Sexta-feira, 2 de maio de 2014 - 05h55
Guido Bilharinho
A ação no cinema não passa de fio condutor de eletricidade, no caso, o conteúdo, propósito e manifestação da natureza humana. Ação, entendida aqui (e como se deve entendê-la), não como mera sucessão de fatos e acontecimentos, mas, como ato humano, cuja definição não implica apenas movimento físico, já que compreende também (e talvez com mais razão e propriedade), além de pensar e meditar, as decisões que se tomam.
O filme Heróica (Eroica, Polônia, 1957), de Andrzej Munk (1921-1961), assenta sua importância no significado e na análise dos fatos ocorrentes, nas atitudes das personagens e no modo e grau como se vinculam, derivando da maneira como esses elementos viabilizam-se o exame e a avaliação comportamentais.
Dividido em dois episódios distintos relacionados com a Segunda Guerra Mundial, que teve o país como um de seus principais teatros operacionais, Heróica, como a denominação implica e induz, retraça, em ambientes díspares, ações de arrojo e bravura despidas de grandiloquência e espetaculosidade.
No primeiro, o protagonista pratica série de atos corajosos e de desprendimento pessoal como se não envolvessem heroísmo e não passassem de simples peripécias executadas em condições normais.
Essas atividades, feitos e reações, a par documentar a época e sua conjuntura, vão gizando seu caráter, personalidade e determinação.
A qualificação do filme reside em que isto não se explicita, defluindo da contextualização fático-comportamental. A fina conotação irônica que o perpassa estabelece não só contraponto às circunstâncias e urgências do momento como contém em si comentário autoral calcado em visão do mundo elididora ou quando menos minimizadora de sua implícita tragicidade.
De feição completamente diversa é o segundo episódio. Ao invés de agitação e movimentação contínuas, caracterizadoras do primeiro, concentra-se em exíguo espaço de campo de concentração alemão.
Centrada e nucleada a trama no relacionamento entre os prisioneiros, a ação, quando nela ocorrente, não constitui tema fílmico, mas, apenas ilustração, comentário e demonstração comportamental. A natureza humana e suas múltiplices externalizações perfazem sua razão e descrição. Gestos, palavras, maneiras e reações compõem a matéria e o cerne desse confinado contexto, cujo circunscrito âmbito contribui para maior acuidade e profundidade da construção biotipológica e sua exposição.
Nele, ao contrário do estereótipo de tantas situações semelhantes em filmes comerciais do gênero, gestos, diálogos e atitudes não configuram espetáculo e nem dissipam seu significado no ato de se exteriorizar, mas, refletem ou materializam modos de ser e proceder.
O caráter áspero do confinado convívio não deriva do ambiente anômalo que contempla, mas, emerge diretamente da condição humana e a conforma.
Outra fosse a contingência, desde que concentracionária, idênticos ou pelo menos semelhantes seriam seu conteúdo e substância, conquanto diversos os fatos e suas motivações, já que a índole e a personalidade dos indivíduos não se modificam nem mudam, apenas alteram sua forma, eis que adaptáveis à realidade e suas ocorrências. No caso, conquanto sua manifestação e eficácia esgotem-se na confinada área que palmeiam, seu teor e sentido são permanentes e universais.
Nesse episódio não se travam combates, não se ferem batalhas e nem ao menos antagonizam-se soldados em confronto. Os alemães nem ao menos aparecem. Seu restrito espaço compõe o palco, onde, mais que pessoas, atuam tipos de comportamento e expõem-se talhes psicológicos de individualidades e em que os diálogos, menos que verbalizarem sentimentos, emoções e desejos, constituem expressões do ser. Onde os relacionamentos estabelecidos e transitoriamente mantidos, se perdem em naturalidade e espontaneidade, ganham em intensidade e autenticidade.
(do livro A Segunda Guerra no Cinema. Uberaba,
Instituto Triangulino de Cultura, 2005)
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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensãode 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional, entre eles, Brasil: Cinco Séculos de História, inédito.
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