Terça-feira, 21 de outubro de 2025 - 08h05
Esse pequeno texto é uma tentativa de diálogo
com o liberalismo de baixa reflexão ou com o inconsequente neoliberalismo em
que as Luzes são ausentes. Não nos referimos aqui ao sentido economicista.
Inicialmente, para esse neoliberalismo sem
Luzes, podemos dizer que a “Liberdade absoluta” é igual à liberdade total, como
se diz no popular é “fazer qualquer tudo, fazer coisa e não dar em nada”.
A vida real, prática, no entanto, nos prova que
não é assim: as ações têm resultados e consequências. Os resultados, inclusive,
podem sair ao contrário do que gostaríamos e, é bastante óbvio, as
consequências podem ser ainda mais desastrosas.
Afinal, não há, nem haverá, nenhum lugar na
Terra (e na nossa história) em que não se cobrem responsabilidades, quer sejam
morais, quer sejam sociais, políticas e jurídicas. Sempre haverá uma condição,
uma força heterodoxa (impositiva) atuando sobre nós – quer tenhamos atuado mais
ativamente no estabelecimento dessas “regras” ou não, ou seja, quer sejam
regras e condições mais legítimas (socialmente) quer sejam o resultado
impositivo de algum poder monocrático estabelecido (exterior e até
autocrático).
O direito penal, especialmente, tem uma lógica
reversa: a liberdade é absoluta, porém, o próprio indivíduo pode não agir, a
fim de que sua liberdade não seja ainda mais reprimida.
●
Todo mundo é livre pra matar e
roubar.
● A lei não proíbe diretamente (só na lógica reversa, quando a pessoa não faz por medo das implicações de seu ato).
O fato que resulta dessa "liberdade de
matar e roubar" é a questão.
Porque a lei pune tais atos com a pena de
restrição da liberdade.
A lei diz "pena de tanto a tanto", e
se o indivíduo não quer ser preso, então, não comete o crime. Essa é a
lógica reversa: é como se a lei dissesse “não faça, porque se fizer vou te
punir”.
Assim, o medo de receber a pena de restrição da
liberdade inibe a "liberdade de matar e roubar", por exemplo.
A lei também não proíbe a tentativa de golpe de
Estado ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entretanto,
resguarda penitências e uma severa punição: a prisão.
Há ainda pessoas que se julgam no direito de
“exercerem livremente” a defesa do cometimento de crimes, incitando,
defendendo, divulgando atos criminosos. Esses indivíduos se veem “livres” para
agir assim porque supõem que a liberdade seja mesmo absoluta. O crime que
cometem é o de apologia ao crime, com previsão de penalidades, é óbvio.
Nesses casos, estará em curso a coação, um
“aviso” constante, a presença valorativa exterior e anterior a todos nós –
dizendo “faça”, “não faça”. Para quem duvida e desafia esses avisos e
alertas, a coação se converte em coerção, ou seja, na ação da punibilidade[1].
Desse modo, na lógica reversa é como se a lei
proibisse o ato criminoso. Porque impõe a pena e a pessoa restringe sua
liberdade (mitiga, não faz, não age), exatamente, por medo de sofrer uma
restrição da sua liberdade (prisão) ainda mais grave.
Portanto, na nossa cabeça funciona como um
alerta: não faça, porque será punido. O receio da fofoca teria esse mesmo
sentido inibidor – como se o status quo
nos advertisse.
Em todos esses sentidos é manifesta a coerção,
aquele “aviso” que não foi seguido por quem desabona as consequências e, daí,
passa a funcionar uma “ação que coage”, constrange. Apesar de certa
redundância, a coerção equivale à “ação capaz de se impor” e obrigar.
Por fim, é possível dizer que, de certo modo, a
liberdade é absoluta. O X da equação é o resultado impondo consequências. A
maioria de nós sabe perfeitamente disso, pensa assim, mas sempre há quem
desafie a lógica.
[1] Alguns desse avisos, “sinais”, por certo, podem e devem ser
questionados, como ocorre com apregoações absurdamente conservadoras,
reacionárias ou atentatórias à democracia, aos direitos humanos, à dignidade
humana. No entanto, sempre surgirão alguns “novos” limites a ocupar e disciplinar
o espaço anteriormente dirigido por práticas sociais que já deixamos repousar
no passado – ou que insistem em permanecer, como o racismo, a misoginia, a
intolerância, a pregação do ódio social, a desigualdade social e regional, a
exploração do trabalho análoga à escravidão, a imperante uberização e
pejotização. Todavia, uma vez que ganhemos espaços dignificantes às classes
sociais subalternas, às classes trabalhadoras, esses novos parâmetros não
poderão se basear em “liberdades absolutas” que façam naufragar a dignidade
humana. A resistência imporá barreiras sociais e políticas, bem como
juridicamente deverá prevalecer o Princípio do não-retrocesso moral/social: foi
com muita luta e resistência que se impôs o fim à escravidão, para em seguida
se afirma o direito de greve e aos direitos civis. Um exemplo seria a
descriminalização do uso da maconha, para fins medicinais ou recreativos. O
mesmo aspecto pode ser visto em dezenas, centenas de casos: a instituição do
direito ao divórcio é um exemplo. Num movimento semelhante, é possível vermos
que o fim da tipificação penal também se alinha com uma rota progressiva do
Direito: o adultério foi considerado crime por muitos anos, e deixou de ser. A
prática da eutanásia é criminalizada no Brasil, porém, não é mais no Uruguai e
isso nos traz ao propósito “evolutivo” do Direito. No sentido amplo, uma parte
significativa das Ciências Sociais tem sua inscrição num certo tipo de
darwinismo social – veja-se as “gerações de direitos humanos”; entretanto, a
história é repleta de idas e vindas, no sentido de que não há “evolução
continuada” e de que os retrocessos podem ser avassaladores: o Estado Islâmico
é caso lapidar dessa dialética negativa. A história também nos revela que
Direito e Moral não falam a mesma língua, num corte epistemológico muito
evidente se compararmos o Código de Hamurabi com o notório Direito Romano, em
que a técnica se “separaria” do certo e do errado derivados da imposição
religiosa. O Positivismo Jurídico viria nessa mesma direção, dirimindo-se qualquer
noção estranha ao Direito: a subsunção deveria fazer essa função, ao “retirar”
o fato de suas circunstâncias e o aproximar, de certa forma justapor, ao tipo
penal e assim lhe atribui uma pena ou não. Desse modo, o fato (autoria) seria
analisado mediante seu “encaixe” no tipo penal, e nenhuma circunstância
exterior deveria “contaminar” essa análise. Como se sabe, as avaliações não se
dão exatamente desse modo, e nos bastaria avaliar que há circunstâncias
atenuantes (agir em legítima defesa) ou ainda mais incriminadoras
(premeditação). Esta separação, no entanto, se considerada fria demais, pode
revelar um direito nazista; tanto quanto, ao se buscar uma reaproximação,
iremos encontrar o oportunismo ou o obscurantismo legislativo: tivemos
recentemente uma tentativa de se punir mais severamente a vítima de estupro que
fizesse aborto, do que em relação ao ato de violência sexual (a vítima teria
uma pena maior do que a do estuprador). O que seria atentatório a qualquer
noção mínima de justiça. Mas, o fato de existir uma tentativa desse gênero –
assim como a que prevê uma “autorregulamentação ambiental” para quem promove o
desmatamento – já nos indica que uma suposta Moral não só é manejada a serviço
de interesses escusos como produz verdadeiros atentados ao Direito que já se
provara progressivo. A existência e perseverante aplicação da pena de
antecipação da morte em alguns países, com múltiplos métodos, e a sua vedação
em muitos outros (como no Brasil) nos indica que essa luta humanitária
(“evolutiva”) do Direito é uma constante no momento presente. Sob as “gerações
dos direitos humanos”, a transformação da perspectiva dos direitos individuais
(à propriedade, por exemplo) em direitos individuais homogêneos –
acessibilidade, desenho universal – denota, mais uma vez, que é uma luta
progressiva, um tipo de dialética que tende a transfigurar o individual no
coletivo; aliás, há muito se tem a primazia do Princípio da prevalência do
interesse público sobre o privado. O fator aqui em destaque seria sua
efetividade (ou não).
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