Domingo, 22 de dezembro de 2013 - 12h22
Por que tamanha violência no país? Antigamente, na academia, estudava-se a violência urbana, dos crimes de latrocínio, roubo a bancos, tráfico e que tais. Para a violência rural – na verdade, violência no campo – reservava-se uma conotação mais ideológica. O que provocava a violência no campo era a concentração fundiária, as condições de trabalho análogas à escravidão, o coronelismo renitente. Hoje, há uma só violência, por todo o país. Não há área segura. Mata-se no campo para comprar uma pedra de crack, como se mata na cidade por alguns trocados. Com o mesmo requinte, brutalidade e banalidade. Mas, por quê?
As explicações são muitas e cada um tem sua teoria e pode tirar suas conclusões. Vou falar de duas matrizes superficiais do tema. Não vou fazer grandes considerações sobre a formação desequilibrada da sociedade brasileira, com a produção de niilismo, consumismo, egoísmo, fanatismo capitalista. Vou frisar nosso direito torto e a corrupção endêmica, fora de controle, que nos devoram como as pragas do antigo Egito fizeram com seus Faraós.
Como é possível que o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha de decidir habeas corpus – ordem de soltura motivada por prisão injusta, ilegal – em casos em que o(s) sujeito(s) tenha(m) furtado pasta de dente e chocolate? Sempre falo disso aos alunos, mas frise-se que se trata de furto de bem alimentício e não roubo (em que, geralmente, emprega-se meio de violência). Furtou-se chocolate para se alimentar, no primeiro caso. No segundo, outro indivíduo, furtou uma pasta de dente para a higiene elementar. Foi preciso que um juiz errasse absurdamente para prender alguém por furto de chocolate (um bem insignificante) e, mais grave, com a decisão mantida por um tribunal. Qualquer criança entende o que é alimento. Um pouco mais e o chocolate nos levará, outra vez, à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso não é direito.
A corrupção que assola os três poderes tem uma grandeza comparada ao Apocalipse, porque estamos condenados à perdição. Dez por cento do PIB, de tudo que se produz no país, é sonegado por grandes e pequenos capitalistas – seguindo a lógica do cada um que se lasque sozinho. É claro que essas mensagens e outras chegam aos sentidos de todos, honestos e bandidos. Aliás, os bandidos de colarinho branco é que comunicam aos demais o nível de desmando que se abateu sobre o Estado e a sociedade brasileira. Fora das exceções de honestidade e dos parvos, qualquer um pode formular a seguinte equação: se é possível desviar milhões de reais sem ser punido, por que diabos irei trabalhar por um salário mínimo?
Temos o cinismo de um direito que arrasta o julgamento do Mensalão por mais de um ano, sem julgar os mensalões de outros partidos, mas que prende em masmorras alguém por furto de chocolate e pasta de dente. E minha conclusão é bastante óbvia: o cinismo que se assenhoreou das relações humanas no Brasil – e que vem sendo alimentada a Pão de Ló e caviar há séculos – migrou para todas as instituições públicas. Começando pela política corrompida e que origina todo o direito, não poderíamos ter algo diferente dessa barbárie social. Somos todos bárbaros, cada um a seu modo; acabamos por cultivar um povo cordial (“homo cordialis”) e bárbaro.
Há dois anos, em Aracati/CE, todos sabiam e falavam de uma lista de pessoas marcadas para morrer – de fato, alguns foram mortos naquele mesmo ano. Há alguns dias, provavelmente estava na cozinha de casa, entraram armados na Lan House cheia de crianças; nunca imaginei algo assim na Avenida Santo Antônio, em Marília/SP, às cinco da tarde. Poucos dias depois, em Porto Velho/RO, ouve um tiroteio em frente ao shopping, com centenas, milhares de pessoas indo e vindo: um jornalista disse que viu três homens armados em uma magazine.
Anteontem, a violência era por pobreza extrema; hoje, é o alimento de todo santo dia do crime organizado e desorganizado. Talvez alimente ainda mais o crime desorganizado, porque o outro tipo não invade lojinhas de bairro – prefere caixas eletrônicos.
O Brasil lembra mesmo a Caixa de Pandora, com balas achadas e perdidas – e com o direito mais perdido do mundo civilizado. Mas, o que ou quem é mesmo civilizado?
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
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