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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Princípio da Veracidade Republicana


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]

Aprende-se a política estudando e fazendo política, mas aprende-se a viver em coletividade, como parte de um concerto republicano, nutrindo valores e virtudes como honestidade, transparência, participação e responsabilidade política. Por isso, é preciso estudar para saber o que é a República. República é coisa pública (res publica).

República é uma forma de governo em que predominam certas características, como: direitos público-subjetivos; publicidade; responsabilidade; legitimidade; salus publica - saneamento da estrutura do Estado (contas públicas) implica em melhoria da saúde pública do Estado e do povo.

Assim, se a República parte da verdade, como chegar a consensos sobre “verdades” que sejam comuns e benéficas a todos e de domínio público?

Não há respostas prontas quanto aos meios para se chegar a isto, mas sem dúvida este deveria ser o nosso caminho: construir a República. De certo modo, seria preciso pensar em formas de tornar o direito mais republicano e menos capitalista e, de certo modo, desprivatizando-se a própria República, porque o direito está longe da Justiça e esta, por sua vez, está ainda mais distante da maioria do povo.

É certo que não há respostas formatadas, mas um “caminho” seria desenvolver e aprofundar o senso geral de que a educação pública deve conduzir à liberdade e autonomia política dos indivíduos, colaborando na sua formação enquanto sujeitos históricos (“responsáveis pelo mundo em que vivem”) e agentes políticos de transformação social (deste “mesmo mundo” em que se postam como seres ativos).

O como tem que ser visto pelo conjunto da sociedade, desde que o objetivo seja ter no direito um caminho para a Justiça em que se apoiaria esta República. Que seja um caminho de verdade, não um caminho de mentiras como foi até hoje a República Brasileira[2].

Por isso, é preciso pensar num princípio de verdade para a República, em que surja como um composto de valores: democracia; Federação; ética; Justiça; direito. Por isso, aRepública é o oposto da corrupção, porque a mentira abala a confiança do povo, nada lhe traz de benéfico. A história tem mostrado que não há democracia sem transparência e que, com alguma abertura, há um diagnóstico possível, ou seja, as políticas públicas passam a ser acompanhadas pela população. Em conseqüência, o que torna transparente a ação política ainda preserva o patrimônio público.

A mentira pública é uma doença que deve ser combatida a todo custo (não se trata apenas da mentira eleitoral), especialmente na forma da corrupção de valores e de sentidos (omissão) que acabam deturpados pela falta de verdade, de clareza, de direção. A mentira pública inverte a direção regular das coisas, deixa nublada a compreensão mediana dos fatos políticos mais relevantes. A escuridão da mentira pública só tende a obnubilar, a obliterar (escurecer e ofuscar) a compreensão real dos fatos, o que acirra e aprofunda a incidência de formas de dominação não-razoáveis (ilegais, ilegítimas). Por fim, se a República é a coisa de todos, mentir publicamente, politicamente, é como mentir para nós mesmos, e soa como distúrbio psicológico, uma esquizofrenia: como se o sujeito que conta mil mentiras acabasse por acreditar nelas.

A República é um ente moral, que deve ser construído a longo prazo, mobilizando as crenças e as utopias do povo: não é uma realidade pronta e acabada. Assim, se a República é uma construção coletiva que se faz no dia a dia, então, é preciso pensar numa educação moral, uma educação para o público, para que se pense publicamente — isto já seria revolucionário. Uma educação que combinasse ética mais democracia; uma educação que levasse à verdade.

A verdade liberta das trevas, traz luz ao senso comum, ilumina o caminho, as veredas, do ignorante (por isso é Iluminista). É uma verdade política, revolucionária e transformadora do status quo, das iniqüidades, das desigualdades e das injustiças. Portanto, dizer a verdade pública, não é uma virtude. Dizer a verdade e ser honesto não é uma virtude, porque é uma obrigação pública, um dever elementar: todos devem ser honestos com o que é público. A virtude é ocasional, opcional, quase uma característica individual; buscar a verdade é um dever republicano. Algumas virtudes, como a retórica, podem até ser trinadas na frente do espelho, por quem se aprimorar na mentira sem sorrir.

Neste sentido, a República, estaria muito mais de acordo com o Estado Jurídico[3]— um modelo contemporâneo representado, por sua vez, pela somatória entre Estado de Direito (império da lei – a impessoalidade: a letra fria da lei), democracia. A Justiça (a lei como mola propulsora da justiça material: tratar os iguais, igualmente; os desiguais, desigualmente) que se pretende na República é aquela em que o poder é o exercício de um equilíbrio social:

O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto [...] A partir do momento em que o grupo, do qual se originara o poder desde o começo (potestas in populo, sem um povo ou grupo não há poder), desaparece, “seu poder” também se esvanece [...] O vigor inequivocamente designa algo no singular, uma entidade individual; é a propriedade inerente a um objeto ou pessoa e pertence ao seu caráter, podendo provar-se a si mesmo na relação com outras coisas ou pessoas, mas sendo essencialmente diferente delas [...] É da natureza de um grupo e de seu poder voltar-se contra a independência, a propriedade do vigor individual (Arendt, 1994, pp. 36-37).

 

            Por isso, a República precisa dos princípios gerais do direito:honeste vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar ao próximo), suum cuique tribuere (dar a cada um o que lhe pertence). Estes que, no fundo, estão representados pelos atuais princípios da legalidade, da probidade e da igualdade.

Portanto, para a República, a verdade é um princípio de sucesso, de realização política, tal como o direito deve ser um caminho para a Justiça (e não sua negação, quando se vê no direito apenas o meio da coerção).

Para Hannah Arendt, uma filósofa perseguida pelo nazismo e radicada nos Estados Unidos, a violência é a antítese da política, e ocorre quando o contrato social e político foi partido e desfeito. Isto é, a política é um caminho que busca e prima pela liberdade, e sintetiza um projeto de organização social e política estabelecido de acordo com as regras democráticas, de maneira livre, ordenada e com a participação popular. O que, por sua vez, destaca que quando as regras democráticas são violadas e desrespeitadas o próprio contrato social e político deixa de existir. E aí se instaura a era da violência, e que, em outros termos, expressa a total incapacidade de diálogo e articulação entre interesses divergentes — prevalecendo, nesse caso, como todos sabemos, a lei do mais forte (a lei do cão)e não a dos mais justos[4].

Educação, liberdade, emancipação, autonomia, responsabilidade são, portanto, virtus, e exigem de nós uma atenção redobrada quanto aos princípios e “valores quanto aos meios”. Na República, o modus operandi é definidor, é basilar, como um princípio geral do “mundo da vida pública”.

 

Bibliografia

ARENDT, H. Sobre a violência. Rio de Janeiro : Relume-Dumará, 1994.



[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.

[2]Em outro contexto, analisamos mais detidamente a questão histórico-concreta do Estado de Direito no Brasil, em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6619&p=2.

[3]No sentido de um Estado de Direito justo e não apenas declarado formalmente pelo Estado ou por seus adjuntos e burocratas.

[4]. A forma extrema de poder é o Todos contra Um, a forma extrema da violência é o Um contra Todos [...] O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido [...] A partir do momento em que o grupo, do qual se originara o poder desde o começo (potestas in populo, sem um povo ou grupo não há poder), desaparece, ‘seu poder’ também se esvanece (Arendt, 1994, pp. 35-6 – grifos nossos).

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