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Vinício Carrilho

Princípios de Justiça


Em 2014 completamos 40 anos do Golpe Militar de 1964 e muitas e grandes lições foram-nos passadas por todos aqueles que se empenharam no combate aos crimes legitimados pelo Estado, com a retaguarda jurídica do famigerado AI-5 (Ato Institucional No 5). Uma dessas lições permite que vejamos atualmente, tanto quanto se via no passado, alguns limites e ausências do direito como instrumento de enfrentamento e de metamorfose da realidade global. Todo regime de exceção permite que se veja o direito para além do direito, ou seja, o direito como poder – mas, o poder nu, que se projeta diretamente das redes de comando e desmando. Não é incomum, portanto, que sob o manto do positivismo e do pragmatismo jurídico se escondam as mais graves e dilacerantes ações contra o direito e como mitigação violenta da Justiça Global. A soberania jurídica do Estado de Exceção está nas hostes do poder e não nos princípios gerais do direito. O positivismo jurídico sob o Estado de Exceção se assenta na falsa identificação da legitimidade à legalidade (como se toda lei ordenada pelo Estado, de cima para baixo, fosse obrigatoriamente legítima). O pragmatismo de exceção, por sua vez, condena na forma de crime de banimento e de ostracismo a investigação/ação do direito que não está a serviço do poder de exceção. Também aprendemos que um golpe no poder é sempre um golpe no direito (quando o poder é externalizado como antidireito: aquela forma jurídica que socorre à exceção e não à regra do próprio direito). Todo direito de exceção, como refém do poder, em outra dedução lógica, não pode servir à regra de que o direito concerne à Justiça, à retidão; toda exceção dirá que o direito tem exceções e que estas servem ao poder necessário à manutenção do direito. O que não se diz no regime de exceção, contudo, é que o que se define por direito, na verdade, é antidireito, ideologia, opressão social, clausura moral em que o direito se desvia do justo para atender aos princípios inerentes daqueles que se locupletam do poder estabelecido. O direito de exceção se baseia na ilusão de que o direito deriva do Estado e que esta seria a premissa do positivismo jurídico; independentemente se este Estado foi adornado por ato ilegal de obtenção do poder (após o golpe militar) ou se é referente a uma República Democrática (antes do golpe). Portanto, há muito poder para se investigar nas ranhuras do direito, bem como já se antecipa a conclusão de que não há direito que se aparte dos princípios gerais do direito e da Justiça.

Contra o golpe se legitima o direito à revolução, uma vez que o Estado de Exceção se volta contra o maior interesse social; contra a retórica do poder de exceção se legitima a ação contra a Razão de Estado. Afinal, não há razão de ser o Estado um subversor da ordem jurídico-social democrática e se o faz, destilando o fel do antidireito, novamente, legitima-se juridicamente o direito de ação contra todos os atos de poder oriundos do golpe político-jurídico. Desse modo, sob a égide da legitimidade moral, jurídica e social, resistir à opressão e ao golpe de 1964 não era somente parte do direito à revolução, mas acima de tudo um dever democrático de se abater todas as forças que, em nome do positivismo jurídico de exceção, impetravam ações vulgares de poder abusivo. Aprendemos com o direito que a civilização não se faz com arbítrio e violação da Justiça – não importa em nome de quê. Aprendemos com o direito que é uma obrigação moral (positivista) agir com intolerância diante de toda ameaça ou grave violação do direito (justo). O Estado de Exceção inverte a lógica jurídica (até mesmo porque se vende a ilusão negativa de que a exceção precisa virar regra); quando, em verdade, é nossa obrigação intelectual retomar o curso do raciocínio jurídico correto, apontado para o acerto. Aprendemos com o direito, por fim, que: “quem pode o mais, pode o menos” e que “a exceção desfaz a regra” (e nunca, em hipótese alguma, o contrário). A luta pelo direito é o aprendizado de que só há direito se e quando lutamos pela lógica da Justiça. O sonho do direito se alimenta da ilusão de que a Justiça se fará igual para todos (e mesmo que o direito trate os iguais, igualmente; os desiguais, desigualmente). Não há Justiça sem ilusão, até porque não há direito na desilusão. Não há força de convencimento maior do que na retórica jurídica contra os princípios da exceção. Todo dogmatismo de exceção deve ser repelido, bem como o positivismo e o pragmatismo ingênuos que ainda se mantiveram a partir de 1964 como legados de má-fé.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências e em Direito, é jornalista.

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