Sábado, 16 de janeiro de 2010 - 15h28
Preço da energia tornou-se padrão de mercado após leilão da usina.
Qualificação de moradores é uma das marcas do empreendimento
Fábio Couto, da Agência CanalEnergia, de Porto Velho, Reportagem Especial
Ao arrematar a hidrelétrica de Santo Antônio (RO, 3.150 MW), em dezembro de 2007, o então consórcio Madeira Energia não só ganhou a concessão da usina como estabeleceu um novo parâmetro de preço da energia hídrica. Antes dela, as hidrelétricas que vinham contratando energia em leilões eram as usinas botox, que incluiam na tarifa o Uso do Bem Público. Além disso, a média de contratação dos leilões era acima de R$ 100 por MWh, mas a usina vendeu energia para o mercado regulado a R$ 78,90 por MWh. A curiosidade do setor era de saber qual foi o preço da parcela que havia ficado para o mercado livre, que equilibraria as contas e viabilizaria a hidrelétrica. Na segunda parte da Reportagem Especial sobre a implementação do complexo hidrelétrico de Jirau, a Agência CanalEnergia detalha a construção de Santo Antônio.
O Madeira Energia - que foi rebatizado para Santo Antônio Energia, ao se tornar uma sociedade de propósito específico - foi o protagonista de uma disputa: o resultado do leilão de Jirau (3.450 MW), arrematada pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil por um preço ainda menor (R$ 71,40 por MWh) - e que anunciou uma nova locação do empreendimento. Com isso, o patamar de preço da geração hídrica saiu do foco, mas a hidrelétrica ficou com a marca de mudar o paradigma de tarifas para o mercado regulado. A construção de Santo Antônio ficou a cargo de um consórcio formado pelas empresas Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Alstom Hydro Energia Brasil, Bardella, Areva T&D, Siemens, VA Tech Hydro Brasil e Voith Siemens Hydro Power Generation.
A usina projeta pagamento anual de R$ 77 milhões em royalties a Porto Velho e de R$ 50 milhões por ano no estado e à União, a título de impostos. Para a construção da usina, devem ser utilizadas 800 mil toneladas de cimento e 138 mil toneladas de ferro. O total utilizado corresponde a, respectivamente, 37 estádios do Maracanã e 18 Torres Eiffel. A estimativa é que até 12 mil funcionários diretos sejam contratados no pico da obra, em 2011, resultando numa folha de pagamento de aproximadamente R$ 13 milhões - o canteiro de obras hoje possui cerca de 7,5 mil pessoas.
O objetivo é que a usina inicie produção comercial da primeira das 44 turbinas bulbo em dezembro de 2011, um ano antes do previsto pelo cronograma original, estabelecido no leilão do empreendimento. Simões conta que a empresa ainda aguarda aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica do novo prazo de entrada em operação. A usina já havia obtido um adiantamento, que colocou como marco inicial maio de 2011. SantoAntônio está localizada a aproximadamente seis quilômetros de Porto Velho. Está com aproximadamente 15% das obras realizadas, segundo o presidente da sociedade de propósito específico Santo Antônio Energia, Roberto Simões, sendo que 13,5% na margem margem direita.
Igualmente grande, a usina demandou em um ano de implantação, uma frota de 167 caminhões basculantes, 20 caminhões do tipo fora de estrada, 47 escavadeiras, 29 guindastes e 14 lanchas "voadeiras", entre outros equipamentos. Uma curiosidade: a empresa possui três balsas para atravessar o rio Madeira - que possui cerca de 15 metros de profundidade, em média, e em alguns pontos, mais de 30 metros de largura.
Essas balsas, para transportar veículos e pessoas entre as margens do rio, foram construídas por um metalúrgico atingido pela hidrelétrica - ele possui um estaleiro na região e teve uma de suas propriedades na área da usina. Em um ano, foram escavados mais de 4 milhões de metros cúbicos de rocha e mais de 7,7 milhões de metros cúbicos de solo.
E para iniciar a obra, a empresa removeu 20 milhões de metros cúbicos de rocha e 32 milhões de metros cúbicos de terra. O canteiro já tem em funcionamento a chamada estrutura de apoio, com refeitórios, sanitários e ambulatório. Para alimentar um contingente elevado de profissionais, Simões conta que por mês são consumidos na obra 184 mil copos de leite, 800 mil xícaras de café, 57 mil quilos de arroz, 78.800 quilos de carne. Ele destaca ainda que um dos desafios do projeto, em especial para este ano, será garantir a viabilidade da implantação da linha de transmissão de interesse restrito. Para o executivo, uma das maiores questões será a manutenção do ritmo das obras conforme o cronograma de atividades. "Um dos nossos maiores desafios é manter sob controle as obras de implementação da usina, como por exemplo, deslanchar os 26 programas ambientais", disse Simões. O empreendimento, assim como Jirau, teve que assumir uma série de condicionantes - 13 ações voltadas para o meio socioeconômico, sete para o meio biótico e seis para o meio físico.
Segundo o gerente administrativo e financeiro do Consórcio Construtor Santo Antônio, Antonio Cardilli, a concessionária já contabilizou o resgate e devolução de 97,3 toneladas de peixes. Do mesmo modo, a empresa reproduz em um viveiro uma série de espécies que tiveram de ser retiradas da área da obra, principalmente orquídeas, bromélias e samambaias. Do mesmo modo, acontece com sementes em fase de germinação, que terão como destino a recuperação de áreas degradadas por conta da extração ilegal de madeira ou queimadas, comuns na região Amazônica.
Entre as ações socioambientais da usina está o Programa de Qualificação Profissional
Continuada Acreditar, de capacitação e qualificação profissional desenvolvido pela Odebrecht em parceria com o Senai e que já conta com inscrição de 40 mil pessoas. Cardilli, que é um dos idealizadores do projeto de qualificação, conta que o programa teve início durante o processo de audiências públicas para o processo de licenciamento das usinas - Furnas e Odebrecht fizeram os estudos ambientais do complexo hidrelétrico do Rio Madeira. "Naquela ocasião, uma coisa que chamou a minha ocasião era a demanda da população. Como é que a gente vai fazer para executar essa obra?", comentou. Cardilli ressaltou que o projeto foi estruturado completamente na Odebrecht e implementado quando a empresa - dentro do consórcio Madeira Energia - arrematou a usina. O prograna Acreditar, que demandou R$ 8 milhões em investimentos e pode chegar a um orçamento de R$ 13 milhões, tem mais de 33 mil pessoas inscritas para participar dos 16 cursos preparatórios. As metas de qualficação de mão de obra local qualificadas, conta Cardilli, foram superadas. "Após pesquisas, concluímos que teríamos 30% de pessoas daqui e o restante atendido com mão de obra de fora. Com o programa, o plano era de qualificar 70% da população local e trazer 30% das pessoas de fora, o que minimizaria muito o impacto. Para nossa surpresa hoje, cerca de 85% do efetivo é de pessoas daqui, muito acimada nossa meta inicial, que já era muito arrojada", comentou.
Os cursos de qualificação são divididos em dois módulos, conta Cardilli, No primeiro módulo, de 32 horas, os alunos têm aulas em que recebem noções básicas de saúde, segurança do trabalho, meio ambiente, qualidade e psicologia do trabalho. Já o segundo módulo é voltado para conteúdo técnico, com carga horária de 32 horas até 220 horas, dependendo da qualificação pretendida, entre os cursos de formação de pedreiro, armador, soldador, carpinteiro, vibradorista, mecânicos de equipamentos leves e de pesados, eletricistas (para corrente alternada e contínua), operadores de carregadeira, motoristas de caminhões fora de estrada e basculantes, operadores de escavadeira hidráulica, de motoniveladora e de tratores de esteira. 18 mil pessoas foram formadas pelo projeto - elas não são obrigadas a trabalhar para a Odebrecht e os cursos são gratuitos, conta Cardilli, acrescentando que o programa Acreditar está sendo aplicado em outros estados, como Minas Gerais e Pernambuco, e em outros países, como Venezuela, Angola e Líbia.
Passada a disputa por Jirau, Santo Antônio Energia e a Energia Sustentável do Brasil desenvolvem ações socioambientais conjuntas, como o de controle da malária - pois a região possui índices endêmicos. As medidas incluem ações de educação e prevenção da doença em Jacy-Paraná e Joana D'Arc. O controle vetorial da malária inclui a aquisição e instalação de 14.651 mosquiteiros de alta tecnologia, todos impregnados com inseticida e a doação de equipamentos à Secretaria Municipal de Saúde, além da contratação de pessoal para serviço de borrifação residual nas residências. Só Santo Antônio Energia possui projetados investimentos em ações de combate à doença da ordem de R$ 12 milhões. Assim como previsto para Jirau, Santo Antônio também terá a restauração de um trecho da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Neste caso, de cinco quilômetros, que será utilizado para fins turísticos, com capacitação de ex-trabalhadores da antiga estrada de ferro para atuarem como agentes turísticos.
No caso de Santo Antônio, as comunidades Vila de Teotônio, São Domingos, Trata Sério, Ilha Guilherme, Cachoeira dos Macacos, Porto Seguro Ribeirinho e Jatuarana serão reassentados ao longo de 2010 para áreas como a Nova Vila Teotônio. Nelas serão construídas casas pré-moldadas, semelhantes às que foram encomendadas para o Polo Industrial de Porto Velho. As famílias que lá residem fazem parte do total de 1,2 mil famílias que deverão ser realocadas, comenta Simões. Já foram realocadas 40 famílias da vilas Engenho Velho e São Domingos que habitava as margens do rio, onde se localiza o canteiro de obras, além de moradores das Ilhas do Piquenique e do Presídio.
Na Vila Teotônio, as casas de madeira abrigam moradores de uma colônia de pescadores
- que chegaram a abrir as portas para pessoas que fôssem participar de festivais de pesca na região. Hoje, porém, a pesca é proibida em algumas partes, risco de morte, devido à forte correnteza do rio.
Um dos pontos positivos da implementação de Santo Antônio está na perenidade da mão de obra qualificada. Para Cardilli, a realização do programa Acreditar ajudará Rondônia a sair do quadro de falta de pessoal qualificado para ser exportador de mão de obra. "Temos Belo Monte, temos a usina [binacional] de Guajará-Mirim, as usinas doPeru. Todas próximas", destacou Cardilli, acrescentando que o projeto Acreditar pode ser aplicado em Belo Monte, diante da mesma necessidade de mão de obra na região. Já o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia, Denis Roberto Baú, salienta que no Peru, estima-se a implementação de até 20 GW de usinas. Além disso, há a previsão de outros 4 mil MW das usinas restantes do complexo do Madeira - Guajará-Mirim, com 3.300 MW e Cachoeira Esperanza (700 MW, no lado boliviano).
Baú destaca ainda que os estudos iniciais da bacia do rio Teles Pires indicam um potencial de 21 GW de energia. Para o executivo, todo esse potencial pode ser atendido pela mão de obra gerada em Rondônia, a partir das usinas do Rio Madeira. A preocupação, segundo o diretor-superintendente do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Rondônia, Pedro Teixeira Chaves, é com o fim das obras. O Sebrae-RO, conta, está negociando incentivos estaduais e realizando programas de capacitação de empresas para atender às demandas da obra e a novos serviços que surgirão por conta da movimentação da economia do estado.
No caso da mão de obra, Cardilli ressalta que o plano de qualificar mais pessoas que o empreendimento exigirá também tem o viés de atender a outras empresas, menores, que eventualmente venham a precisar de mais profissionais. "Quando eu coloco mais funcionários no mercado, as empresas menores não vão bater na minha porta para 'roubar' meus funcionários", brincou.
Potência |
3.150 MW |
Nº Turbinas |
44 |
Reservatório |
271 km² |
Empregos Direto* |
12 mil |
Empregos Indiretos* |
35 mil |
Energia Firme |
2.140 MW |
Investimentos |
R$ 13,5 bilhões |
Nível de montante |
70 metros |
Nível de jusante |
52,73 metros |
Operação da 1ª turbina |
Dezembro/2011 |
Ações Socioambientais |
26 |
*no pico da obra |
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