Quarta-feira, 2 de julho de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Energia e Meio Ambiente - Internacional - Gente de Opinião
Energia e Meio Ambiente - Internacional

Governança de bens comuns na agricultura da Amazônia


A governança de bens comuns por atores locais pode ser bem sucedida, desde que as regras em uso sejam claramente estabelecidas. Esta afirmação resume uma das principais conclusões da análise de duas experiências de projetos de colonização na Amazônia, feita pelo pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, Mateus Batistella.

No estudo, foram demonstradas as diferenças de projetos de assentamento agrícola estabelecidos no início dos anos 1980 no Estado de Rondônia. Foram comparados os processos de implantação dos assentamentos Vale do Anari, estruturado de uma maneira mais convencional, e Machadinho d'Oeste, com arquitetura e desenho institucional diferenciados. A delimitação de reservas florestais, monitoradas por associações de seringueiros, além de condições melhores de acesso a bens e serviços, gerou resultados ecológicos positivos no caso de Machadinho d’Oeste.

O estudo foi tratado pela Revista Science em 2003, complementando o artigo The Struggle to Govern the Commons, que tem entre os autores a cientista política Elinor Ostrom, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia de 2009. O pesquisador da Embrapa conheceu Ostrom durante o doutorado em Ciência Ambiental, realizado na Universidade de Indiana (EUA), entre 1997 e 2001, iniciando um contato que deu origem a outros trabalhos.

O Nobel foi concedido justamente como reconhecimento pelo estudo de mecanismos de governança de bens comuns, como por exemplo as florestas e outros recursos naturais, desenvolvido por Elinor Ostrom desde a década de 70. Utilizando experiências de diferentes países, ela procura mostrar como grupos de cidadãos podem se organizar para proteger essas riquezas, com pouca ou nenhuma participação do governo e sem privatizações. Em entrevistas a veículos de imprensa nacionais, logo após o anúncio do Prêmio Nobel, Elinor Ostrom chegou a citar o estudo em Rondônia entre os exemplos brasileiros.

De acordo com o estudo da Embrapa, no Vale do Anari, cada assentado recebeu 50 ha de terra, dos quais 50%, em qualquer canto da propriedade, deveriam ter a floresta preservada. O restante da propriedade poderia ser usado para outras atividades, como a agropecuária. Em Machadinho d'Oeste, o desenho de estradas e lotes acompanharam a topografia da área. Era permitida a exploração agrícola em toda a extensão do lote, sem pressões ou restrições. E foram definidas, dentro do projeto, a criação de 16 reservas florestais, de diferentes tamanhos, compreendendo 33% do total da área do assentamento. A idéia foi preservar grandes áreas de florestas, com o mínimo de fragmentação.

Os seringueiros, estabelecidos há muito tempo nessa região, tornaram-se monitores dessas reservas. Planos de manejo foram criados, aprovados com a participação das associações de seringueiros, que podiam desenvolver suas atividades, inclusive com importantes incentivos para a proteção das reservas. O estabelecimento dessas reservas florestais em Machadinho rendeu bons resultados. Os estudos mostram que no estágio inicial de implantação dos dois assentamentos, ambos tinham percentagens similares de floresta e as taxas de desmatamento nas propriedades privadas eram também muito parecidas.

Como resultado, o desmatamento total na área do assentamento Vale do Anari foi muito maior. As reservas em Machadinho d’Oeste ajudaram a manter grandes áreas de cobertura florestal em todo o assentamento, ao contrário de pequenas e fragmentadas sobras de floresta, como no Vale do Anari e na maioria dos assentamentos amazônicos. O pesquisador Mateus Batistella explica que, além da arquitetura de implantação do assentamento ter sido diferente, o desenho institucional, caracterizado, entre outras coisas, por melhores condições de acesso e manutenção das estradas, centro urbano mais estruturado, com a presença de diversos serviços e instituições, como a própria Embrapa, também produziu resultados significativos no uso e cobertura das terras em Machadinho d’Oeste. “Lá, após vários anos de ocupação, encontra-se muito mais agricultura e sistemas agroflorestais do que em Anari, onde a pastagem é predominante”, destaca ele. Nesse caso, são questões de acesso, também avaliadas por Elinor Ostrom, que definem o sucesso do sistema produtivo. Há mais de 20 anos, a história de Machadinho d'Oeste, hoje um município, é tema de múltiplos estudos da Embrapa Monitoramento por Satélite. É lá também que a Embrapa Rondônia tem instalado um dos seus campos experimentais no Estado.

Prêmio Nobel

Quando foram anunciados pela Real Academia de Ciências da Suécia, em outubro, os nomes dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia de 2009, o destaque foi a escolha da primeira mulher para esta categoria - a cientista política norte-americana, da Universidade de Indiana, Elinor Ostrom, que dividiu o prêmio com o compatriota Oliver Williamson. Aluno de Ostrom, na disciplina Análise Institucional e Desenvolvimento, o pesquisador da Embrapa, Mateus Batistella, conta que, além de ótima profissional, a cientista é uma pessoa excepcional. “A melhor lição aprendida ao lado dela é aquela que se faz necessária para o sucesso de qualquer trabalho e de qualquer instituição: confiança e reciprocidade”, ressalta.

Elinor Ostrom dedicou-se a estudar as regras que contribuem para que um bem comum seja preservado, sem a necessidade de intervenções de um governo ou da privatização daquele bem ou riqueza. Essas regras seriam baseadas em oito princípios, relacionados, entre outras coisas, com a definição de limites e de responsabilidades. Antes da cientista, a crença era de que a riqueza comum seria destruída por usuários vorazes e irresponsáveis, o que chamavam de "tragédia dos comuns", idéia preconizada pelo biólogo americano Garret Hardin, em artigo publicado em 1968.

Segundo o pesquisador da Embrapa, o nome de Elinor Ostrom já vinha sendo cogitado há alguns anos para o Prêmio Nobel. “Ela trabalhou quatro décadas mostrando alternativas à 'tragédia dos comuns', atuando em diversas escalas e áreas, incluindo segurança, pesca, agricultura e florestas. A conjuntura de crise que vivemos a partir de 2008 atribuiu ainda mais valor a alternativas de governança que busquem sustentabilidade econômica, social e ambiental”, completa.

Recentemente, Batistella foi um dos tradutores do livro Ecossistemas Florestais: Interação Homem-Ambiente, organizado por Elinor Ostrom e outro pesquisador da Universidade de Indiana, Emílio Moran, publicado no Brasil no início do ano pela Editora Senac e Edusp. O livro relata os resultados de trabalhos do Center for the Study of Institutions, Population and Environmental Change, da Universidade de Indiana, onde o pesquisador brasileiro realizou diversos trabalhos.

Graziella Galinari - graziella@cnpm.embrapa.br
Embrapa Monitoramento por Satélite

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 2 de julho de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Energia Sustentável do Brasil assina termo de compromisso com ICMBio para investimento em unidades de conservação na Amazônia

Energia Sustentável do Brasil assina termo de compromisso com ICMBio para investimento em unidades de conservação na Amazônia

Duas unidades de conservação na Amazônia receberão investimentos da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária da Usina Hidrelétrica (UHE)

Teste de autorrestabelecimento é feito com sucesso na UHE Jirau

Teste de autorrestabelecimento é feito com sucesso na UHE Jirau

As Unidades Geradoras (UG) são desligadas para simular um apagão

SPIC - Chinesa tem pressa para comprar hidrelétrica Santo Antônio

SPIC - Chinesa tem pressa para comprar hidrelétrica Santo Antônio

As negociações duram mais de um ano, e agora a SPIC corre para concluir a transação antes da posse de Bolsonaro na Presidência

Mais de 940 mil m³ foram dragados do rio Madeira em 2018

Mais de 940 mil m³ foram dragados do rio Madeira em 2018

O processo consiste em escavar o material que está obstruindo o canal de navegação e bombear o volume a pelo menos 250 m de distância desse canal.A

Gente de Opinião Quarta-feira, 2 de julho de 2025 | Porto Velho (RO)