Depois de se tornarem sócios em Belo Monte, Odebrecht e Camargo Corrêa brigam pelo controle da Eletropaulo e mostram como são complexas as relações no mundo dos negócios
Maeli Prado
"Nunca tive inimigos com os quais não pudesse me reconciliar." A frase, cunhada pelo ex-presidente da República Getúlio Vargas, transformou-se numa pérola do pragmatismo político no Brasil. Na semana passada, uma notícia publicada pelos jornais revelou que esse conceito também permeia o mundo corporativo. Duas das maiores empreiteiras do País, Odebrecht e Camargo Corrêa, estariam dispostas a brigar pelo controle da AES Eletropaulo, maior distribuidora de energia elétrica do País, hoje
 |
VITOR HALLACK, DA CAMARGO CORRÊA, E MARCELO ODEBRECHT: às vezes rivalidades, às vezes parcerias |
nas mãos da americana AES. Até aí nada de mais, já que as duas companhias mantêm uma rivalidade histórica. O curioso é que uma semana antes, Odebrecht e Camargo Corrêa se uniriam para disputar a concorrência para construção e operação da usina de Belo Monte, no Pará. Não é só: menos de um ano atrás, as duas se engalfinharam numa briga que terminou nos tribunais, quando a Camargo Corrêa questionou a atuação da Odebrecht nas usinas do rio Madeira, outro complexo hidrelétrico no Norte do País. Enfim, um dia, as duas empresas são aliadas; no outro, são adversárias.
O vaivém em um intervalo tão estreito apenas evidencia uma tendência cada vez mais forte no mundo empresarial: não existe mais concorrência pura, nem parceria pura. Isso não é certo nem errado - trata-se apenas da lógica que rege o universo corporativo. Os exemplos se multiplicam. A Motorola baseia sua estratégia de atuação no mercado de celulares a partir do Android, o sistema operacional para telefonia móvel desenvolvido pelo Google. Mesmo assim, o Google lançou recentemente um aparelho com sua própria marca. Ou seja, Google e Motorola são, ao mesmo tempo, parceiros e concorrentes. No Brasil, as administradoras de shopping centers Multiplan e Brascam brigam pela preferência dos consumidores em diversas cidades, mas inauguraram juntas o shopping Vila Olímpia, em São Paulo, um empreendimento de R$ 230 milhões. Esse modelo de cooperação se tornou tão comum que dois professores americanos, Barry Nalebuff e Adam Brandenburger, cunharam uma expressão para defini-lo, a Co-opetição, mesmo título do livro escrito pela dupla de acadêmicos. Segundo essa teoria, a cooperação surge quando um objetivo comum se torna estrategicamente mais importante do que a concorrência para duas empresas. Mais: caso desprezem esse princípio, o crescimento de ambas pode ficar comprometido.
É o que move Odebrecht e Camargo Corrêa. Por trás das idas e vindas nessa relação está o forte interesse no setor elétrico, considerado estratégico pelas duas empreiteiras. "Belo Monte é uma obra gigantesca, que exige muito investimento", diz Walter De Vitto, analista de energia da consultoria Tendências. "As construtoras perceberam que, além de ganhar dinheiro na construção, ser dono de usina também significa grande rentabilidade. E a tendência é de tarifas mais altas daqui para a frente." A hidrelétrica, cujo início de operação está previsto para 2015, será a terceira maior do mundo e a segunda maior do Brasil e custará cerca de R$ 16 bilhões. O anúncio da parceria surpreendeu o mercado.
"Muita gente se espantou porque ambas tiveram um antagonismo fortíssimo no leilão da hidrelétrica do rio Madeira", afirma Roberto Brandão, analista do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico). "É uma questão pragmática. Empresário não fica muito tempo remoendo o passado", observa, bemhumorado. No caso da Eletropaulo, há até a possibilidade de uma saída salomônica. Isso porque a AES poderia vender também a geradora de energia AES Tietê. "Nesse caso, a Eletropaulo poderia ser negociada com a Camargo Corrêa e a AES Tietê com a Odebrecht. Isso seria muito bem visto pelo governo", afirma De Vitto. Enfim, no mundo dos negócios, não há inimigo que não possa se transformar num aliado.

Fonte: Revista ISTOÉ Dinheiro

Domingo, 6 de julho de 2025 | Porto Velho (RO)