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Cabra marcado para morrer é um dos destaques da programação da 9ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul



Humberto Oliveira
 

De 24 a 27 de fevereiro, o auditório da Faculdade Uniron (Unidade Porto Velho Shopping) será palco para as exibições dos filmes e documentários da programação da 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul. As sessões começam a partir das 18h30 e após a exibição final de cada noite os temas abordados nas produções serão debatidos com a participação de convidados e do público. Quando assistimos pela primeira vez ou quando revemos Cabra Marcado para morrer – pois não é um filme para ser assistir apenas uma vez – nos remetemos a um período negro da nossa história.

Voltamos aos chamados “anos de chumbo” da atroz ditadura militar que se instalou, via golpe e não como revolução, como muitos ainda apregoam sem conhecimento ou por falta de visão mesmo, por 20 anos no país. A obra prima do cineasta e documentarista Eduardo Coutinho traduz muito bem o período e não pinta o cenário em meios tons, longe disso. Coutinho mete o dedo na ferida e de forma ousada, para época, simplesmente deixa que a câmera e os personagens reais contem sua história. Coutinho acabou pagando cara pela ousadia de mostrar a realidade e teve as filmagens interrompidas pela ação truculenta da ditadura militar.

Ditadura interrompe realização de Cabra Marcado para morrer

Em fevereiro de 1964, o cineasta iniciou a produção de Cabra Marcado Para Morrer, que contaria a história política do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. No entanto, com o golpe de 31 de março, as forças militares cercaram a locação no engenho da Galileia e interromperam as filmagens. Somente 17 anos depois, Eduardo Coutinho voltaria à região e reencontraria a viúva de João Pedro, Elisabeth Teixeira -- que até então vivia na clandestinidade - e muitos dos outros camponeses que haviam atuado no filme antes brutalmente interrompido.

Contexto histórico

As Ligas Camponesas vinham sendo criadas desde meados dos anos 50 com o objetivo de conscientizar e mobilizar o trabalhador rural na defesa da reforma agrária. Durante o governo de João Goulart (1961-64), o número dessas associações cresceu muito e, junto com elas, também se multiplicavam os sindicatos rurais. Os camponeses, organizados nessas ligas ou em sindicatos ganharam mais força política para exigir melhores condições de vida e de trabalho.

A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, após apenas sete meses de governo, abriu uma grave crise política, já que seu vice, João Goulart, não era aceito pela UDN e pelos militares, que o acusavam de promover agitação social e de ser simpático ao comunismo. Assim como esses setores eram contrários à posse de Jango, existiam outros que defendiam o cumprimento da Constituição, como o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

O impasse foi resolvido com a adoção do regime parlamentarista de governo, aprovado pelo Congresso. Com esse regime, Jango era apenas chefe de Estado, sendo que o poder efetivo de decisão estava nas mãos de um primeiro-ministro escolhido pelos deputados e senadores. Diante da crise econômica, o regime parlamentarista imposto pelos conservadores, se mostrava ineficiente, com a sucessão de vários primeiros-ministros, sem que a crise fosse atenuada. Esse cenário fortalecerá o restabelecimento do presidencialismo, conquistado através de um plebiscito em 6 de janeiro de 1963.

Reassumindo a plenitude de seus poderes, Jango lançou as reformas de base apoiadas por grupos nacionalistas e de esquerda.. Elas incluíam a reforma agrária, a reforma do sistema bancário, a reforma tributária e a reforma eleitoral. Muitos comícios foram organizados em apoio às reformas, destacando-se um comício-gigante realizado na Central do Brasil do Rio de Janeiro em 13 de março.

A mobilização popular nos comícios assustava as elites que, articuladas com as forças armadas e apoiadas pelos setores mais conservadores da Igreja desferiram um golpe de Estado em 31 de março de 1964. No dia seguinte, o controle dos militares sobre o país era total e, no dia 4, Goulart se auto exilou no Uruguai, sem impor qualquer resistência aos golpistas, temendo talvez o início de uma guerra civil no país. Iniciava-se assim um dos períodos mais obscuros da história do Brasil, com 21 anos de ditadura militar que promoveu uma violenta onda de repressão sobre os movimentos de oposição, além de ter gerado uma maior concentração de renda, agravando a questão social, produzindo mais fome e miséria. Os "anos de chumbo" da ditadura ocorreram após o AI5 (Ato Institucional número 5), no final do governo Costa e Silva (1968), estendendo-se por todo governo Médici (1969-1974).

Marco na carreira de Eduardo Coutinho

Cabra marcado para morrer, lançado em 1984, se tornaria um marco na história do cinema documental do Brasil. Arrebatou doze prêmios, apenas no exterior. Depois do sucesso de Cabra (1984), Coutinho só fez “filmezinhos”, escreveu o roteiro de filmes como Índia, a filha do sol (1982), de Fábio Barreto; Dona Flor e seus dois maridos (1976), Bruno Barreto; A Falecida, da peça de Nelson Rodrigues (1962), dirigido por Leon Hirszman; Lição de amor (1975), de Eduardo Escorel; ABC do Amor (1966), dentre outros. Voltou à glória com Santo Forte (1999) e, em menor escala, com Babilônia 2000. Ao sucesso de Edifício Master (2002) seguiu-se O Fim e o Princípio (2005). No brilhante Moscou (2009), filmou ensaios de uma peça, e mirou sua câmera em As Canções (2011) em anônimos que cantam — sem motivo nem causa.

Trajetória

Um dos maiores cineastas do país, Eduardo Coutinho se interessou por cinema ainda na década de 1950, quando era estudante de Direito. Formado em direção no IDHEC, na França, participou ativamente do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE), onde se aproximou de Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman. Em 1962, apoiado pelo CPC, começou a desenvolver Cabra Marcado Para Morrer, inicialmente pensado como uma reconstituição do assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira.

Com o golpe de 1964 as filmagens foram bruscamente interrompidas pelos militares e o trabalho seria retomado apenas em 1980. Finalmente lançado em 1984, o filme foi premiado no Festival de Berlim e é considerado um dos marcos do cinema brasileiro e a grande obra do diretor. Sua carreira parecia seguir o caminho da ficção - O Homem que Comprou o Mundo (1968), Faustão (1971) -, mas em 1975 o cineasta passou a fazer parte da equipe do jornalístico Globo Repórter, da Rede Globo e cruzou o país registrando histórias em 16 mm. Nascia ali o documentarista Coutinho.

Após dez anos de televisão, abraçou de vez o cinema documental, inovando ao adotar o vídeo e não a película. Passou uns dias no Morro Santa Marta, na zona sul carioca - Santa Marta: Duas Semanas no Morro (1987) -, acompanhou a rotina dos catadores de um lixão em São Gonçalo - Boca de Lixo (1993) -, investigou diversas formas de fé - Santo Forte (1999) - e registrou os preparativos para o ano 2000 em uma favela - Babilônia 2000 (2000).

O cinema de Coutinho sempre foi caracterizado pela entrevista. E Edifício Master (2002), título mais popular de sua filmografia, não foge à regra. A equipe morou por um tempo no edifício, em Copacabana, e fez extensas entrevistas com as centenas de moradores, possibilitando que o diretor escolhesse os melhores personagens e só então entrasse em ação. O longa colecionou prêmios nos Festivais do Rio, São Paulo, Gramado e Havana.

O cineasta produziu intensamente durante a última década de sua vida. Voltou-se para a política em Peões (2004) - premiado no Festival de Brasília -, confundiu o público usando a encenação de um elenco misto de atrizes e não atrizes em Jogo de Cena (2007), atacou a programação televisiva no pouco visto e polêmico Um Dia na Vida (2010) e ouviu o canto sentimental de voluntários em As Canções (2011). Em 2013 recebeu convite para fazer parte da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, foi homenageado com uma retrospectiva na Mostra de Cinema de São Paulo e experimentou a incomum posição de entrevistado em Eduardo Coutinho, 7 de Outubro (2013).

Eduardo Coutinho faleceu aos 80 anos, em casa, assassinado a facadas pelo próprio filho.

Serviço:

Cabra Marcado para morrer (Brasil, 1984) Roteiro e direção de Eduardo Coutinho. Elenco: Elisabeth Teixeira e família, João Virgínio da Silva e os habitantes de Galileia (Pernambuco). Narração de Ferreira Gullar, Tite Lemos e Eduardo Coutinho. 120 min. O filme será exibido dia 25/02, quarta-feira, às 18h30, no auditório da Uniron (Shopping). Entrada franca.

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