Terça-feira, 9 de dezembro de 2025 - 14h53

Apresentada
como autodefesa do Poder Judiciário, a decisão do STF na ADPF 1.259 pode acabar
funcionando como autoblindagem. Onde termina a proteção institucional legítima
e começa o risco de irresponsabilidade togada?
A decisão do ministro Gilmar Mendes na
ADPF 1.259 revolveu o fundo do poço e mexeu nas placas tectônicas da relação
entre política e justiça no Brasil. Em 71 páginas, o decano do Supremo Tribunal
Federal redesenhou as regras para o impeachment de juízes previstas na
Lei nº 1.079/1950. O objetivo declarado é proteger o Judiciário de investidas
oportunistas; o risco é transformar um mecanismo de responsabilização
excepcional em peça de museu.
O ponto de partida é real. Nos últimos
anos, pedidos de impeachment contra ministros do STF se multiplicaram e
passaram a ser usados como arma retórica da polarização: cada voto polêmico ou
decisão contramajoritária vinham acompanhados da promessa de “impichar”
o magistrado. A lei, ao permitir que “todo cidadão” ofereça denúncia por crime
de responsabilidade, abriu espaço para que o instituto fosse acionado como
instrumento de pressão política permanente.
A decisão procura fechar essa
torneira. O ministro, no que diz respeito aos membros do Judiciário, afastou a
previsão de que qualquer cidadão possa oferecer a denúncia e, grosso modo,
ajustou a interpretação da lei de modo que apenas o Procurador-Geral da
República tenha iniciativa para acusar juízes. Além disso, projetou o quórum de
dois terços dos senadores, antes restrito à condenação, para etapas anteriores
do processo, e derrubou o afastamento automático do magistrado com suspensão de
vencimentos assim que a acusação é recebida. Por fim, afirmou de modo claro que
o conteúdo de votos e decisões — por mais impopulares que sejam — não pode ser
enquadrado, por via oblíqua, como falta de decoro ou desídia.
Há, neste ponto, uma agenda legítima
de autodefesa institucional. Um Judiciário que decide sob ameaça constante de
cassação perde independência e se torna refém das maiorias de ocasião. A
literatura sobre “constitucionalismo abusivo” mostra como mecanismos
aparentemente neutros (como emendas constitucionais em série, leis de
organização judiciária, mudanças nas regras eleitorais, reformas no
financiamento de partidos e processos de impeachment, por exemplo) podem
ser usados para asfixiar Cortes constitucionais e domesticar juízes
recalcitrantes sem romper, ao menos na forma, com a legalidade democrática.
Autodefesa, porém, não é sinônimo de
autoblindagem. Ao concentrar a iniciativa exclusivamente nas mãos do PGR,
escolhido politicamente e, não raro, sensível a cálculos de conveniência, a
decisão desloca o problema: diminui a banalização dos pedidos, mas cria um
filtro solitário para situações graves. De outro lado, exigir dois terços dos
senadores em praticamente todas as fases do processo tende a tornar o impeachment
de magistrados algo quase impossível, mesmo diante de condutas frontalmente
incompatíveis com a Constituição.
Há ainda o incômodo de método. A mesma
Lei nº 1.079/1950 disciplina o impeachment do presidente da República,
de ministros de Estado e de outras autoridades centrais. Quando o STF
reescreve, por decisão monocrática, trechos sensíveis dessa lei — ainda que
apenas em relação ao Judiciário —, alimenta a suspeita de que legisla em causa
própria. O conteúdo pode ser constitucionalmente defensável; a forma, nem
tanto.
O desafio que se impõe é duplo. Proteger a independência dos juízes contra a erosão de suas garantias é indispensável, mas isso não pode significar irresponsabilidade prática. Entre o uso abusivo do impeachment a cada decisão polêmica e a impossibilidade de punir comportamentos graves existe um espaço de desenho institucional que precisa ser ocupado pelo Congresso Nacional, em diálogo com a sociedade. Enquanto uma nova lei de crimes de responsabilidade não vem, a medida cautelar do ministro Gilmar Mendes funciona como ponte provisória — robusta em alguns pontos, exagerada em outros — sobre um terreno cada vez mais instável da democracia brasileira.
*Helder Caldeira
é advogado, escritor e pesquisador. Doutorando em Direitos Fundamentais Civis
pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), mestre em Direito pela
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), além de membro efetivo da Comissão
de Estudos Constitucionais da OAB/MT. Autor dos livros Águas Turvas
(2014) e (Quase) Borboleta (2020), além de coautor de Direitos
Fundamentais e Constituição (2023) e Direitos Humanos Contemporâneos
(2023). Contato: helder@heldercaldeira.com.br
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