Quinta-feira, 17 de março de 2011 - 17h04
![]() |
Pronto e animado para uma pauta de jornalismo ambiental, no meio da Floresta Amazônica, acabei surpreendido por um quebra-quebra em uma das maiores obras em andamento no país: a construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. E mais: eu era o único jornalista do país no olho do furacão.
Eu tinha passado o dia pra lá e pra cá, conhecendo a gigantesca obra. Eram umas 16h30min de terça-feira quando estava indo conhecer a Biofábrica, principal razão do voo de quase sete horas. O laboratório e as estufas são uma parceria entre um empresário de Santa Catarina e um pesquisador da UFSC. A inauguração estava marcada para esta quarta-feira, mas foi adiada por causa do quebra-quebra generalizado. Teve gente falando em “praça de guerra”.
Pedras interrompendo a passagem de carros. Cerca de 40 ônibus e cinco alojamentos incendiados. Clima de tensão, olhares de ameaça que vinham do lado de fora do vidro do carro. E, logo em seguida, a expressão de preocupação de responsáveis pela obra. E de trabalhadores também, que saíam com as malas nas costas, muitos sem saber para onde ir.
Começou com pouco. Vi um movimento estranho para o horário. Muitos ônibus saindo da rodoviária da usina, numa hora pouco usual. Alguns com malas, coisa incomum na terça-feira. Mas o negócio ficou estranho mesmo quando vi uma nuvem de fumaça escura saindo do chão. Estava distante coisa de dois, três quilômetros. Certo que era dentro da obra.
Perguntei, deram uma desculpa estranha, enquanto me tiravam meio às pressas do canteiro de obras. Depois entendi que era para a minha segurança. Havia suspeita de gente armada, carros de diretores sendo apedrejados. Em breve, saques e atos de vandalismo e até crueldade começariam.
Um dos momentos mais tensos foi este:
— Vocês têm meia hora pra dar uma resposta ao nosso pedido. Senão vamos seguir com a nossa missão.
Eram 22h quando um amotinado passou a mensagem por um rádio, roubado de um funcionário da Camargo Corrêa, empreiteira que toca a obra há cerca de dois anos. Ninguém explicou o que havia sido pedido. São cerca de 21 mil funcionários diretos trabalhando na construção da usina. A essa altura eu estava num vilarejo, recém-construído, onde serão realocadas as pessoas que serão atingidas pela barragem. Mas já há um restaurante e pequeno hotel para diretores e alguns engenheiros da empresa.
Minuto a minuto
No carro, eu gravava, anotava e organizava tudo que já tinha conseguido. Era quase um minuto a minuto do pandemônio armado no canteiro.
No cair da noite, duas grandes salas de televisão (para cerca de cem espectadores) já haviam sido destruídas pelo fogo. A farmácia também foi saqueada antes de ser quebrada, contaram funcionários que continuavam do lado de dentro.
Do meio do mato, escondida e apavorada, uma funcionária da empreiteira ligou para o irmão. Soluçava e sussurava.
— Queimaram tudo meu. A geladeira nova, minhas coisas, eu tô com a roupa do corpo, que é da empresa — disse ela, por telefone, a um irmão que estava perto da portaria principal. Muita gente dormiu no mato, em meio a cobras, aranhas e um calor que, à noite, beirava os 30ºC.
E não parava. Pelo rádio, um dos líderes do “protesto” avisava que a subestação seria atacada em breve . Um engenheiro falou, de outro aparelho:
— Não tem jeito de cortar a energia da obra.
— Então vem aqui na subestação pra ver se não tem jeito mesmo – respondeu a voz do amotinado.
A confusão teria começado por volta das 16h30min , após uma briga entre um funcionário e o motorista de um dos 200 ônibus internos, que atendem a obra. A sequência foi de destruição. Parte dos amotinados rendeu um motorista do barco da empreiteira e cruzaram os cerca de 800 metros até margem esquerda do rio, onde também estão ocorrendo obras de construção da barragem. A lanchonete foi destruída.
— Só sobraram cinzas, copiou? — disse um funcionário, pelo rádio.
Às 23h30min , pelo celular de um diretor, chegou a informação de que o caixa eletrônico havia sido arrombado com um maçarico. A quantia levada não foi informada. A Polícia Militar foi chamada. Quatro caminhonetes entraram no local por volta das 22h. A reportagem foi até a portaria principal da obra. Havia a informação de que 20 homens encapuzados estariam lá. Às 22h30min, as viaturas já tinham entrado.
Iluminadas por apenas dois postes e uma noite estrelada, estavam centenas de pessoas, com malas grandes, sentadas nos arredores da grande portaria. No breu da estrada de chão, mais trabalhadores, em grupos de quatro ou cinco, caminhava em direção à BR-364. Quando chegassem ao asfalto, eles estariam a 130 quilômetros do centro de Porto Velho. Em um posto de combustíveis distante cerca de 800 metros da estrada de acesso à obra, trabalhadores, também com malas, aguardavam ônibus da empresa, que costuma levar trabalhadores toda noite à cidade.
No hotel construído pela Camargo Corrêa em Mutum-Paraná, engenheiros e alguns coordenadores da obra reuniram-se no início da noite. Trocavam informações e estavam atentos às mensagens via rádio, que chegavam a todo instante. Também havia pressa para acomodar alguns encarregados de obra que ocupavam os alojamentos queimados. Alguns ficaram no pequeno hotel. Outros foram levados de carro até o Centro de Porto Velho.
Praça de Guerra
Na manhã encalorada da Amazônia, voltei ao local, lá pelas 8h30min desta quarta-feira. Continuava a ser o único jornalista a entrar. A luz do dia deu noção do caos. Parecia uma pequena praça de guerra. Por todo o caminho, havia pedras arrastadas para o meio da rua. Placas de sinalização foram arrancadas e destruídas. No caminho até os alojamentos, ônibus estavam atravessados na pista de terra.
Encontrei um dos alojamentos de peões e engenheiros, idêntico àquele em que eu tinha almoçado no dia anterior, completamente destruído. Deu para identificar os ferros de alguns bancos. Como as paredes eram de madeira, o fogo consumiu quase tudo.
Em conversas muito rápidas, era nítido o desamparo de trabalhadores até de cabelos brancos. De gente que passou a noite em claro, e que estava saindo de mala e cuia e sem fazer ideia de aonde ir. Mas também de gente olhando firme e dizendo baixo.
— Desliga essa câmera, irmão.
Contei três alojamentos que viraram cinzas. Mais tarde a empreiteira confirmaria cinco. Ônibus pelo caminho foram oito — de um total de 40 total ou parciamente destruídos. Um deles, sem nenhum vidro inteiro e todo apedrejado, era dirigido pelo motorista da empresa. Os coletivos, fiquei sabendo depois, também foram usados durante à noite. Pura arruaça, repetia a polícia, e trabalhadores também.
Até o meio-dia, praticamente ninguém trabalhou. Na portaria, chefes de setor de camisa social e botina tentavam convencer especialmente peões a não deixarem a obra .
— Você tem mulher, filhos, tem família para alimentar. Vai ficar tudo bem, vamos voltar ao trabalho.
Enquanto isso, mais caminhonetes das polícias Civil, Militar e até Federal entraram no canteiro. Um ônibus cheio de policiais também entrou. O clima ficou menos tenso. Mas, em meio a 20 mil pessoas, estava difícil identificar os líderes do quebra-quebra.
— Quando a viatura se aproxima, muitos vão pro alojamento. A gente pergunta, mas ninguém entrega. Todo mundo tem medo — disse um policial militar, na manhã desta quarta.
Com 140 policiais, situação fica mais calma
Só no meio da tarde, com cerca de 140 policiais lá dentro, a poeira baixou. Foram 31 pessoas presas. A essa altura, eu já estava enlouquecido, com um volume imenso de informações, até imagens, e sem internet e celular com cobertura na área – não dá pra esquecer, é no meio da Floresta Amazônica. E à tardinha começaram a pipocar aqueles números e informações que dimensionam o quebra-quebra, mas não retratam a tristeza e perplexidade de trabalhadores, engenheiros e até patrões, alguns acostumados a manifestações grevistas.
A Secretaria de Segurança Pública de Rondônia informou que 45 alojamentos foram queimados ou destruídos. O número informado pela Camargo Corrêa é bem menor: cinco. A secretaria e o o consórcio responsável pela obra, o ESBR (Energia Sustentável do Brasil), dizem que a manifestação foi um ato isolado de vandalismo e que não foram entregues reivindicações pelos trabalhadores.
O governo de Rondônia pedirá ao governo federal que a Força Nacional de Segurança seja enviada a Jirau.
As empresas que operam os ônibus do canteiro, porém, afirmam que havia uma insatisfação crônica com as condições de trabalho em Jirau e que os funcionários só aguardavam um "estopim'' para se manifestar. Entre os problemas, há o não pagamento de horas extras e o corte de bonificações. De fato, durante a visita, havia indignação de alguns trabalhadores.
— Isso aqui é quase escravidão — dizia o trabalhador, enquanto esperava a lancha da empresa para cruzar o rio, ainda na terça-feira.
O sindicato dos trabalhadores, que já organizou três paralisações da obra desde 2009, nega problemas. O consórcio nega que haja problemas nas condições de trabalho. Informalmente, há quem enxergue conexão entre o quebra-quebra e o tráfico de drogas, que é muito forte na região.
A área onde a hidrelétrica está sendo erguida fica a menos de 150 quilômetros de Guajará-Mirim, cidade boliviana. A cidade seria um ponto conhecido para entrada de drogas no Brasil. Também perto da obra, a cerca de 30 quilômetros, fica uma prisão federal. Ali estão detidos Marcinho VP, que comandou por anos o tráfico no Morro Dona Marta, no Rio, e Elias Maluco, acusado de mandar matar o jornalista Tim Lopes, também no Rio. É uma região de baixo desenvolvimento socieconômico.
Catarinenses no epicentro
O empresário e o pesquisador catarinenses, parceiros na Biofábrica, por pouco, não ficaram presos dentro do enorme canteiro de obras.
— Eu parei atrás de um ônibus, que foi parado por um pequeno grupo. Achei que era encrenca. Tentei sair, mas outro carro já estava colado bem atrás. Dei uma ré, cheguei a tocar no outro carro e acelerei. Tive medo que tentassem entrar no carro — contou Eduardo Peixoto, empresário que vive em Florianópolis e trabalha com recuperação de áreas degradadas em todo o país.
O professor da UFSC, Miguel Pedro Guerra, doutor em Botânica, também estava no carro.
— Fiquei preocupado. Era um tumulto, alguns pegando pedras no chão. Um cara bateu no vidro, queria entrar. Saímos o mais rápido que conseguimos — disse ele.
Guerra é o responsável pelo laboratório montado no meio da Amazônia. A biofábrica vai ajudar a recuperar as áreas degradadas para a construção do canteiro de obras. Para isso, foram colhidas sementes das espécies nativas do bioma amazônico antes de a obra começar. Agora está sendo feita a propagação em viveiro (mudas) e no laboratório (reprodução in vitro).
Um projeto paralelo é a reprodução in vitro de abacaxis e bananas. As mudas, com alta qualidade genética e sanitária, serão entregues a pequenos agricultores agroecológicos da região. O objetivo é, também, a melhora da condição socieconômica desses agricultores e evitar o desmatamento.
Fonte: Rodrigio Stupp/Agencia RBS
Duas unidades de conservação na Amazônia receberão investimentos da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária da Usina Hidrelétrica (UHE)
Teste de autorrestabelecimento é feito com sucesso na UHE Jirau
As Unidades Geradoras (UG) são desligadas para simular um apagão
SPIC - Chinesa tem pressa para comprar hidrelétrica Santo Antônio
As negociações duram mais de um ano, e agora a SPIC corre para concluir a transação antes da posse de Bolsonaro na Presidência
Mais de 940 mil m³ foram dragados do rio Madeira em 2018
O processo consiste em escavar o material que está obstruindo o canal de navegação e bombear o volume a pelo menos 250 m de distância desse canal.A