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CONSTRUINDO SAÍDAS ALÉM DA 421


Por Fábio Casara (*)CONSTRUINDO SAÍDAS ALÉM DA 421 - Gente de Opinião
 

Já passou muito tempo e durante todo esse período a população da região de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, porque não dizer, de toda a mesorregião Madeira-Guaporé, já que a trajetória histórica foi a mesma, ficou inerte frente a uma política institucional que impôs, para a região, um papel de área de compensação ambiental para a mesorregião Leste Rondoniense, entende-se, o eixo da BR-364, que é considerado o mais desenvolvido do Estado. Porém, esquecem que a região foi, um dia, de extrema relevância para a história do Brasil e do mundo. Para os mais desavisados, a construção do Forte Príncipe da Beira, no século XVIII, por ordem do Marquês de Pombal, símbolo o fim ao Tratado de Tordesilhas, de 1494, e o início de uma nova ordem geopolítica pela assinatura, entre os reis de Portugal e Espanha, do Tratado de Madrid, de 1750. O que isso representou? Simplesmente representou a anexação de quase a totalidade da Amazônia ao domínio português e nossa região foi palco desse importante acontecimento histórico. Com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), mais uma vez seríamos personagens centrais desse episódio de extrema relevância para o Brasil e para o mundo. Como todos sabem, a assinatura do Tratado de Petrópolis, de 1903, permitiu a anexação do território do Acre aos domínios do Brasil e, com esse ato, se definiu as bases territoriais do país. Portanto, a região do Madeira-Guaporé esteve diretamente ligada aos importantes acontecimentos que ajudaram no desenho político institucional do Brasil e de Rondônia. Com a economia da borracha, a região ganhou importância geopolítica e com o seu fim, viu-se esse poder sendo transferido para a BR-364, apoiada na economia agropecuária.

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Fonte img. http: //www.gentedeopiniao.com.br/fotos/image/5BEC.jpg

A década de 1970 representou o início dos grandes movimentos ambientais no mundo. Em Rondônia não seria diferente. Assim, com a pressão, inclusive internacional, os olhos do mundo passaram a enxergar as grandes obras de infraestrutura em andamento no Território, naquela época, como ameaça aos princípios que se convencionou chamar de “desenvolvimento sustentável”, ou seja, a BR-364. Coincidentemente, tal período correspondeu à desativação definitiva da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. É exatamente aqui que começa a nossa cruz. Sob o enfoque do desenvolvimento sustentável, políticas foram instituídas na região com vistas a minimizar a pressão internacional, principalmente a respeito da rodovia federal em vias de construção. Embora os técnicos do antigo PLANAFLORO venham argumentar a questão da pobreza dos solos como principal fator, o fato é que grande parte das unidades de conservação e terras indígenas em Rondônia passaram a ser institucionalizadas em Guajará-Mirim e região, levando, no caso desse município, a representar, aproximadamente, 92% de toda a sua extensão territorial que, por sinal, é gigantesca. É Lei. A regra foi posta. Cumpra-se. Mas, nesse processo, esqueceram que a lógica do desenvolvimento sustentável não é só o econômico ou o ambiental ou o social, de forma isolada. Quando se olha Rondônia como uma pizza interia, talvez alguns possam até concordar que há um processo de desenvolvimento sustentável em curso, já que o Estado se desenvolve e também preserva. Todavia, quando o olhar se concentra em nível local, percebe-se que há uma verdadeira desigualdade regional reinante no Estado, o que coloca em risco o desenvolvimento sustentável em Rondônia. Assim, é possível verificar que o desenvolvimento fica restrito à mesorregião Leste Rondoniense (BR-364) enquanto o ambiental se concentra na mesorregião Madeira-Guaporé. Desse modo, enquanto no primeiro, o aspecto econômico é forte, por outro lado, o aspecto ambiental carece de apoio. Da mesma forma que, no caso do segundo, onde o aspecto ambiental é forte, porém, com um bolsão de pobreza incrustado no seio da sociedade, por falta de alternativas econômicas. Podemos falar de desenvolvimento sustentável nesse formato? Enquanto não se entender que o processo se dá em nível local, não se conseguirá sair dessa situação calamitosa. E como a história molda a sociedade e esta molda a política e a política reproduz a trajetória de modo que todos a permaneçamos nela, é preciso que a sociedade reaja de forma concreta. Sem o capital social fortalecido internamente não conseguiremos construir uma base solidificada para que, num só coro, se entoe aquilo que é importante para o desenvolvimento da região. Contudo, não é qualquer desenvolvimento que interessa à região, já que detemos grande parte das áreas legalmente protegidas do Estado.

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Ramal alternativo entre os Distritos de União Bandeirantes e Nova Dimensão

A questão da BR-421 é importante, pois representa uma saída para o isolamento, principalmente nesse momento de crise em decorrência das enchentes, fato que ocorre de tempos em tempos. É preciso uma solução definitiva para que não venhamos a sofrer novamente com esse episódio em 2024, 2034... Mas, pergunto a toda sociedade, é só isso? Queremos só isso? O isolamento se dá somente pela estrada? Precisamos sair do isolamento institucional também. Não queremos que nos tratem como pedintes, como mendigos, como coitadinhos. A sociedade também precisa ter postura digna e carregar esse sentimento no sangue, temos que reagir. Sozinhos, não somos nada. Vivemos todo esse tempo de forma isolada e veja onde estamos hoje. Muitos, a princípio, de forma acalorada, vão colocar logo culpa em políticos de fora, como se os de dentro fosse imune a críticas.  E, nós, não temos culpa? A sociedade sabe concretamente o que quer? Sabemos que modelo de desenvolvimento seguir? Isso é política. A política está em tudo. Muitos, talvez, confundam política com politicagem. Não é isso. Quando deixamos de participar de reuniões importantes, quando nos omitimos desse papel, sempre haverá alguém ou um pequeno grupo que irá se apropriar desse espaço e, em nome da coletividade, irá impor suas vontades. A Democracia tem disso.

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Escassez de combustível em Guajará-Mirim, foto Ariel Argobe

As sociedades que acordaram para a importância das ações coletivas, em aspectos como confiança, governança e solidariedade, são fortes, o desenvolvimento acontece com mais força. O contrário também é verdadeiro. Então, não adianta achar um culpado, se o maior culpado somos nós mesmos. De que adianta vir um Ministro, um Presidente, um Senador, um Deputado Federal se nós, como coletividade, demonstramos sempre conflitos de interesse internos? Os encaminhamentos não podem ser feitos exclusivamente por instituições isoladas. Infelizmente, nossa sociedade é individualista e como as organizações são ocupadas por pessoas, tendem, também, as mesmas, a se comportarem como tal. Todos nós precisamos entender que o capital social é o motor da economia, não o contrário. O problema de Guajará-Mirim, em especial, não é econômico, é social. Pois o econômico é consequência do social. O que vivemos atualmente é reflexo de nosso poder social. A culpa não é de político A, B ou C. É nossa. O que procuro nesse momento de crise é alertar para importância da união. Não só nesse momento em que estamos vivendo, mas que esse fenômeno das enchentes sirva para mostrar a todos que temos que nos unir sempre.

Queremos participar do processo de

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Manifestação SOS Guajará, em 7 de março de 2014

desenvolvimento do Estado e do Brasil. Não queremos esmolas. Simplesmente, o nosso processo de desenvolvimento tem que estar embasado no contexto do desenvolvimento sustentável, portanto, é preciso fortalecer as instituições em nível local. Precisamos ver em nossa região, a presença física da EMBRAPA, da CEPLAC, do INPA, do MUSEU GOELDI, da ANA, da SETUR, etc... O que não queremos é cometer os mesmos erros cometidos no passado em razão do progresso a qualquer custo. É inadmissível, em uma região com grandes áreas preservadas, como a nossa, não se observar a presença de instituições ligadas à ciência e tecnologia. Acorde sociedade! A BR-421 é apenas o primeiro passo em busca dessa união. Ela não se esgota em si mesma.

Precisamos discutir o nosso modelo de desenvolvimento, seja pela via da política pública de fortalecimento da área de livre comércio, seja pelo setor agropecuário voltado para a produção orgânica, seja pelo turismo-ecoturismo, ou mesmo pelas atividades de aquicultura e piscicultura, dos polos de confecção, do extrativismo, de agroindústrias, do mercado de carbono, do manejo florestal, etc, ou até mesmo pela combinação entre elas. Talvez o problema esteja localizado exatamente nesse ponto, pois algumas lideranças locais as enxergam como atividades concorrentes, o que é um erro considerável. Além disso, é importante lembrar que o problema da Amazônia foi sempre apostar numa única fonte de renda. Não somos mais os maiores produtores de borracha. Hoje, no Brasil, é São Paulo que detém esse mercado, apesar da seringueira ser originária da Amazônia. E o pior, estamos agora em vias de perder o Açaí também. Isso é ciência e tecnologia. Como explicar que o Uruguai exporta seis vezes mais leite que o Brasil com uma área bem inferior a nossa? Precisamos evoluir tecnologicamente. Não queremos que as instituições olhem somente para o problema já consumado, com medidas de recuperação de áreas degradas. E as regiões, com alta preservação, deveremos todos aguardar para que também as tornem degradadas para assim agirem, visando recuperá-las?  Por que não ser a região modelo em desenvolvimento sustentável para o mundo? Por que não ser a experiência que deu certo em projetos de desenvolvimento regional onde “desenvolvimento” e “conservação” se combinam e se misturam, contrariando a lógica atual em que ambas são vistas como “água” e “óleo”?

Já demonstramos nossa importância para o Brasil como palco da consolidação territorial do país, agora queremos ser palco de uma ação que ajude o mundo a compreender que o desenvolvimento sustentável é possível. Se todos acreditarem nisso, se todos os encaminhamos feitos pelas instituições locais forem consolidando isso, conseguiremos, enfim, trazer para a região políticas públicas nessa direção. É importante esclarecer, ainda, que as políticas públicas nascem do seio social, das demandas sociais e da governança local e não de grupinhos isolados. Temos que romper essa barreira. Só com o capital social fortalecido poderemos sonhar com dias melhores. E isso depende somente de nós. Cada um de nós. Que tal tomar a decisão hoje? Exerça a cidadania. Ela tem poder. Porém, só tem efeito se for aclamada em conjunto. Nossas ações de hoje se refletirão no futuro de nossos filhos. Somos responsáveis, hoje, pelo o amanhã. O futuro somos nós que construímos no dia-a-dia. Faça parte dessa história.

*Fábio Robson Casara Cavalcante é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Socioambiental e Professor do Departamento Acadêmico de Ciências Sociais e Ambientais (DACSA) do Campus da UNIR de Guajará-Mirim.

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