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Vinício Carrilho

Soberania de Conquista



Quando se faz uma declaração com força de ato público, de autoridade representativa do Estado[1], não é, por óbvio, manifestação opinatória. Mas sim confissão de ato; neste caso, de crime de guerra. A declaração foi dada por um ex-ministro do premiê britânico Tony Blair, sobre o crime cometido na Guerra do Iraque.

A Guerra do Iraque responde pelo que se pode chamar de "soberania de conquista", no âmbito da Teoria Geral do Estado. Como as guerras de anexação são puníveis pelo Direito Internacional – motivando-se inclusive o Tribunal Penal Internacional –, inventa-se uma suposta ameaça externa para se justificar a conquista de outra soberania e a anexação de seu território.

Pode-se dizer que o precedente foi aberto com o desmembramento do México. Depois da Guerra do Iraque e do atentado do 11/09, nos EUA, criou-se a figura do “inimigo combatente”. Do Lobo Solitário às células terroristas, o alvo segue sendo o mesmo: o direito, a equidade, a democracia, a autonomia, a liberdade, a civilização.

No Iraque, viu-se um Caio Júlio César renovado (Bush e Blair) em tecnicalidades; mas, no fundo, é típico da barbárie. Na costa oeste, aprimora-se o juridicamente repressivo; na costa leste vão os mísseis.

Como o passado que não se cala, a modernidade é tardia. Custa a vir e, quando chega, revolta-se com atos e métodos pré-modernos. Resulta que a ditadura tem muitas faces, em tempos de paz ou de guerra declarada.

Na paz – que não se sustenta – são projetados os arquétipos da luta, da morte, da invasão do dia seguinte. No miolo da guerra, diz-se que foi para proteger a paz. Na paz, projeta-se o cesarismo regressivo – repressão interna – com projetos e mudanças interna corporis que sustentem e protejam o poder de exceção.

Na paz, a ditadura é voltada para dentro: a civilização que se defende começa aqui e agora! Na paz, ocorrente no cerne da entropia social, nem as imagens da mais óbvia e ululante realidade são capazes de impor o que é certo[2].

Na luta de classes que não se amordaça com leis, porque é um dado concreto, o que muda é a ideologia adotada que permite ver – com “julgamento de realidade” – ou cegar-se diante das obviedades: inerte ou refém do “julgamento de valor”.

Em todo caso, na ação guerreira propriamente dita, a guerra é levada para fora. Na manutenção ou na conquista de povos, culturas, territórios ou riquezas, a desculpa é sempre a mesma: o perigo que vem dos bárbaros. Vigora, então, o bonapartismo.

Contra os “bárbaros” – os que não se dobram e, como na Roma antiga, conheciam o lema de “Força e Honra!” – é aplicada a ditadura possível: interna ou externa, legal ou inconstitucional. Não importa muito, de fato, pois, admite-se abertamente, até popularmente, a forma-Estado própria da Ditadura Inconstitucional.

Em todo caso, com mais ou menos tecnicalidades, a Ditadura Inconstitucional que se impõe (na beira da soberania de conquista) é mais sofisticada, tem mecanismos do próprio direito que se voltam contra o direito mais elementar. O bom senso, por certo, é suprimido pelo descaramento do poder de exceção.

Ironicamente, para quem enxerga as ironias do realismo político-jurídico, orientado pela Ditadura Inconstitucional, esse mesmo descaramento leva ao seu desmascaramento. E assim, desmascarada, a realidade impõe sua visão.

Neste caso, o problema é que já não fomos capazes de (pre)ver a exceção ilegal no obscurecido passado/presente; e, no presente/futuro, a visão pode ser tão clara, com tanta luz, que levaria a nova incapacidade da antevisão necessária.

A cegueira que temos hoje é relativamente simples: há uma exceção legal (art. 137 da CF/88) e outra absurdamente ilegal e ilegítima: defenestrando-se direitos fundamentais.

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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