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Aliciamento associado à obra no Madeira ilude migrantes


 

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Por Bianca Pyl

Porto Velho (RO) - Artifício utilizado para atrair trabalhadores submetidos à escravidão rural, o aliciamento criminoso por meio de "gatos" - como são chamados os intermediadores na contratação de mão de obra -, em vez de regredir, vem se alastrando por novos "mercados".

 Repórter Brasil revela, nesta reportagem exclusiva sobre a situação verificada no entorno dos canteiros das obras para a construção das usinas hidrelétricas do Rio Madeira, que os "gatos" estão mais sofisticados: agem por meio de empresas formais subcontratadas presentes em diversos Estados, buscam driblar a legislação e emitem até boleto bancário (imagem abaixo) para receber taxas ilegais cobradas diretamente das vítimas.

 

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Até boletos bancários estão sendo utilizados para cobrar
vítimas de aliciamento (Foto: Bianca Pyl)

 

Multiplicam-se histórias de trabalhadores braçais migrantes - provenientes em especial de regiões pobres do Nordeste brasileiro - que se iludiram com a promessa de bons salários na construção civil e acabaram se deslocando para Rondônia. Pedro*, 32 anos, saiu de Santa Helena (MA) e, quando chegou no final de setembro para ajudar a erguer a hidrelétrica de Jirau, recebeu de um homem identificado como sendo irmão da aliciadora Maria Auxiliadora dos Santos Brito um boleto bancário da Caixa Econômica Federal no valor de R$   150, com vencimento para a data de 15 de outubro.

 "Eu não tinha dinheiro para pagar lá no Maranhão. Então, ela ficou com todos os meus dados e aceitou que eu pagasse aqui", conta Pedro. Com apenas dez dias de trabalho (mais exatamente em 4 de outubro deste ano), contudo, ele foi mandado embora antes mesmo da data limite para o pagamento do boleto, que ainda previa multa de 5% ao dia em caso de atraso. "Não trabalhei nem um mês e minha família precisa que eu mande dinheiro. Agora eu vou voltar, mas quase sem nada", lamentou o trabalhador na ocasião à reportagem, que também esteve em Rondônia no início do mês de outubro.

 O boleto recebido por Pedro está em nome de "M A dos Santos Brito e Cia Ltda. ME", de Sonora (MS). O nome fantasia desta é Atual Agenciamento de Empregos, que veicula inclusive anúncio na internet à procura de interessados. Por telefone, Francisco José Cavalcanti, que se apresentou como um dos donos da Atual, confirmou à Repórter Brasil que mantém contrato com a Consarg Construtura e Comércio Ltda., empresa com representação em São Paulo (SP), que, por sua vez, presta serviços em diversas obras sob responsabilidade da construtora Camargo Corrêa - que faz parte, juntamente com a francesa GDF Suez e as estatais Eletrosul e Companhia Hidro Elétrica do Sâo Francisco (Chesf), do consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), responsável pela construção da usina hidrelétrica de Jirau. Além da Consarg, Francisco admitiu que recruta pessoal para outras empresas que atuam nas usinas do Rio Madeira e solicitam o envio de trabalhadores.

 Mesmo com a cobrança materializada via boleto em papel, Francisco insiste em negar que a Atual tenha exigido taxas irregulares dos próprios candidatos. Todos os custos, reforça, ficariam por conta da empresa. "Nós já mandamos muitos trabalhadores para Jirau. A Consarg pede um número determinado e nós conseguimos. Temos um pessoal que vai aos municípios, principalmente no Nordeste, e contrata os trabalhadores", assume.

 Para atrair gente, os prepostos da Atual anunciam as vagas e prometem salários tentadores. "Como as cidades são muito pequenas, é só chegar em uma praça principal e dizer: ´tem trabalho em tal lugar, o salário é tanto, precisamos reunir tantos homens e o ônibus sairá em tal hora´. Não falha", acrescenta Francisco, de forma espantosamente franca e direta. "Nós já temos muitos contatos nestas cidades. Isso também ajuda".

 

Dívidas

 Há casos em que as vítimas de aliciamento fazem empréstimos para conseguir pagar a taxa cobrada pelos aliciadores e garantir uma vaga de trabalho. Leandro* emprestou R$   500 do cunhado. Deste total, R$   150 foi para o "gato" e o resto ficou na estrada por conta da alimentação durante os quatro dias de viagem de Fortuna (MA) até Porto Velho (RO). Ele decidiu tentar a sorte junto com outras 45 pessoas que saíram do mesmo município para trabalhar na usina de Jirau. Também não chegou a trabalhar nem um mês e foi despedido. "Agora eu volto e tenho uma dívida para pagar. Mas como vou alimentar a família e pagar meu cunhado?", indagou Leandro.

 Do mesmo grupo de Leandro, o soldador Fernando*, de apenas 22 anos e pai de uma menina, também pagou R$   150 para sair de Fortuna (MA) e assegurar um posto de emprego nas obras de Jirau.

 Lauro*, 24 anos, pagou mais caro ainda pelo "trabalho garantido" nos canteiros de Rondônia: R$   250. Ele saiu de Piracuruca (PI) em um ônibus lotado de pessoas que também seriam contratadas pela Consarg. Lauro trabalhou apenas por um mês e 11 dias nas obras de Jirau. "Não dá pra sair de tão longe pra voltar pra casa com tão pouco dinheiro".

 O paraense João*, de 45 anos, também pagou R$   150 para um intermediário. Só de Tucuruí (PA) vieram três coletivos lotados de pessoas que chegaram em 31 de agosto com o intuito de laborar nas obras. "Todo mundo no ônibus pagou porque o serviço era garantido. Nós pagamos também a comida na estrada", contou à Repórter Brasil.

 Após os exames admissionais, a CTPS de João foi assinada pela Consarg em 10 de setembro. Contudo, João só trabalhou por míseros seis dias como armador na obra de Jirau sob coordenação da Camargo Corrêa e foi demitido sem justa causa. "É frustrante deixar a família pra vir pra cá pra trabalhar quatro meses e ficar 40 dias sendo enrolado", lamentou João, pai de quatro filhos que, espera ele, não tenham de viajar para trabalhar. "Desde os meus 18 anos, trabalho na construção e na minha cidade não tem trabalho. Toda vida eu viajei para trabalhar", contou o operário de 45 anos, 27 deles dedicados às obras dentro e fora do país. "Até no Suriname já trabalhei".

 Para Juscelino Durgo, auditor fiscal que coordena as fiscalizações de trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia (SRTE/RO), o aliciamento ainda é um problema nas grandes obras de Jirau e Santo Antônio. "Continuamos a receber denúncias que relatam o mesmo esquema desde o início das obras. Em relação ao aliciamento, nada mudou, principalmente em Jirau", asseverou.

 Trabalhadores chegam da Bahia, Piauí, Mato Grosso, Sergipe, Pará, Amazonas e Maranhão. "Eles são iludidos com promessas de bons salários. Fazem empréstimos com parentes e até com agiotas para pagar os aliciadores e, quando chegam aqui, trabalham por pouco tempo e recebem bem menos do que a quantia prometida", relata Juscelino.

Clique AQUI e leia reportagem completa do CIMI

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