Terça-feira, 29 de setembro de 2009 - 05h03
Confúcio Moura
Não é verdade que foi assim e sempre será. Porque as verdades mudam. As mentiras também mudam. No decorrer do tempo verdade e mentira misturam-se como as cores do arco-íris. As sete cores quando misturadas transformam-se no branco. Então é assim em todas as coisas – não há verdade absoluta. E que tudo é bem relativo.
Damião Prandini não era médico. Nem sei o que foi na sua juventude. Aqui, em Ariquemes, quando não havia médico, ele e o José cuidavam de todos os deserdados da região. Mais outros, tanto quanto importantes que se dedicavam aos mil e poucos moradores, dobro deles encafifados nos garimpos clandestinos, na matança de gatos pintados, onças e equivalentes para venderem as peles. Belmira cuidava das hepatites e das mulheres com suas doenças íntimas. Era parteira de fama.
Damião, na escala hierárquica (dos sem-regras) era o príncipe dos “médicos curadores”, talvez tenha passado por alguma farmácia de interior ou por hospitais distantes, onde pode pegar alguma prática e perda do medo de sangue. Foram eles e os outros, que pelo sim e pelo não, cuidavam destes povos do interior do Brasil – o Brasil superprofundo. Naquela ocasião, antes de 1 975, era de fato, um interior superprofundo.
O José, até hoje peregrina pelo mesmo lugar. Andar inalterado e sempre de branco, corpo inteiro, talvez, por promessa, continua de branco, creio que tenha hoje 80 anos. Este bem discreto, palavras dele saem no anzol ou a lanço. O ritmo do passo denuncia a falta de pressa. Para ele não há urgência. Dedicou-se aos matutos com suas endemias crônicas. Baços gigantes, olhos amarelados, indolentes nos movimentos – eram os portadores da malária de repetição. Ele não se vexava dos soros amarelos e negros, sempre coloridos nos seus extremos, as cores dos soros, reforçados em coquetéis de vitaminas, gotejavam para sempre. E depois andavam para frente e para trás para completarem sempre o circuito da vida e da morte.
Damião devia ter cinqüenta anos (talvez), bonito, tudo miserável por ali, só ele era nobre. Cabelos brancos, lisos, vestido num prontuário médico, um carro de luxo à porta, terra de chão poeirento ou lamaçal extremo. O doge dart, modelo de 1969, vermelho, lindo e maravilhoso patinava nos seus extremos. Além do mais, Damião era branco, bonito, cortês, elegantíssimo, verdadeiro galã de cinema. Bebia uísque. Os outros bebiam pinga. Ninguém sabia a sua origem. Nem se solteiro ou casado. Outra qualidade de príncipe – as poucas mulheres solteiras, ou casadas que eram interessantes, mesmo a distância “adoravam” o Damião. Também pudera. Mesmo sendo um charlatão, que hoje, poderia ser considerado perigoso, eu ali, bem perto, seu vizinho, não o denunciei em nenhum momento. Ele tinha direito adquirido. Eu teria que esperar. E esperei.
Belmira, separada, mãe de 8 filhos, que sempre foi mãe e pai, tocava a vida na farmácia e nos fundos tinha alguns leitos para internar as pessoas da sua confiança. Bem sabida, cheia de netos, desbocada, tipo “boca-suja”, mas, ainda, dava um bom caldo. Aqui e ali ficava caída por alguns PMS que eram destacados pra cá, como que por punição. Sabe como é que é – ninguém é de ferro. E assim o tempo passou nesta mistura de fisionomias, procedimentos e cores numa Ariquemes vilarejo perdido e desalentado. Onde o único médico (que era eu) perdia feio para os tradicionais tratadores das doenças da região. E me contentava em matar pium nos braços e testa.
Belmira não tinha nojo de paciente com hepatite. Ela me demonstrou isto. O paciente dela, cor de açafrão, engolia algumas colheradas de sopa e ela terminava a sobra no mesmo prato e colher. Comia e bebia. Beijava se fosse preciso. Nada de luva. Limpava vômito com a mão limpa. E ainda falava: - “tá vendo? Não pego doença nenhuma. Hepatite não pega em ninguém”.
Eu ali, desmilinguido, sentado à porta do meu barracão de madeira, que se chamou e ainda chama Hospital São Francisco, que parecia mais um São Sebastião, longe de casa e flechado no peito, só com um diplominha sem fé nas mãos, que ninguém valorizava e com clientela quase zero. Os outros sim tinham prestígio do tempo, vida na lida e sabiam conversar a língua do homem da floresta.
Cá, dentro de mim, pensei – vou-me embora. Consegui emprego no “Governo do Território” e fiquei. Fiquei esperando o povo chegar. O povo diferente de todo lugar. No barracão, quase nada de serviço. Tinha que me mostrar para tirar a cisma do povo. Então, apareceu a mulher do André, a Maria, que a Belmira não conseguiu fazer o parto. Apresentação de ombro. Sem autoclave, sem estufa, mulher nas últimas, estrada de chão para Porto Velho, sem carro, sem ônibus, falei – é a guerra. Vou operar. Botei a ferragem no formol, pano e tudo. E parti para o serviço. Salvei a Maria e a filha Raiana que deve ter hoje 33 anos de idade. Depois deste ato fantasmagórico passei a entender que em todo lugar há sempre a mão de Deus.
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