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Crônica

A janela da alma


William Haverly Martins - Gente de Opinião
William Haverly Martins

A janela facilita a peregrinação do vento pelo interior da casa, removendo ou renovando odores, interferindo no humor. Nas asas do vento, velhas lembranças amassadas de tempo ingressam nos lares pelas portas e saem pelas janelas ou vice-versa.

Desde as primeiras concepções arquitetônicas de casa, cerca de 4.000 anos antes de Cristo, na Pérsia, a janela já estava no projeto, nem sempre por harmonia ou beleza, mas por prazer arejante, uma saída ao sufoco, ao mormaço, à mudança de clima e a novos ângulos de visão – a janela seria a moldura romântica aos olhos –, mas também a saída estratégica em caso de necessidade de fuga.

         Das casas, a janela migrou para os meios de transporte: estava nas carruagens, nos trens movidos a vapor, na invenção de Ford, na navegação marítima, no zepelim, no 14Bis e, cumprindo a evolução, foi à lua, além de ser presença constante na imaginação criativa, como figura de linguagem.

         Gregos e romanos, para não contrariar a história da civilização, estavam no limiar das variações estéticas da janela, antes dela ganhar o mundo conceptivo do barroco e do classicismo: onde ora era redonda, às vezes quadrada, retangular, elíptica, de geometria livre, sem deixar de cumprir sua função romântica e estratégica, Romeu e Julieta que o digam.

No movimento Arte Nova, casou-se com o vidro e esbanjou beleza em cores, tendo o ferro, o alumínio e a madeira como amantes devotados, sem desprezar, vaidosamente, a paquera, o voyeurismo de uma rosa, uma violeta, um jasmim, um cravo, em vasos instalados sobre a concepção artesã de peitoril.

A racionalização dos espaços lhe alçou a alturas antes inimagináveis. Internamente as cortinas vestiram-na com inúmeros materiais, atendendo aos gostos decorativos de cada um.

Mas foi o racional quem lhe deu o sentimento: a janela incorporou a vista e deixou de ser mera moldura ao olhar, para ser a aura da presença humana, a extensão significativa do horizonte e da imaginação. O visual ganha contornos reais, fantásticos, ficcionais e até mesmo eróticos, dependendo de quem olha, do que se olha, ou de quem é olhado.

 Nem mesmo as paredes do prédio ao lado, na selva de pedra das grandes cidades, conseguem abater a fabulação criativa do olhar que enxerga vistas, pelo dom da arte literária, como se o autor estivesse debruçado sobre a janela da alma.

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