Terça-feira, 11 de outubro de 2016 - 20h31
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
Jovanir Lopes Dettoni (Ms.)
Advogado e professor do Departamento de Ciências Jurídicas – UNIR/RO
As imagens abaixo foram fixadas pelas lentes de um juiz de direito. São reflexos do sistema prisional do país. Mas, mais do que isso, revelam a face mais obscura do poder de Estado que nos coloniza desde sempre.
As fotos revelam o que o poder pensa acerca da miséria humana e como trata o povo pobre, negro, desabastecido de esperança, incrédulo na justiça. Pessoas que, sem dúvida, mais dia, menos dia, serão desafetas do direito e da ética que os aprisionou nos confins das masmorras da civilização.

A imagem do não-ser, à espera do que não-fazer, sem-ter como ser-diferente.
A imagem de quem nunca-foi e, muito provavelmente, nunca-será.
“Hoje, estou contido. Mas, amanhã, estarei contigo” (diz um preso na CPI do sistema carcerário).
A imagem, no reflexo invertido, de quem somos do lado de fora.
A imagem do luxo de quem produz tanto “lixo” para os humanos.
A imagem dos “direitos dos humanos”, porque são incapazes de conhecer do direito.
A imagem de quem nunca saberá o que é direito, por mais que estude.
Porque é a imagem do direito que não se aprende em codificações, mas sim no senso de humanidade.
A imagem de que a luta pelo direito falhou por aqui, se é que houve um dia.
Porque a luta pelo direito é uma luta política que se faz no meio da luta de classes.
A imagem do direito, portanto, de quem sempre renegou a óbvia luta de classes, e agora estampada pelo próprio operador do Estado Penal.
A imagem do resto do humano que um dia entrou ali.
Ao contrário do que estampa a imprensa oficial – seja remunerada ou não –, não se trata de precariedade. O termo vazio, inodoro, insípido poderia revelar a situação da despensa caseira de milhões de brasileiros. E mesmo seriam teriam dignidade ao comer.
O discurso da precariedade de condições esconde, cinicamente, o crime sistêmico cometido contra o povo, pelo próprio Poder Público. Por isso, alguns juízes são tão severamente perseguidos por seu empregador. Porque dizem o que deve ser dito, sem chavões e acomodações do sistema desumano, impróprio para a sanidade de qualquer um – inclusive dos que lá trabalham.
Porém, para melhor entendermos a situação – numa análise sistêmica e global – precisamos responder algumas questões. Trata-se “do lide” do Estado Penal: O que é? Como é? Onde? Quem o manuseia? Quando se verifica?
O porquê disso tudo virá como impulso e consequência da realidade societal que nos massacra em casa e na rua. O porquê é conhecido, e por isso ficará como conclusão.
1. O que é o Estado Penal?
Conceitualmente, o Estado Penal é uma engrenagem político-institucional que faz do aprisionamento crescente (em massa) uma forma rentável, lucrativa, independente da capacidade de recuperação/ressocialização, ao próprio poder encarcerador.
Quanto mais presos forem feitos, em sociedade violentada e violenta do capital expiatório, mais rentável o negócio. Quanto menor a taxa de ressocialização – e que aciona a reincidência contumaz e progressiva –, mais lucrativo será o negócio do crime para o Poder Político gerido pelos interesses do capital hegemônico.
Na Ditadura Inconstitucional, o máximo do antidireito (Filho, ) vem com a presunção de culpa baseada na livre convicção do senso comum: “todos são culpados até prova em contrário”. (Mas, como, se não precisa de comprovação?). Como há Mal que não se acabe, o fim da humanização nao só é protagonizado institucionalmente[2] como é alimentado pelo institium do Estado Penal (Wacquant, 2003).
2. Como é ou como se operacionaliza o Estado Penal?
No geral, especialmente nos EUA, o sistema prisional tem intima ligação com o sistema produtivo. Esta engrenagem econômica, pena-produção, só é possível, obviamente, porque há um encarceramento em série, em escala, que oferta mão de obra em abundância. São aproximadamente cinco mil unidades prisionais e mais de 2,5 milhões de presos. A privatização da pena, portanto, é sua engrenagem.
No Brasil, o processo é um pouco diferente, ainda que caminhemos para a pauta da privatização também. Nosso foco permanece baseado na vingança pública, pois, em que pese ser tratado constitucionalmente como ressocialização, a pena de encarceramento, raramente, traz benefícios sociais. Além disso, é um sistema altamente seletivo, desagregador e racista. Nesta conta estão negros e pardos, todos pobres e analfabetos funcionais ou totalmente excluídos do mundo do trabalho. Ainda que a pena pudesse ressocializar, sem qualificação educacional ou técnica, quase nenhum dos apenados teria a sorte de encontrar emprego e colocação social. Basicamente por duas razões: desqualificação funcional; estigma de presidiário negro ou pardo, e pobre. Portanto, por aqui – ainda que nos EUA também –, verifica-se um forte conteúdo de classe social, de segregação racista e de exclusão da vida pública.
3. Onde se manifesta o Estado Penal?
Ao contrário de sistemas corretivos como da Holanda e de outros países nórdicos – que fecham presídios, por escassez de infratores –, tanto nos EUA, quanto entre nós, o sistema penal se aplica quase exclusivamente à pena retributiva. Quer dizer, de cunho punitiva: “olho por olho, dente por dente”. Na base da relação crime/castigo, forma-se um substrato social de puníveis que vieram diretamente da exclusão do mundo econômico e produtivo. Enquanto nos EUA é evidente o fenômeno da guetualização, estigmatização geográfica (antigos filhos do Harlem), por aqui as periferias, comunidades e favelas são depósitos humanos. Uma parte, sem dúvida não-majoritária, é formada de trabalhadores e de produtores de sua subsistência, mas a imensa maioria é tida como lumpemproletariado. Isto quer dizer que funcionam, sistemicamente, como fator de pressão social sobre a classe trabalhadora. Ao não se manterem, por si, como fragmento social ou fração de classe (dada sua proximidade com a classe trabalhadora), são reféns fáceis da criminalidade. Não importa muito a razão individual de cada escolha, o fato é que a condição de dejeto humano os impulsiona para o que se chamava antigamente – hipocritamente – de “fímbrias sociais”. São meros filamentos humanos de uma engrenagem que não precisa deles para se por em operação.
4. Quem manuseia o Estado Penal?
No Brasil, com o incremento dos chamados “crimes hediondos”, pode-se pensar que o Poder Público seja o fator protetivo de uma sociedade que clama por “ordem e lei”. Na verdade, basta uma verificação mais apurada para vermos que as votações dessas leis atentem aos interesses de determinados grupos, classes e setores sociais. Denominados de Grupos Hegemônicos de Poder, fazem-se representar por bancadas bem estabelecidas no Congresso Nacional. Por meio do grupo que se auto intitula de Bancada BBB, os segmentos sociais, econômicos, corporativos e culturais representativos da cultura proto-fascista – germinada pelo coronelismo, patrimonialismo, patriarcalismo – ecoam por meio da legislação regressiva e repressiva. Assim, o Estado Penal no Brasil atende pelo primitivismo penal.
5. Quando se verifica a instituição do Estado Penal?
Tradicionalmente, a partir da exemplificação estadunidense, o Estado Penal serve como aporte jurídico-penalista ao sistema econômico. Porém, por aqui, não tem apenas uma função social regulativa/punitiva ou de controle social. O Estado Penal funciona muito mais como mecanismo de controle/posse do poder estabelecido – quase como sesmarias políticas – e, desse modo, sua principal função é de forte estratificação e estagnação social. Como índice mais preciso desse fato/fator de exclusão/expurgo social, basta-nos verificar que a mobilidade social, granjeada pelo capitalismo hegemônico, nunca foi a mola propulsora de nossa sociedade. Por aqui, há um verdadeiro divórcio entre função social (trabalhar, gerar riqueza, no mote do liberalismo clássico) e status social: quando há crescente aproximação societal (pelos níveis educacionais formais, pela cultura da violência) entre a classe trabalhadora e o lumpemproletariado.
O porquê do Estado Penal
O porquê, se nos é forçoso encontrar apenas um, remete-nos à estrutura social excludente imposta pela sociedade patriarcal brasileira. Como condição social que tem um forte cunho racista, classista, misógino, elitista, o sistema prisional funciona como apartheid jurídico/judicial que impele as classes sociais indesejadas – e ainda que fundamentais à operacionalização econômica – para as masmorras da lei meramente repressiva. A “força de lei retributiva”, nos EUA, é uma senha produtiva; para nós, a “força de lei primitivista” é o santo graal do degredo social e humano. Nas condições de miséria humana em que nos encontramos, a única retribuição possível e esperada é o crescimento da desumanização, do embrutecimento e da cultura proto-fascista.
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