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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Hoje, estou contido; amanhã estarei contigo


Após uma trégua inusitada, autoridades políticas e policiais tiveram de reconhecer o óbvio – quando o crime organizado, como o de gangues, faz uma trégua é porque o Estado perdeu a guerra da repressão. Este é um caso típico de encaminhamento da violência na América Latina e que pode nos ensinar algo de bom. No entanto, é preciso de ação, e que sejam ações muito mais efetivas do que as bravatas que temos ouvido há décadas, séculos.

A trégua anunciada em El Salvador envolveu as duas gangues de rua mais violentas do Hemisfério Sul - Mara Salvatrucha e Barrio 18. O pacto foi firmado depois que o governo aceitou transferir 30 dos seus líderes para condições menos restritivas – com isso, apertaram as mãos em um pacto para acabar com os assassinatos em massa, reduzindo a guerra civil. O que aprendemos no exemplo é que o crime acaba quando os criminosos querem.

Hoje, estou contido; amanhã estarei contigo - Gente de Opinião
Edwin Leonel Hueso, da gangue Barrio 18. Neste caso, a foto fala por si. Alguém que está preso como líder da gangue, tatuado desse modo e que não venha da Indonésia, tem receio da violência? Irônico mesmo é que o preso tenha de ensinar o que é ressocialização aos especialistas em segurança pública.

Os dois grupos têm de 30 a 50 mil membros e armamentos que incluem rifles, metralhadoras, explosivos e granadas, são organizados como verdadeiros exércitos e têm utilizado seu poder para aterrorizar a população – já abalada, depois de ter sido vitimada por anos de outra guerra civil e total instabilidade social.

O país de 6 milhões de habitantes chegou a ter 14 homicídios por dia – hoje são seis; os sequestros caíram 50% e a extorsão diminuiu quase 10%, de acordo com dados do próprio governo. Em uma de suas ações, há dois anos, membros de gangues sequestraram e queimaram um ônibus cheio de passageiros. Vimos algo parecido no Brasil.

Em decorrência disso, os níveis de violência acabaram por fortalecer a necessidade do acordo de paz. Porém, lá como cá, os governos são inoperantes ou incompetentes. Como disse Ludwig Rivera, 28 anos, líder da gangue Bairro 18: "Não é que a trégua é fraca. Ela é forte, mas a falta de envolvimento das autoridades e do público poderia enfraquecê-la. Eles pensam que somos animais, mas nós temos direitos e estamos dando um passo, então eles devem dar um passo também".

O preso Ludwig Rivera pede às autoridades para ser tratado como ser humano, para quem sabe sair de lá como um ser humano e não como bicho feroz atrás de mais vingança. Há alguns anos, na CPI do sistema carcerário brasileiro, um preso reeducando disse aos parlamentares: “Hoje, estou contido; amanhã estarei contigo”.

Ou será que alguém defenderia a pena de morte para esses 100 mil infratores associados às gangues? E depois aplicariam outra dose de paredão aos criminosos já reclusos? É preciso lembrar que, no Brasil, depois do massacre do Carandiru, vimos o surgimento da mais organizada e famigerada facção criminosa, o PCC. Isto é, sempre que o Estado troca a inteligência pela truculência alguma de muito grave ocorre nas estruturas sociais.

O que os presos brasileiro e salvadorenho diziam sem meias palavras: se formos tratados com dignidade, enquanto estivermos presos, as possibilidades de tratar com respeito outras pessoas, quando formos soltos, logicamente que serão maiores. No direito internacional aplica-se o Princípio da Reciprocidade, no caso do preso, a advertência é para que observemos a simples lei de ação e reação.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo

Profª. Ms. Fátima Ferreira P. dos Santos
Centro Universitário/UNIVEM/Marilia-SP
Mestre em direito

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