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Cultura

Rouanet sob convite: a cultura precisa mais que aprovações


Por Vanessa Pires - CEO da Brada - Gente de Opinião
Por Vanessa Pires - CEO da Brada

Nesta semana, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) aprovou 173 projetos culturais via Lei Rouanet, autorizando a captação de R$ 364,9 milhões em incentivos fiscais. A notícia merece aplausos, esse montante, somado à diversidade de iniciativas contempladas, revela que ainda há espaço para a cultura respirar, se expressar e transformar. Do restauro de patrimônios históricos às ações em comunidades quilombolas, de festivais a turnês musicais, passando por hospitais e projetos de memória, a aprovação mostra a vitalidade de um país que insiste em produzir cultura, mesmo em meio às adversidades. Mas é preciso que esse aplauso seja contido, porque os números também provocam reflexões urgentes sobre o que a Lei Rouanet representa, seus limites estruturais e sua real capacidade de gerar justiça cultural.

Incentivar cultura via renúncia fiscal significa permitir que empresas e indivíduos destinem parte do que deixariam de pagar em impostos para financiar arte, memória, lutas sociais e expressão estética. É uma política pública indireta, que oferece estímulo e reconhecimento, mas que não garante impacto equitativo nem continuidade. Projetos como a restauração do Theatro Municipal de São Paulo ou o “Encontro com Palmares”, em comunidades quilombolas, são exemplos da potência de iniciativas que podem reparar, celebrar e dar voz a histórias coletivas. No entanto, é inegável que a estrutura da lei ainda privilegia projetos grandes e articulados, geralmente concentrados em capitais ou regiões com tradição cultural, enquanto iniciativas periféricas, comunitárias, indígenas ou quilombolas enfrentam obstáculos quase intransponíveis para captar recursos, ainda que sejam aprovadas.

A desigualdade é o pano de fundo dessa política: muitos bons projetos são barrados não por falta de mérito, mas por não atender exigências formais ou por não ter suporte institucional. A itinerância da CNIC, que já percorreu cidades como Brasília, Recife e Belém e terá nova edição em Florianópolis, é um movimento importante de descentralização, mas ainda insuficiente diante da necessidade de levar cultura ao interior, às periferias e às fronteiras sociais do país. Aprovar 173 projetos é um passo; garantir que eles tenham acompanhamento, transparência e continuidade é o verdadeiro desafio.

A Lei Rouanet precisa ser entendida não apenas como mecanismo de financiamento, mas como ferramenta de escolha coletiva: o que queremos preservar? Que histórias queremos contar? Quem pode ocupar o espaço público da cultura? A restauração da Biblioteca Rio-Grandense, por exemplo, após as enchentes, representa mais do que um ato técnico: é a afirmação de que memória, acervo e patrimônio importam, mesmo quando estão fora dos holofotes. O mesmo vale para um musical sobre os Paralamas, para oficinas em hospitais ou para peças teatrais contemporâneas: não se trata apenas de entretenimento, mas de educação, emoção e pertencimento.

Celebrar os R$ 364,9 milhões autorizados é justo, porque a cultura ainda pulsa e encontra meios de existir, mas celebrar não pode significar acomodação. A Rouanet é poderosa, mas insuficiente se isolada. O Brasil precisa reforçar vínculos entre cultura, cidadania e políticas públicas estruturais, descentralizar os incentivos, simplificar processos e apoiar quem não tem voz nem rede. É necessário investir não apenas no que já tem visibilidade, mas também no que ainda precisa de espaço para existir. 

Cultura não é luxo, é necessidade, e o país merece mais do que aprovações: merece presença cultural em cada canto, dignidade simbólica para todos os povos e investimento que tenha memória, voz e futuro.

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