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Vinício Carrilho

Modelo (a)típico (i)legal


 
O título permite-nos visualizar quatro formulações político-jurídicas que estariam na base do Estado de Direito ocidental. Partindo-se de um pressuposto de Max Weber (1979) – modelo típico ideal – vemos quatro derivações válidas: modelo típico legal; modelo atípico ilegal; modelo atípico legal; modelo típico ilegal.

Por modelo típico ideal entenda-se o direito, a política, as ciências, as grandes construções humanas a partir do Poder Político: centralização do Estado. Sumariamente, esquece-se das imperfeições e variações históricas e culturais; busca-se um eixo, um tipo de núcleo duro, a permanência de determinadas categorias e cânones acordados e respeitados racionalmente.

O que seria, então, o modelo típico legal que sempre esteve presente no bojo da racionalidade jurídica fundante do Estado de Direito?

Pode-se pensar, inicialmente, na diretriz racional da legalidade/legitimidade. Porque se trata exatamente das tradições institucionais criadas desde o Direito Romano, e que se sedimentaram, por fim, como baluartes do Estado de Direito: o bom senso como fonte legítima do direito; separação dos poderes; o Império da Lei na forma do vigor previsível no efeito erga omnes (“contra todos”); equilíbrio e ponderação racional entre normas jurídicas e regras sociais, construindo-se uma sustentável proximidade entre cultura e direito. O que culminaria no mesmo bom senso atuante no Princípio da Razoabilidade.

O que seria, ao reverso disto, um modelo atípico ilegal?

A Ditadura Inconstitucional parece ser afeita a esses critérios. Vejamos: é atípica se comparada a outros tipos de Golpe de Estado: quartelada, Golpes Militares, Estado de Sítio. Será titpificada, por sua vez, se observarmos que sua gênese e os primeiros ensaios remontam a Honduras (2009) e ao Paraguai (2012).

Nosso modelo de Ditadura Inconstitucional será típico se vier a ser implementado, doravante, como modelo de racionalidade político-jurídica que instaure outras tomadas de poder com o indevido subterfúgio do direito democrático. O projeto-modelo do Estado de Emergência francês, igualmente de 2016, estaria por aqui.

Nossa Ditadura Inconstitucional, portanto, é ilegal no sentido de inconstitucional, uma vez que a Constituição Federal de 1988 sofreu de uma hermenêutica exorcista de seus principais apegos e nós democráticos.

Porém, além disso, como apontado, há outras duas variáveis: 1. O modelo atípico legal, por exemplo, pode ser apreciado no chamado Estado Legal e que adviria sobreposto à Revolução Francesa (Canotilho, s/d), numa tentativa de se popularizar o direito e preservar a República da embocadura do capital dominante à época; 2. Sob o efeito de um modelo típico ilegal, seguimos os passos das ditaduras tradicionais e as demais formas de Estado de Exceção verificadas: Estado Penal, Estado de não-Direito, soberania de conquista, Jus Puniendi Global.

A ditadura constitucional, presente na Alemanha Nazista, já traz outro mix de composição, uma vez que a Constituição de Weimar (1919) resguardava em seu seio o antidireito: pronto a ser usado em defesa da democracia, mas agindo primeiramente contra ela e seus defensores. Este modelo vigora na imensa maioria dos países que adotaram o direito constitucional ocidentalizado: vide os artigos 136 e 137 da CF/88.

Mas, a seguir o que vimos, será que o Estado de Direito sempre foi atípico e ilegal, sobretudo, pensando-se que serviu aos Césares e Bonapartes?

Caio Júlio César utilizou-se do denominado Senatus Consultum Ultimum – decisão com “força de lei” expedida pelo antigo Senado romano – para se defender de golpes de morte e contra-atacar com contragolpes ao poder que lhe era subtraído. Daí a derivação, atualização, do termo cesarismo por Antonio Grmasci (2000).

            O Golpe de Estado de 01/12/1851 levou Luís Bonaparte ao poder: na França, por longos 10 anos, atuou como Imperador. No mesmo período, outros dois autores analisaram o golpe, Proudhon e Victor Hugo: a respeito de quem formulou uma de suas principais sátiras, pois não se tratava de um herói, mas de uma farsa, como um “raio vindo do céu sem nuvens”. Assim, sob o espectro da luta de classes, Karl Marx (1978) retratou o bonapartismo como Golpe de Estado contra-revolucionário.

            Por fim, pode-se dizer que a Ditadura Inconstitucional, de 2016, incorpora efetivamente elementos dos quatro principais tipos e/ou modelos (a)típicos (i)legais.

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. Para a crítica da violência. IN : Escritos sobre mitos e linguagem. São Paulo : Editora 34, 2013.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa: Almedina, [s.d.]

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.

MARX, KARL. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

WEBER, MAX. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1979.

           

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor Ajunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

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