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Vinício Carrilho

Trabalho escravo


Trabalho escravo - Gente de Opinião

Já se viu muita notoriedade nesse país, mas, até o presente momento, desconheço alguém que tenha gravado – fractalizado – sua opinião a favor do escravismo. Há, é certo, um precedente do dirigente máximo da CIESP propondo comer com uma mão e operar a máquina com a outra, bem como regular o horário de almoço em 30 minutos.

Mesmo que seja um marco regressivo no processo civilizatório que se apossou do país, entre 2013-2019, penso que a CIESP é inferior à proposta da jornalista Nathalia Arcuri – youtuber financista dona do canal “Me Poupe” –, quando defendeu o trabalho grauito aos desempregados.

Diz, claramente, a dominadora (abres aspas, fecha aspas): “Você vai ligar para o seu amigo, sua amiga, uma empresa que você conhece aí perto de você e vai se oferecer para trabalhar nestas quatro horas de graça”.

A sugestão do trabalho gratuito (não confundir com voluntário), quando se presume a recompensa de um mimo qualquer – seja uma camisa ou camisinha, a troca de um PF por outro favor sexual ou o prêmio catado no resto no lixo, a roupa velha e furada, uma bituca de cigarro ou o maço inteiro –, não me permite pensar em nada decente.

Reforço a certeza de que o país perdeu o sentido do Belo, do Justo, do Bom, e também perderá as riquezas naturais, as reservas – ambientais, econômicas, morais, intelectuais –, o mínimo poder de representação e de negociação (legitimação), e altivez, que já teve.

Esqueci alguma coisa? Talvez a Casa Grande, o escravismo, a "jumentude brasileira", a idiocracia, o fascismo. Será?

Isto me reforça o peso de pensar que é muito mais grave esse “cio da cadela do fascismo” (Brecht), como uma cegueira pestilenta que nos açoita diuturnamente. Como uma asquerosa Cegueira da Peste Medieval.

Vale uma analogia para quem "acha" que podemos atropelar o Estado de Direito só um pouquinho, em nome de uma cura para a corrupção. Ei-la: imaginemos uma cidade atacada por uma moléstia grave. Sem cura definitiva, há um só tratamento temporário que alivia sintomas, enquanto ainda não se produza um remédio efetivo e uma vacina depois. O problema é a taxa de óbito elevada, porque não é a medicação específica. 

Nesta cidade há dois grupos: médicos de verdade e salvadores. Os médicos insistem em pesquisas, campanhas de conscientização, profilaxia dos bairros, seguros dos padrões científicos. Os salvadores querem isolar os doentes, sem comunicação, à espera de uma morte quase certa. 

Os médicos salvam muitos, são rigorosos e seguros dos limites colocados pelo juramento de Hipócrates. Os salvadores querem medidas rápidas, de baixo custo, e são seletivos ao prender sob a mínima suspeita de contágio. É assim que vejo o país: não tem fim a história do racial-fascismo. Vivemos um mix de Ensaio sobre a Cegueira  (Saramago) e A Peste  (Camus).

Por isso tudo, só tenho uma certeza na vida: “O único vermelho de que não gosto é o da conta bancária”. Certeza!! Vermelho é o sangue da vida. O resto é fantasia verde-amarela.

 

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)

Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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