Quinta-feira, 7 de janeiro de 2016 - 19h50
A política brasileira está sem substantivos. Em todos os níveis e esferas reina a adjetivação. A não ser pela estética do fascismo – manifestantes pedem a volta dos militares e apanham da PM –, só se ouve nas casas e nas ruas o mesmo timbre de lamento: safados, corruptos, vagabundos, golpistas, estelionatários, ladrões.
Se bem que, neste caso, ladrões e safados são tipos não-ideais de políticos, mas são reais. E realizam os sonhos de milhares/milhões de eleitores. Então, se a canalhice é o adjetivo – para muitos uma qualidade –, por sua vez, os canalhas de toda sorte política – ou azar – são os sujeitos. Porém, essa crise é global, mundial.
Em todo caso, o realismo político seria o plano substantivo por onde transitam as mazelas e a falta de esperança, sendo essa extremamente perigosa porque pode levar a um beco sem saídas: com a perda da sintaxe política (a relação lógica com o mundo dos homens e das coisas), o fascismo religioso e militar coloca pela frente apenas a redenção dos convertidos, ou seja, dos próprios fascistas.
O “bom fascista” quer nos fazer acreditar que somos “apolíticos”, como se o Homem prescindisse da política para ser o que é. Em outros termos, equivale a supor homens e mulheres sem inteligência, uma vez que é a relação política – impondo-nos restrições nos desejos e nos quereres – que aguça nossa capacidade de requerer com mais qualidade e assim superar os obstáculos.
E para completar o non sense geral, dos “sem-razão” que predominam no senso comum, ao misturar a política e “seus” políticos com o Político, banimos o espaço público de nossas referências. Neste caso, abdicamos da liberdade, dos direitos e das garantias mínimas do Estado de Direito.
De outro modo, quanto mais política fazemos, mais sociáveis e inteligentes nós somos. O contrário, o “não-querer a política”, induz a uma abstinência da razão. Se a política é emoção – concorda-se ou discorda-se –, o Político é razão, lógica, capacidade de articulação mental e societal. Somos feitos de “pura” política, para o bem e para o mal.
Pois, o Político é o palco da experimentação humana; é, para além do verbo da política – “roubam demais!” –, a inteligência social, a interação qualificada, a sociabilidade que se faz carne na cultura política. É o político que produz o ser sociável e inteligente, aquele que quer e requer; portanto o oposto do “robô alegre” do fascismo que se contenta com o consumo da política diária e mesquinha.
O Político vem de Polis – civilidade – e de convivialidade política, como constante troca de valores, oposição de interesses; ou, mais exatamente, argumentação com base na isegoria (discurso) e na isonomia (igualdade): não se faz política entre senhores e escravos. Assim, a política é resultado direto do nível de argumentação do Político na vida comum do homem médio.
Quanto mais denso o diálogo com o Político, com a essência humana, mais profundas e articuladas são as capacidades cognitivas, intelectuais, relacionais, do sujeito politizado. Como negação do Político, a crise na política se alimenta da perda de reflexão política, por medo ou desgosto.
O Político é a instância da efetivação do ser político como humano genérico, quer dizer, do Homem que é distinto dos demais animais pela capacidade de realização política. Quanto mais se confunde a política (rasteira, adjetivada pejorativamente) com o Político, menos nos reconhecemos como humanos dotados de capacidade política: consciência e vontade autônoma.
Quanto mais a política consome nossas ações e repulsas, menos nos percebemos como humanos. Quanto mais presentes os adjetivos da política – “indecentes” –, ao revés da condição humana ditada pelo Político, mais inumamos, mais aberrantes, primários, embrutecidos são os homens e mulheres do século XXI. Com a crise do Político, perde-se o humano que se faz na ação política.
Por outro lado, quanto mais atuante o Político, mais os sujeitos da política são conscientes da realidade e dos desafios políticos, ou seja, capazes de tomar a política para si (autarquia). Quanto mais viceja o Político – em que pesem as contradições do realismo político –, mais se evidencia o homem politizado.
O zoonpolitikón é o animal político que se reconhece e se (re)afirma no “pensar e fazer política”. A crise da política – aprofundada pelo fascismo no cotidiano do senso comum – nos conduz ao pior sentimento humano: a descrença, não só na política, mas, sobretudo, na capacidade humana de dirimir os maiores problemas políticos.
A crise da política, portanto, leva diretamente à crise do Político. A crise dos “desqualificados da política” impõe uma crise no interior de cada indivíduo e sujeito, que, em crise existencial/real, duvida cada vez mais de si mesmo.
Enfim, desse modo, é fácil o caminho político dos usurpadores, hipócritas, tiranos e mentirosos contumazes. O poder sem o Político – quer seja sem a adesão consciente, quer seja sem a manifestação do contrário (princípio do contraditório) – equivale ao poder dirigido pela máxima corrupção.
Neste caso, não se trata apenas da corrupção do erário, da República, mas acima de tudo a corrupção do sentido humano que só se faz enquanto tal no Político. A política pode ser a excrescência humana, mas o Político é nossa essência, é o que nos faz humanos pensantes e requerentes de um mundo melhor.
Por tudo isso, não podemos mais confundir as coisas, o político nojento não pode “acabar” com o Político. O poder de alguns, por mais nefastos e diminutos moralmente que possam ser, não terá a grandeza de aniquilar o Político.
Nenhum político pode receber a chancela para questionar e subjugar o Político. No entanto, a crise global da política põe em xeque nossa condição humana e política. Esse é o nosso desafio, no Brasil e no mundo: ao salvar o político que há em cada um de nós, salvaremos o Político, salvaremos a Humanidade dos políticos corruptos.
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