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Vinício Carrilho

O menino que matou os pais


            Se realmente foi o menino Marcelo, um adolescente de 13 anos, que matou seus pais, não será este o primeiro e nem o último caso. Começo a pensar que não foi ele, simplesmente porque a cena toda parece muito bem organizada, a história está muito bem encaixada. Minha avó dizia que “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Uma criança de 13 anos, por mais criminosa que pudesse ser, se fosse capaz de pensar como “matador de aluguel”, planejaria sozinho uma história de 12 horas, envolvendo mais cinco adultos, contando dois policiais muito experientes, sem ter um único deslize na articulação de tudo?

Está com cara de crime perfeito, coisa de filme de Hollywood, ou seja, de profissionais na arte do crime. E o mais óbvio e chocante, por que a polícia de São Paulo correu tanto, quase se esfalfou, para provar – antes mesmo da perícia – que foi o menino que matou seus pais, tia e avó? Em seguida ainda se mataria com um tiro de pistola .40 – uma arma pesada, grande e difícil de manejar. O que me incomoda mesmo é essa pressa das “autoridades” para descartar outras variáveis que não recaíssem sobre o menino do gatilho nervoso.

            Mas, vamos supor que tenha sido ele mesmo. Neste caso, não temos apenas homicídios, por mais cruéis que sejam, simplesmente porque neste caso temos um problema de gravíssima crise na Humanidade. Como querem muitos, vivemos em grave crise de civilização e isto quer dizer que os valores mais sagrados construídos pela civilização ocidental, judaico-cristã, estão descartados, foram corroídos pelo capital e substituídos por outros bem mais nefastos: egoísmo; niilismo, cinismo, utilitarismo.

            Se realmente foi o menino Marcelo que matou seus pais, além de se discutir se teve ou não um surto psicótico (e ao recobrar a consciência teria se matado), importa saber que infelizmente, daqui por diante, vamos ver muitos outros casos como esse. Isto já é uma realidade nos EUA, há muito tempo, porque é uma sociedade absurdamente competitiva e sem consideração pelo humano.

            É uma ironia que os criadores do constitucionalismo – em conjunção aos franceses –, da luta contra a escravidão e pela descolonização, que viram florescer os direitos humanos, tenham se esquecido de encontrar um lugar para o Outro na vida real do capitalismo. Enfim, este também foi o modelo copiado pelo Brasil. O que fazem de ruim ou de pior, nos EUA, sempre chega até o nosso país – talvez com incidência menor, mas sempre chega. Isto me lembra um desequilibrado que invadiu uma escola no Rio de Janeiro e fuzilou inúmeras crianças: uma realidade constante nos EUA.

Vivemos um tempo de extrema violência global, além de nossa própria guerra civil, em que a vida não vale um tostão furado. Tanto não vale nada que as pessoas atribuem mais valor (mais-valia) ao celular, ao tênis de marca, ao carro que impressiona amigos e mulheres e por isso se matam ou são mortos em roubos. Todos esses objetos têm mais valor e significado do que as pessoas que seus donos conhecem ou se relacionam. Vivemos como se fôssemos predadores, pessoas de rapina, à espera de um butim em que a dignidade do Outro será descarnada, como fazem os urubus.

Não penso nem nos games e nos jogos que praticam violência gratuita e cínica, em que se ganha pontos e bônus matando inocentes e indefesos. É uma leitura psicológica que precisa ser considerada, mas que resta diminuída diante do quadro geral, em que a Humanidade se revela pervertida pelos valores da acumulação e do non sense – em que a vida é uma paródia. Até porque a crueza do cinismo é tão corruptível que a imaginação embotada não consegue perceber as singelezas, as sutilezas, as metáforas que outrora nos transportavam a algum lugar aconchegante da consciência. Queria muito reviver o tempo da inocência, quando tinha apenas 13 anos e brincava de bandido e mocinho – quando se sabia quem era quem.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

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