Sven Wunder, economista
"A floresta pode render muito dinheiro ao Brasil "
Por Rosenildo Gomes Ferreira
Economista, especialista em política florestal e autor de nove livros sobre sustentabilidade, o alemão Sven Wunder possui uma visão otimista sobre a atuação do Brasil nas discussões relativas ao aquecimento global. “Ao contrário de outros emergentes, o País tem uma matriz energética mais limpa, o que lhe garante uma vantagem competitiva”, afirma. Segundo Wunder, que ocupa o cargo de economistachefe do Centro Internacional para Pesquisa Florestal (Cifor), as florestas podem se converter em uma fonte de renda. Prova disso foram os US$ 110 milhões doados pela Alemanha e Noruega ao Fundo Amazônia. Na entrevisa a seguir, Wunder elogia a decisão do governo Lula de reduzir voluntariamente as emissões de dióxido de carbono (CO2) e mostra sua confiança nos desdobramentos da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-15), realizada em Copenhague (Dinamarca), que para a maioria dos especialistas foi um fracasso.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a meta do governo brasileiro de reduzir as emissões em até 38,9%? Essa proposta é realista?
SVEN WUNDER – Foi um gesto importante do ponto de vista político e tem peso no debate global sobre o tema. O Cifor defende o conceito de pagar os proprietários pela preservação das terras. Fizemos um estudo em parceira com o Ministério do Meio Ambiente que mostrou que entre 40% e 60% do desmatamento poderia ser evitado a baixo custo, tendo como parâmetro a captação de recursos com base nas cotações da Bolsa de Carbono de Chicago. Nos próximos dez anos, 8,3 milhões de hectares de florestas poderiam entrar neste esquema. Para proteger 40% da floresta ameaçada durante dez anos, seria necessário desembolsar, em média, R$ 350 por ano por cada hectare. Isso mostra que o potencial econômico dessa ferramenta é muito grande.
DINHEIRO – Mas isso pode funcionar na prática?
WUNDER – Acredito que sim. Mas é óbvio que, em alguns casos, como na ocupação ilegal de terras, teremos que destinar parte dos recursos para que os órgãos de fiscalização possam coibir o desmatamento e a grilagem de terras. Resumindo: teremos de usar o dinheiro das florestas também para o chicote.
DINHEIRO – Os cortes das emissões de dióxido de carbono (CO2) não podem reduzir a competitividade de países emergentes, como o Brasil?
WUNDER – Devido à sua grande extensão territorial com pouca pressão demográfica, o Brasil tem uma vantagem competitiva em relação a muitos países. As discussões durante a COP- 15 favoreceram os países emergentes que ainda têm grandes extensões de florestas ameaçadas.
O Mecanismo de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação, conhecido como Redd, tem por objetivo evitar que esses países sofram perdas econômicas. O Fundo Amazônia, criado pelo BNDES, dispõe de um programa que recebeu US$ 110 milhões da Noruega e da Alemanha. Esse montante pode chegar a US$ 1 bilhão, caso o governo brasileiro continue baixando a taxa de desmatamento. O que não está claro é o que fazer com o produtor agrícola. Se ele está desmatando de forma ilegal, pode ser complicado usar fundos públicos para remunerá- lo por eventuais compensações.
|
DINHEIRO – No caso de setores produtivos, como a siderurgia, como induzilos a adotar a produção sustentável?
WUNDER – É sabido que muitas empresas estão fazendo alterações em seu sistema produtivo como forma de reduzir a dependência de fontes não renováveis de matéria- prima. E isso também vale para a siderurgia. O mercado de carbono deveria incorporar mais incentivos para mudar as estratégias corporativas.
DINHEIRO – Mas a troca, por exemplo, do carvão por outros insumos para queimar nos alto-fornos não teria um custo muito elevado?
WUNDER – É preciso ressaltar que o segmento que terá de fazer os maiores esforços de redução das emissões, de acordo com o plano elaborado pelo governo brasileiro, é o agropecuário. Fala-se muito da soja e dos biocombustíveis, mas um estudo do Imazon, Ong que realiza pesquisas ambientais, mostrou que, das terras desmatadas, de três a quatros hectares que perdem a cobertura vegetal são usados no final como pastagem. É essa pecuária que devora terra que tem de mudar.
DINHEIRO – Nesse contexto, o sr. considera um avanço o acordo assinado recentemente entre as redes varejistas e os frigoríficos para banir o chamado boi pirata?
WUNDER – Esse foi um passo muito importante e é fruto direto do aumento da consciência no mercado interno, além de uma mudança estratégica no posicionamento das empresas brasileiras que atuam em termos globais. Ficou claro que uma produção baseada em princípios ilegais pode não ter mercado no futuro.
DINHEIRO – Os fabricantes de papel e celulose tentaram incluir na COP-15 a tese de que as áreas reflorestadas com eucaliptos e pínus deveriam ser remuneradas por sequestrarem CO2. Qual é a sua a avaliação dessa proposta?
WUNDER –
Hoje, já é possível incluir projetos de reflorestamento no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto. Mas isso nunca funcionou muito bem na prática porque os requerimentos do MDL são complexos e os custos de transação são elevados. Prova disso é que apenas duas dezenas de projetos desse tipo receberam recursos no mundo. No mercado paralelo “voluntário”, este dispositivo funcionou melhor. Um bom exemplo é a Fundação Face, que reúne um consórcio de empresas energéticas da Holanda, que tem por objetivo compensar suas emissões com projetos de reflorestamento em países tropicais.
DINHEIRO – Existe algum caso semelhante na América Latina?
WUNDER – O melhor exemplo desse trabalho ocorreu no Equador. Graças a esse tipo de parceria, foram reflorestados 25 mil hectares na região andina, montante bem acima do que o governo local conseguiu fazer. No caso da indústria da celulose, existe um debate até de cunho ideológico, que deu origem à “guerra do eucalipto”. Existem defensores e vozes contrárias ao uso dessa espécie como base para projetos de reflorestamento. O que posso dizer é que temos exemplos que dão razão aos dois lados. O Redd propicia a preservação das florestas naturais. Esse mecanismo possui benefícios incontestáveis, pois pode proteger fontes de biodiversidade, bacias que produzem água limpa e beleza natural que atrai turistas. Sem contar a capacidade de manter estoques de carbono.
DINHEIRO – Mas as metas de redução das taxas de emissão de gases não vai penalizar as nações emergentes. Afinal, ao contrário dos países ricos, essas nações pouco ou nada contribuíram para o aquecimento global.
WUNDER – O mecanismo Redd servirá de compensação em alguns casos. Defendo incentivos positivos como o pagamento por serviços ambientais, cujo desembolso seria feito por países ricos, beneficiando os emergentes e os pobres que preservam suas áreas verdes. Mas é uma ilusão acharmos que apenas com a atuação das nações desenvolvidas será possível atender às metas de redução das emissões. Se a China e a Índia não aderirem a acordos internacionais e continuarem poluindo cada vez mais, a conta não vai fechar. Será preciso, no futuro, traçar metas obrigatórias também para os países emergentes.
DINHEIRO – O sr. não inclui o Brasil nesta lista?
WUNDER – O País tem uma matriz energética limpa e isso representa uma enorme vantagem. Além disso, o Brasil reduziu suas taxas de desmatamento de forma voluntária, o que lhe garante um perfil diferenciado em relação aos demais emergentes.
DINHEIRO – O sr. acha que existem recursos suficientes para bancar um mundo mais verde?
WUNDER – Acredito que sim, no caso do carbono florestal. Mas isso vai depender dos desdobramentos da conferência de Copenhague e das mudanças estruturais que foram pactuadas neste encontro. A redução do desmatamento não é suficiente para evitar que os países ricos façam mudanças em sua estrutura energética e de transporte, por exemplo. O Redd funcionará como um bônus em opções para atacar um problema global gigante, não para absolver os países ricos de sacrifícios para pagar por seus pecados do passado.
DINHEIRO – Qual é o maior vilão do aquecimento global?
WUNDER – É impossível indicar um único culpado. Uma simples busca no site Google também gera um custo energético bastante alto. Eu acho que não se pode apontar o dedo e escolher um único vilão. Isso não nos levará a lugar algum. Mas é certo que teremos de mudar nosso estilo de vida, que hoje é baseado no elevado consumo de energia, para deter o aumento das temperaturas globais abaixo de 2 ºC, meta ambiciosa recomendada pelos cientistas como o patamar mínimo para evitar maiores riscos ao nosso planeta.
DINHEIRO – O sr. acha que é possível convencer o consumidor a pagar mais caro por produtos considerados sustentáveis?
WUNDER – Não. E isso vale também para os países ricos. Em algumas áreas, no entanto, os selos de certificação já se mostraram bem-sucedidos, mas de outro jeito. É o caso da madeira. A Dinamarca e outros governos europeus começaram a exigir que as compras para o setor público incluíssem apenas artigos feitos com madeira de origem certificada. Isso ampliou a viabilidade do processo, ao fechar paulatinamente o mercado para produtos sem certificação. Não são apenas as decisões dos consumidores individuais que irão mudar o sistema produtivo. Mas a certificação não vale, contudo, para países onde não existe uma consciência ambiental desenvolvida, como é o caso da China e da Índia.
Fonte: Revista Carta Capital


Sexta-feira, 4 de julho de 2025 | Porto Velho (RO)