Quarta-feira, 27 de março de 2013 - 13h23
Quando vemos as filas de 20 quilômetros para embarcar e desembarcar mercadorias nos portos; quando os empregos mais técnicos estão sendo preenchidos por imigrantes europeus, fugidos da crise, porque sua educação mais refinada os coloca acima dos brasileiros; quando um ex-presidente viaja para a posse no Papa, com dinheiro das empreiteiras que tomam conta das obras públicas; só resta pensar no que não deu certo nas instituições públicas brasileiras.
Grandes temas e correlações institucionais, jurídicas, sistêmicas foram e são repassadas com o fim da organização pública. Os maiores clássicos da Ciência do Direito e da Teoria Geral do Estado apontavam, há dois séculos, que o Estado Moderno se define como organização política, ou seja, como organização da política para atender os interesses públicos. De tal modo que, todo Estado nacional que não se aplique à organização pública precisa de urgente transformação. Este é o caso do Brasil.
O publicista francês Carré de Malberg, em 1875, escrevia sobre a definição do direito público como sinônimo do direito do Estado. Como poder público organizado, trata-se de um dos elementos constitutivos do Estado, como sua essência. Trata-se, então, de assegurar uma organização da qual deriva o poder coercitivo e que permite à vontade geral assim constituída impor-se aos recalcitrantes como força irresistível.
Neste mesmo sentido, a Teoria da Pessoa Jurídica, já no medievalismo, foi concebida como uma ficção em virtude da qual as sociedades patrimoniais e o Estado, enquanto titulares de direitos e obrigações, mediante seu reconhecimento pelo direito positivo, atuavam em defesa de seus interesses como se fossem pessoas. Mesmo de ordem privatista, esta concepção foi a base da doutrina assertiva de que o Estado tem o direito de ser defendido contra os achaques. Na Grécia clássica, já nos alertava Marcel Prélot, em 1964, as funções públicas eram bem definidas como “Ta politica”: plural neutro de politikós, como as coisas políticas, cívicas, tudo que é inerente ao Estado, à Constituição, ao regime político, à República, à soberania.
Para o Estado contemporâneo – que é o Estado Moderno acrescido do Estado de Direito e da justificação do Poder Político –, alertava Charles E. Merrian, alguns valores conquistados pela Humanidade não podem ser subjugados pela política inescrupulosa: 1) A participação universal e progressiva nas conquistas da civilização; 2) A aceitação de uma base para a valorização dos serviços públicos; 3) um marco de seguridade, justiça e ordem dentro do qual tenham campo para atuar a iniciativa, a criação e a inteligência. Não se trata, pois, da definição otimista de que o Estado promove o Bem Comum, mas sim de assegurar que o Estado produza uma organização pública.
Neste afã de controlar, o Poder Político é tido mais como um instaurador de normas do que de leis, pois sua ação é mais eficaz quando suas intersecções formigam pelas relações sociais e políticas. A moderna Razão de Estado soa, portanto, como segurança coletiva às individualidades, à medida que centraliza o poder, especialmente como conduíte da capacidade soberana de normalização e normatização. Ou seja, não podemos normatizar o que não é normal, em nosso caso, o “jeitinho brasileiro” que nos desvia do interesse público. Diria que sem isso há uma crise de civilização; muito superior, portanto, a uma simples crise de legitimidade política. O que ainda confirma que a corrupção e o desvalor atribuído ao Estado brasileiro marcam a mais séria ameaça às nossas conquistas enquanto povo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia – UFRO. Pós-doutor em Educação e em Ciências Sociais; Bacharel em Ciências Sociais e em Direito.
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