois de terem os partidos políticos declarado que não pretendiam, numa hora grave para a Nação, fazer exigências ou submeter o novo Presidente a qualquer espécie de pressão. Alguns dos Ministros de Estado nomeados pelo Sr. Mazzilli foram confirmados pelo Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Entre Esses, os Srs. Vasco Leitão da Cunha (Ministro das Relações Exteriores), o Sr. Arnaldo Lopes Sussekind (Ministro do Trabalho e Previdência Social), e o Sr. Otávio Gouveia de Bulhões (Ministro da Fazenda). Nas pastas militares ficarão as três figuras do Comando Revolucionário: General Arthur da Costa e Silva (Ministro da Guerra), Almirante Augusto de Rademaker Grunewald (Ministro da Marinha) e o Brigadeiro Francisco Teixeira de Melo (Ministro da Aeronáutica). Para a pasta da Viação e Obras Públicas foi escolhido o Marechal Juarez Távora, que foi Ministro da Agricultura depois da Revolução de 1930 e era, agora, Deputado Federal pela Guanabara, eleito sob a legenda do Partido Democrata Cristão. Trata-se de grande estudioso dos problemas nacionais, inclusive os dos transportes e do petróleo, objetos de livros seus, lançados, em data recente, pela Livraria José Olympio. A pasta da Educação coube a uma grande figura do ensino brasileiro, cuja ação se exercera, até aqui, no Paraná, mas ultrapassara, há muito, as fronteiras do seu Estado: o Professor Flávio Suplicy de Lacerda, Reitor da Universidade de Curitiba, reconhecido como um modelo de organização e com um dos mais altos padrões de ensino do País. Para o Ministério de Minas e Energia foi nomeado o engenheiro Marcondes Ferraz, com grandes serviços prestados nesse setor. A pasta da Justiça Coube ao Senador Milton Campos, até pouco um dos Secretários do Governo do Sr. Magalhães Pinto e antigo Governador de Minas Gerais. Para a pasta da Saúde foi nomeado o Sr. Raimundo de Brito que era Deputado Estadual na Guanabara até ser convidado para Secretário de Saúde do Governo Carlos Lacerda. Para o Ministério da Indústria e Comércio foi escolhido o Deputado Daniel Faraco, cuja reputação de economista cresceu através de sua atuação no Congresso Nacional. A pasta da Agricultura coube ao Sr. Oscar Thompson Filho, técnico cujo renome foi construído a serviço do Estado de S. Paulo. É, como se vê, um Ministério de alto gabarito, em que há técnicos e políticos, estes, porém, escolhidos sem que as suas respectivas filiações Partidárias tivessem sido levadas em conta. O que contou foi a confiança que o Marechal Castello Branco deposita neles.
Os Governadores presentes à posse do novo, Presidente foram, entre outros, os Srs. Magalhães Pinto (Minas Gerais), Ademar de Barros (São Paulo), Virgílio Távora (Ceará), Nei Braga (Paraná), Lomanto Junior (Bahia), Mauro Borges (Goiás). Ildo Meneghetti (Rio Grande do Sul), Aluísio Alves (Rio Grande do Norte), Plínio Coelho (Amazonas) e Badger Silveira (Estado do Rio). O grande ausente foi o Governador da Guanabara, Sr. Carlos Lacerda. Soube-se, em Brasília, que sua viagem foi cancelada, devido ao estado de saúde dê sua esposa, Sra. Letícia Lacerda. As maiores aclamações a Governadores foram tributadas aos Srs. Magalhães Pinto e Ademar de Barros, que se misturaram com o povo, dispensando a proteção policial estabelecida para garanti-los. O entusiasmo popular era de tal ordem que superou as expectativas gerais, mesmo as mais otimistas. Parecia, na verdade, que o Brasil se reencontrara.

Pernambuco Festeja a Vitória
Em Recife, a vitória do movimento revolucionário e a escolha do General Humberto de Alencar Castello Branco para Presidente da República deram motivo a formidáveis demonstrações de entusiasmo cívico. Uma verdadeira multidão desfilou pelas ruas centrais da Capital Pernambucana, conduzindo cartazes em que havia expressões de exaltação da democracia, da ordem e do progresso, assim como da tradições cristãs do povo brasileiro. Estudantes, famílias, Soldados e o povo em geral associaram-se a essas vigorosas demonstrações de confiança nos destinos do Brasil.
Análise Objetiva da Revolução
(Carvalho Pinto)
1. É hora de falar menos e de se trabalhar mais.
2. Os cinco motivos que derrubaram João Goulart.
3. Se a revolução não construir, sobrevirá o saudosismo.
4. Castello Branco inspira tranquilidade, e confiança.
5. São beneficiários da Revolução os futuros líderes.
6. A reestruturação econômica foi por mim preconizada.
7. Pude admirar a ação eficiente e corajosa de Kruel.
8. É preciso desfazer falsos conceitos de reformas.
Jango Caiu por Vários Motivos, Dentre os Quais Lembraria: o de Jamais Haver Apresentado uma Formulação Técnica e Definida das Reformas que Tanto Preconizava
Manchete: O Brasil avançou ou regrediu com a deposição do ex-presidente João Goulart?
Carvalho Pinto: Qualquer processo revolucionário, como ruptura, ainda que temporária, do princípio da legalidade, traz indisfarçáveis prejuízos à evolução democrática de uma Nação. No movimento ocorrido em nossa terra contudo, mais do que seu aspecto formal e exterior, deve ser considerado o pensamento que o inspirou, e este, inequivocamente, foi um pensamento de preservação dos nossos mais altos valores morais e espirituais, de defesa da nossa civilização cristã, de recuperação da disciplina das Forças Armadas e de maior autenticidade às nossas Instituições Democráticas, ameaçadas por uma onda crescente e artificial de desmoralização, de desordem e de destruição da atmosfera de fraternidade, que foi sempre a nota marcante de convivência humana em nossa Pátria. Assim compreendido, teve o movimento o alcance de impedir que resvalasse o País para o abismo da ditadura ou da anarquia, sob a inspiração comunista ou meramente oportunista de aspirantes e usufrutuários do poder. Mas, para que se saiba, se houve progresso ou regresso é preciso que se conheçam os rumos definitivos e efetivos do movimento. Como tive ocasião de dizer, há poucos dias, “um movimento de tão marcante sentido cristão e democrático não há, certamente, de se deixar desvirtuar pelas inspirações da vaidade, da ambição, do ódio ou da paixão política. É o que o povo espera dos supremos responsáveis pelos destinos da Nação, para que se não frustrem as suas esperanças e para que se alcancem os legítimos objetivos do movimento vitorioso. O que não se pode admitir – e essa, certamente, não é a orientação dos dirigentes do País – é que, sob o fundamento de se evitar uma ditadura que se supunha iminente, se criem condições para a implantação de uma outra ditadura. Extirpem-se, com vigor, os focos de agitação comunista e façam-se, com coragem e urgência, as alterações institucionais que se tornam necessárias; mas nunca ao preço do sacrifício das liberdades democráticas, da tranquilidade dos lares da própria dignidade humana”. De minha parte, encaro com otimismo o futuro. Passado este instante inicial, em que a natural euforia da vitória nos apresenta, por vezes, quadros melancólicos de disputa de interesses pessoais, de vaidades grotescas, de perseguições mesquinhas e de tentativas de usurpações políticas, há de se ingressar, agora numa fase intensiva de reconstrução do País. É hora de se falar menos e de se trabalhar mais. É chegada a hora do esforço anônimo, silente e incompreendido até, se necessário, em que – cada um no seu setor – todos tem o dever de levar a sua colaboração à restauração econômica do País, à normalização de sua vida político-administrativa, à consolidação de suas instituições livres e à implantação sincera da verdadeira justiça social.
Manchete: Como V. Exª encara um militar na Presidência da República?
Carvalho Pinto: Nunca encontrei motivos para particular distinção entre o civil e o militar, no tocante à suprema investidura da Nação, notadamente à vista da formação acentuadamente civilista dos nossos Chefes Militares. O que precisamos é de um brasileiro digno, esclarecido, enérgico, sereno e destituído de ambições pessoais, quer vista o uniforme, quer use o traje civil. Neste momento da evolução nacional, entretanto, acho que só trará proveito para o País a entrega de seu comando – sem exclusividade – homens com a elevada formação político-administrativa proporcionada pelos Modos sistemáticos da Escola de Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. Não podemos negar que nós civis – recrutados que somos no âmbito da iniciativa privada ou formados na improvisação e no jogo interesseiro dos episódios políticos – sofremos em geral, as deformações dessas contingências tumultuárias, perdendo, por vezes, e em consequência, a capacidade do mais amplo e impessoal equacionamento dos problema, assim como de sua mais sistemática e eficiente solução. Ardoroso partidário que sou do Governo planejado e desenvolvido em bases racionais – como pudemos realizar em São Paulo – entendo que esta é uma excelente oportunidade para darmos efetivo aproveitamento à mentalidade renovadora e disciplinada que hoje distingue vários dos nossos militares. Essa a razão que, a meu ver, deve justificar a propensão pela candidatura militar; nunca a da força – mesmo porque a Força Militar será sempre precária e limitada, se não tiver a sustentá-la a força moral de um Governo limpo, capaz, desvinculado de grupos ou de classes e realmente construtivo. E a esse respeito o nome do General Castello Branco constitui para o Brasil motivo de justa tranquilidade e confiança.
Manchete: Quais foram os líderes desse movimento?
Carvalho Pinto: Em todo movimento há sempre os líderes ostensivos e os líderes anônimos. Aqueles colhem, com justiça, os louros da vitória e são inegavelmente indispensáveis à sua conquista; mas não podemos esquecer que a estes últimos também devemos a nossa particular gratidão. São os que, com atitudes sóbrias, mas definidas, jamais se curvaram aos desmandos e às prepotências, balizando os rumos da reação; são os que, no cumprimento dos seus deveres sem demagogia ou explorações políticas, sempre defenderam princípios, fixaram normas ou tomaram atitudes que impediram a precipitação do caos e permitiram o oportuno amadurecimento do estado de espírito conducente à vitória; são enfim os que, em toda parte, sempre defenderam os princípios da honra, da disciplina da honestidade administrativa e da justa solução dos problemas populares. Não foram, sem dúvida, articuladores do movimento; mas foram os que efetivamente lideraram a formação parcelada de uma opinião pública, que afinal e de forma unitária, iria permitir tão rápido desfecho da Operação Militar. Não tendo participado da articulação do movimento, não estou em condições de classificar os seus líderes, ademais, já conhecidos. Posso, apenas, dar o meu testemunho relativamente ao efeito decisivo da participação de um deles, o General Kruel, em quem, por ocasião da minha visita de solidariedade, feita após sua proclamação e no instante ainda incerto do movimento, pude admirar a ação corajosa e eficiente no comando da área sob sua responsabilidade.
Manchete: Qual o futuro político de Jango?
Carvalho Pinto: Não sendo um político militante, não seria, evidentemente a pessoa mais indicada para previsões dessa natureza. Quer me parecer, entretanto, que o futuro político do ex-presidente se definirá em função do que possa realizar o movimento vitorioso e, a esse respeito, não é de se esquecer a lição reiterada de nossa história. Não se tenha dúvida de que o sentimentalismo do nosso povo, propenso às atitudes saudosistas, trabalhará facilmente a favor desse futuro, se a Revolução não alcançar com presteza – como é de se esperar – uma fase construtiva, capaz de enfrentar com seriedade e eficiência os problemas vitais do povo, como a inflação, ou aqueles que, dizendo respeito à melhoria de suas condições de vida, constituíam a temática das pregações e da publicidade política do governo extinto.
Manchete: Porque caiu o Sr. João Goulart?
Carvalho Pinto: Por vários motivos que se acumulam, dentre os quais lembraria os seguintes:
a) o de haver concentrado toda a sua atenção nos problemas políticos, descurando-se da parte administrativa, com o consequente agravamento dos problemas econômicos e sociais do povo e o próprio sacrifício dos padrões éticos que devem reger a administração pública;
b) o de não haver jamais apresentado uma formulação técnica, séria e definida das reformas que preconizava, de molde a permitir uma opção consciente do povo brasileiro;
c) o de haver adotado, para consecução do seu programa reformista, de inegável ressonância popular, os métodos extremistas da agitação e da luta de classes, contrariando assim profundamente, os sentimentos de fraternidade peculiares à família brasileira, e dentro dos quais, com mais facilidade, poderia ter radicado seus propósitos;
d) o de haver gerado uma perigosa atmosfera de suspeição acerca da sinceridade de seus propósitos democráticos, não só quando, além dos métodos, passou a se utilizar intensamente de homens ligados ou afeiçoados ao comunismo, como ainda, quando admitiu o continuísmo no poder, através de sugestão de emenda aos artigos 138 e 139, da Constituição, que suprimia sua inelegibilidade;
e) quando admitiu ou estimulou a indisciplina nas Instituições Armadas, básicas à sustentação de qualquer regime ou Governo.
Manchete: Como ex-ministro da Fazenda, quais as medidas que preconiza para mudar a situação financeira do País?
Carvalho Pinto: Exata e rigorosamente aquelas que, há nove meses, quando assumia o Ministério da Fazenda, havia resumido num decálogo, a que dera rigorosa execução até o instante em que, por circunstâncias conhecidas, me senti no dever de deixar o cargo. Hoje, com as facilidades supervenientes, advindas umas da posição extremamente favorável do café, e outra; do regime de exceção que vivemos, apenas acentuaria o grau de rigor e aceleração nas medidas preconizadas, e algumas de forma drástica, mas sempre atenta aos reclamos da nossa evolução econômica.
Manchete: Quais os líderes civis que foram beneficiados com esse movimento?
Carvalho Pinto: A meu ver, e sem qualquer desapreço aos atuais líderes, entendo que os beneficiários serão os líderes que estão por vir. Os atuais o povo já os conhece, nas suas qualidades, nas suas franquezas, nas suas manhas, nas suas possibilidades e nas suas limitações. Aceita-os, porque são a nossa realidade política; admite-os porque não há outros. As crises e agitações que caracterizam o governo passado, com todos os seus riscos e danos, provocaram, sem dúvida, uma generalizada consciência dos nossos problemas sociais. Todas as classes, inclusive as mais favorecidas, tem consciência de que há injustiças e disparidades a reparar com urgência e dentro do respeito recíproco. Por outro lado, nenhum homem público consciente pode negar as graves falhas do nosso aparelhamento institucional, através das quais se instala a inoperância, a ineficiência, a irresponsabilidade. Falo com liberdade de quem, não sendo candidato a cargo algum, após vinte e seis penosos anos de despretensiosa vida pública, tem a tranquila consciência de que não se encontra em débito para com o povo: este é o instante em que valores novos despidos de preconceitos teóricos e de estúpidas radicalizações, e não comprometidos no jogo de interesse da atual política nacional poderão se propor à implantação de uma nova política no País, idealista, austera, construtiva. Para tanto encontrarão tarefa sem dúvida, facilitada pela ação do atual Governo Revolucionário. Eles, portanto, e muito legitimamente, serão os beneficiários do Movimento de março.
Manchete: Acha necessárias as reformas, ou elas eram apenas necessárias ao governo anterior?
Carvalho Pinto: As chamadas “reformas de base” vinham constituindo, sem dúvida, um chavão popular de sustentação política. Mas quem examine a matéria com serenidade e sem preconceitos, há de reconhecer que o pensamento reformista corresponde a uma necessidade da evolução do País. Basta que se atente a que as Instituições Jurídicas não são concepções abstratas, mas sim formulações cuja validade depende de sua adequação ao meio a que se destinam, para que se compreenda a necessidade de seu permanente ajustamento às realidades transformadas. Sobretudo numa época em que a velocidade a todos surpreende na multiforme transformação por que passa o mundo, seria insensatez defender-se a fossilização das instituições básicas da vida comunitária. Ora, no caso brasileiro, não se pode negar uma impressionante lentidão e atraso na disciplina jurídica dos nossos institutos básicos. Códigos há como o Comercial, com mais de cem anos; outros, desajustados, como Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Penal; leis completamente previstas na Carta Magna, que não se elaboraram; regulamentos que não se editam, e deveres e responsabilidades básicas que não se definem. Assim, não é preciso ser-se reformista para se compreender que a falta – como seria de se desejar – de uma permanente produção legislativa, nos conduziu a um estágio em que qualquer atualização corresponderá a um passo mais largo, com efeitos mais profundos. O que é preciso, porém, é que se desfaçam certos conceitos falsos em matéria de reformas.
Tenho a Tranquila Consciência de que, Após Vinte e Seis Anos de Vida Pública, não me Encontro em Débito Para com o Povo!
1. Não são recomendáveis as reformas esparsas, isoladas, que não, integram uma revisão, sistemática e homogênea da estrutura vigente (uma reforma agrária, por exemplo, sem um adequado sistema de crédito, perde muito as suas possibilidades);
2. As tais “reformas” podem abrir o caminho para soluções felizes dos nossos problema, mas estes só serão resolvidos satisfatoriamente quando a reforma institucional se fizer acompanhar de uma reforma de mentalidade e de métodos dos órgãos oficiais, de forma a se coibirem o abuso, a rotina e a ineficiência administrativa;
3. Não basta haver reforma: é preciso que esta seja bem formulada, sob pena de produzir efeitos ilusórios e contraproducentes, gerando o desapontamento, a frustração, a revolta. Uma reforma agrária mal estudada, por exemplo, pode destruir toda a estrutura de produção agrícola, gerando um verdadeiro desastre econômico para a Nação; uma reforma bancária mal regulamentada pode ser a base ideal para a incrustação oficial de poderosos grupos econômicos; uma reforma fiscal mal conduzida pode trazer o desestimulo à própria expansão econômica do País.
4. Nenhuma reforma alcançará seus desejados efeitos enquanto não se fizer, paralelamente, uma reestruturação do próprio Poder Legislativo, responsável pela formulação jurídica dos institutos e pelas suas indispensáveis complementações e, mesmo, correções. O sistema representativo, a meu ver, deve sofrer substancial alteração, a fim de que, alcançando o Legislativo uma maior autenticidade de representação e maior eficiência de trabalho, possa ficar a salvo dos permanentes riscos a que o sujeitam as nossas frequentes resoluções e pronunciamentos.
Uma melhor adequação das atribuições desse Poder e a reforma da Lei Eleitoral constituem, a meu ver, uma das mais prementes necessidades da nossa evolução democrática, de forma a se coibirem a demagogia e o poder econômico e de melhor se aproveitarem os altos valores humanos que integram ou podem vir a integrar os órgãos legislativos.
O Decálogo de Carvalho Pinto
Manchete: No decálogo a que se refere no sexto item da entrevista, elaborado durante a sua gestão no Ministério da Fazenda, o Prof. Carvalho Pinto preconiza a adoção das seguintes medidas:
1° Austeridade, rigor e impessoalidade na execução das políticas financeira e econômica, afetas ao Ministério.
2° Promoção realista do desenvolvimento econômico, atento à necessidade de maior participação das classes menos favorecidas nos seus benefícios, de eliminação das disparidades regionais e de crescente projeção da indústria nacional no atendimento das necessidades do País.
3° Severo controle e progressiva redução da inflação, em ritmo compatível com as imposições do nosso desenvolvimento e as condições de subsistência digna da população.
4° Reforma bancária que assegure, dentre outros objetivos, a operação adequada e produtiva do câmbio e melhor aproveitamento da poupança nacional, através da democratização e da seletividade do crédito.
5° Reforma tributária no sentido de maior justiça na distribuição dos encargos, maior conteúdo econômico e social na imposição fiscal, mais rigorosa e eficiente coleta de tributos devidos e eliminação de quaisquer privilégios ou favores pessoais.
6° Atualização das estruturas, métodos, equipamentos e sistemas administrativos nos órgãos da esfera do Ministério, no sentido de maior controle da despesa e mais justa e produtiva arrecadação, em benefício de toda a coletividade e dos próprios contribuintes escrupulosos.
7° Administração seletiva dos créditos, tendo em vista a propulsão de nossa economia, notadamente no setor agrícola e de interesse ao abastecimento das populações e atenta, ainda, às inspirações de justiça social.
8° Atenta consideração para com a matéria cambial, através de uma série de medidas ligadas à exportação e à importação e tendo em vista, ainda, a melhor utilização dos mecanismos internacionais, multilaterais e bilaterais de cooperação para o desenvolvimento.
9° Intensificação do comércio exterior e sua expansão a todas as áreas econômicas; defesa dos nossos produtos; ampliação da pauta de nossas exportações, visando incluir manufaturas e equipamentos.
10° Progressiva especificação do planejamento existente, através de medidas concretas, especialmente quanto aos aspectos financeiros. (REVISTA MANCHETE N° 627, 25.04.1964)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
YYY Coletânea de Vídeos das Náuticas Jornadas YYY
https://www.youtube.com/user/HiramReiseSilva/videos
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);
Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);
Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Galeria de Imagens
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