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Mangabeira quer levar água da Amazônia para o semi-árido


Alex Rodrigues
Agência Brasil


Manaus - Ao encerrar ontem (18) sua visita de quatro dias à Amazônia, o ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, destacou a importância de transformar em ações concretas as intenções esboçadas em seu projeto de desenvolvimento econômico sustentável para a região.

Acompanhado por uma comitiva de secretários ministeriais, cientistas e representantes de órgãos do governo, além do ministro da Cultura, Gilberto Gil, que participou dos dois últimos dias da viagem, Mangabeira recolheu todo tipo de reivindicações e queixas locais, mas não explicou em nenhum momento como poderão ser incorporadas às propostas que já trazia no início da viagem.

Segundo o ministro, há um esforço por parte do governo para transformar a Amazônia em prioridade nacional. O ministro garante que não irá descartar ações anteriores, como as prescritas no Plano Amazônia Sustentável (PAS).

“O país começa a acordar para a centralidade da Amazônia na definição do futuro nacional. Começa a compreender que a região não é retaguarda, mas sim vanguarda, um laboratório onde precisamos e podemos construir políticas públicas e instituições que, adaptadas, terão relevância para todo o país.”

Na entrevista que concedeu à Agência Brasil durante o retorno a Brasília, Mangabeira negou a autoria de algumas propostas polêmicas como a construção de um aqueduto para transportar água da Amazônia para o semi-árido brasileiro e a extensão do modelo de organização do setor produtivo com isenções fiscais adotado na Zona Franca de Manaus.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil: A população da região amazônica conheceu o ministro Mangabeira e o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência da República. Eles podem contar com o desenvolvimento do trabalho iniciado com sua visita à região?

Roberto Mangabeira Unger: Ao assumir a tarefa de ajudar a propor e debater um novo modelo de desenvolvimento nacional, um modelo baseado na ampliação de oportunidades econômicas e educativas, me convenci de que esse trabalho só avançará se for traduzido em iniciativas concretas. Medidas que antecipem o rumo que o país busca. Nenhuma dessas iniciativas é mais importante que aquelas a respeito da Amazônia, um espaço privilegiado em que o país pode revelar a si mesmo. Converti-me a esta causa e, agora, quero ajudar a converter meus concidadãos, já que esta é uma causa que pode esclarecer, comover e transformar o Brasil.

ABr: E quais serão os próximos passos deste trabalho?

Mangabeira: Temos de dar prosseguimento a este trabalho de três maneiras. Em primeiro lugar, preciso relatar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos demais ministros o que ouvi e fiz até agora para, assim, receber orientação sobre o que fazer. Em segundo lugar, precisamos chegar a um entendimento com todos os governadores e organizações sociais da Amazônia. Em terceiro lugar, precisamos identificar algumas ações concretas que exemplifiquem e antecipem esta iniciativa.

ABr: E que ações seriam estas?

Mangabeira: As grandes diretrizes desta proposta já estão esboçadas. Já tenho uma visão de quais possam ser, mas preciso discuti-las com a equipe de governo e com os governadores. Já avancei muito ao divulgar um texto [o documento Projeto Amazônia – Esboço de Uma Proposta, texto de 17 páginas escrito pelo próprio ministro e distribuído a algumas autoridades e parte da imprensa] para provocar e organizar a discussão, mas que ainda não representa a posição oficial do governo. Não seria correto descrever essas ações sem antes tê-las acertado com o presidente e com os governadores.

ABr: A viagem ao Amazonas e Pará acabou ganhando um amplo destaque por conta da controvérsia em torno de uma suposta declaração sobre a construção de um aqueduto para transportar água da região para o semi-árido nordestino. Qual foi sua real proposta?

Mangabeira: Eu não fiz essa proposta de construir um aqueduto. Agora, as falsas controvérsias precisam ser aproveitadas como oportunidades de esclarecimento. Além do que, é preciso distinguir o periférico do central. No projeto, a questão central é o zoneamento econômico ecológico da Amazônia baseado na solução das questões fundiárias e na definição de estratégias econômicas distintas para as diferentes partes da região.

ABr: Mas em seu texto, o senhor trata da indisponibilidade de água em um local enquanto na Amazônia o recurso “potencialmente aproveitável” estaria sobrando. E embora coloque que seriam necessárias novas maneiras de conceber e de construir aquedutos para transportar o líquido de onde tem para onde falta, defende que é necessário olhar para além das tecnologias já existentes.

Mangabeira: Ao discutirmos a questão da água, que ocupa um lugar subsidiário no texto que divulguei, eu disse que temos de resolver o paradoxo de que na região que concentra 20% de toda a água doce do planeta, falta água confiável para os habitantes. Temos de resolver esse problema com tecnologias já disponíveis. Só depois, em uma outra etapa, usar tecnologia ainda a desenvolver para que a Amazônia possa participar da solução dos problemas da água no semi-árido brasileiro.

ABr: Então o senhor não afastaria a hipótese de construção de um aqueduto? 

Mangabeira: Não é eficiente transportar água de uma região para a outra com as tecnologias hoje existentes. Teríamos de desenvolver outras tecnologias. Volto a insistir, vamos distinguir o que é central do que é secundário. Porque conversar sobre isso se há um tema muito mais importante, que é a tecnologia florestal? Um dos grandes temas discutidos é a organização prática do uso controlado e sustentado da floresta. Precisamos desenvolver uma tecnologia apropriada para nossas florestas e dar forma jurídica para a gestão comunitária das florestas. Só assim teremos alternativas ao controle estatal das florestas de um lado, e a entrega às grandes empresas de outro.

ABr: E qual a proposta neste sentido?

Mangabeira: Na Amazônia já desmatada nós temos a oportunidade de não repetir os erros de nossa formação histórica, a chance de organizar um modelo econômico diferente do modelo instaurado nas Regiões Sul e Sudeste no século 20. Um modelo que associe o Estado aos pequenos produtores e que vincule diretamente às vanguardas e às retaguardas do setor produtivo.

ABr: E para as áreas ainda preservadas?

Mangabeira: Na Amazônia florestada, devemos dar seqüência prática ao manejo controlado e sustentável da floresta. A grande diretriz e a ambição que inspirou esse projeto foi o compromisso de combinar a intenção produtiva com a preservacionista, promovendo a inclusão social. Ninguém faz isso sem reconstruir as instituições.

ABr: Para as áreas já desmatadas, o senhor defende um modelo igual ao da Zona Franca de Manaus?

Mangabeira: Esta foi outra falsa controvérsia. A Zona Franca é uma resposta singular a uma circunstância singular. Nada indica que faça sentido repetir sua fórmula em outras partes da Amazônia. Há aí, porém, um outro tema, este sim relevante. Não só para a Amazônia como para todo o país. A Zona Franca é um experimento admirável. Não é apenas um conjunto de montadoras, ela abrange empreendimentos avançados.

ABr: Mas houve críticas no sentido de que ela não serviria aos pequenos produtores locais?

Mangabeira: A questão aí é como empreendimentos avançados podem produzir máquinas e bens que empreendimentos mais atrasados possam assimilar. Ou seja, estabelecer um vínculo entre a vanguarda e a retaguarda produtiva. Na região, precisaríamos estabelecer esse vínculo de maneira a qualificar o manejo controlado e sustentado da floresta, com a qualificação tecnológica e organizacional das empresas urbanas. Sobretudo das pequenas empresas, para que elas aproveitem produtos da própria floresta na produção de soluções e máquinas da própria  indústria florestal. Aí sim, teríamos uma revolução simultaneamente produtiva, ambiental e social na Amazônia.

ABr: E como tornar isso possível?

Mangabeira: Temos a consciência de que a causa da Amazônia não avançará como pleito regional, mas somente como um projeto nacional.
 

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