Segunda-feira, 16 de junho de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Natal


Além de presentes e das comidas de sempre, penso que o período pode favorecer o pensamento sobre algumas das questões mais importantes para a Humanidade. Para você ter uma ideia de que a tarefa não é tão simples como parece, faça um teste e pergunte a quem está do seu lado o que é a Humanidade: a resposta deve vir na linha de que se trata do conjunto de todas as pessoas. Essa resposta não serve. Serve para iniciar a conversa, pois basta perguntar o que realmente é do interesse geral ou o que é feito em nome de todos.

Pois é, os gregos antigos que nos revelaram a filosofia e o pensamento holístico separavam o mundo entre os próprios gregos e os bárbaros. Não foi a religião que inventou a Humanidade. Cristo em carne e osso pode ter pedido clemência para todos, mas sempre houve a oposição entre filisteus e hebreus – os escolhidos por Deus e os não-convertidos. Muitos séculos depois, os Cruzados católicos ainda tinham em sua mente os puros e os infiéis. E até hoje se pode ofender chamando alguém de filisteu. Na faculdade tive um professor que usava a expressão para se referir aos traidores.

Além disso, um corrupto daqueles que arrepiam só de ouvir o nome também pode se comprazer com esse tipo de resposta simplista. O sujeito enche a boca para dizer do todo, mas ele nem sonha com o alcance e significado. Não dá para falar do conjunto se você surrupia o dinheiro da República. Não há Humanidade sem a preservação da coisa pública, de todos. O pensamento burguês tradicional, desde o início da acumulação primitiva, via com naturalidade seus trabalhadores morrerem de estafa, exaustão, penúria. Como posso falar de Humanidade se exploro os próximos e os distantes desse modo? Será que hoje é tão diferente?

Do século XIX para cá, formou-se um pensamento crítico – dialético/materialista – em que novamente a Humanidade era apenas uma miríade. Não há um sentido comum possível, enquanto o mundo estiver repartido entre opressores e oprimidos. Não há Humanidade se a fortuna de alguns poucos deve-se à miséria de milhões. Aliás, nesta linha de pensamento nem se fala da história ou da própria Humanidade, pois as narrativas contadas pelos opressores é a história dos vencedores, ou seja, uma pré-história. A ideia comum que se tem hoje não retrata o pensamento humano, mas sim de um grupo, uma classe que se impõe às outras, como classe de opressores.

A Humanidade, portanto, só se formou como pensamento a partir do aprofundamento da própria República, como coisa de todos, com forte inspiração socialista – sem que se admitisse a separação entre fortes e fracos –, abolicionista (na Revolução Americana) e, sobretudo, quando os franceses conseguiram pensar o direito para além dos muros da razão do Estado Nacional. Quando isto tudo se fundiu num conjunto marcado por ideais e por ações transformistas, aí sim uma nova complexidade se formou. Esta ideia, aliás, que une Humanidade e complexidade dá conta da dimensão que temos aqui: a Humanidade é um complexo que se tece em conjunto. Esta noção poucas pessoas têm mesmo hoje em dia; no século XXI, marcado pelos direitos planetários, a maioria só consegue ver o norte para seu destino pessoal ou de grupo de referência.

Enfim, a Humanidade nasceu como referência global na Revolução Francesa, com os direitos humanos. Isto ainda equivale a dizer que lutar contra este ideal dos direitos humanos é tão insano quanto lutar contra a Humanidade. Certamente há culturas que se empenharam e se empenham nesta árdua tarefa, como Hitler e Pol Pot (no Camboja), mas é insana sua tarefa, uma vez que, em última instância, implica em combater o pouco que resta de humano no próprio combatente. Outra forma de se visualizar isto é pela história do direito: do menos para o mais, do uno para o coletivo, de poucos para todos, de baixo para cima, de dentro para fora, do simples ao complexo.

Acima de qualquer noção de cultura geral, o sentido de Humanidade é bastante preciso. Para saber o que uma pessoa pensa sobre a Humanidade, pergunte-lhe o que acha dos direitos humanos e aí terá sua resposta. Só a Humanidade conta com esta convergência. Para pensar em Humanidade, não há exceção. A Humanidade se fez socialista/comunista, republicana, iluminista/abolicionista, universalista, holística.

Natal - Gente de Opinião


Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 16 de junho de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Dia da Criança

Dia da Criança

Hoje não é Dia da Criança. Ou melhor, todo dia é dia da criança – e é nosso dever denunciar, lutar e combater o trabalho infantil.           Afinal

Forma-Estado na Constituição Federal de 1988

Forma-Estado na Constituição Federal de 1988

No texto, relacionamos algumas tipologias do Estado (Teoria Geral do Estado) com suas subsunções no Direito Constitucional brasileiro, especialmente

Educação Política

Educação Política

Em primeiro lugar, temos que verificar que sempre se trata de uma Autoeducação Política. Parte-se do entendimento de que sem a predisposição individ

O Livro Teorias do Estado: Estado Moderno e Estado Direito

O Livro Teorias do Estado: Estado Moderno e Estado Direito

A Teoria do Estado sob a Ótica da Teoria Política, do professor Vinício Carrilho Martinez - oferece uma leitura acessível e profunda na formação, es

Gente de Opinião Segunda-feira, 16 de junho de 2025 | Porto Velho (RO)