Domingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Estado Policialesco


 

            A tortura policial no país é uma política de Estado[1].

Oficiais bem qualificados e de formação com base na concepção de direitos humanos sabem que a violência policial no país tem dois gargalos: seleção (recrutamento) e educação (treinamento). Se as duas pontas não funcionam em paridade no final da linha há violência institucional, psicose, depressão ou abandono da profissão.

             O que é esse recrutamento?

            Uma seleção de soldados já engajados na tropa para atuarem em rondas escolares, por exemplo, apresentou fotos de meninas esbeltas, bem formadas e em roupas sensuais. Em seguida, perguntava-se o que os homens achavam das meninas. Todos que elogiaram em demasia as formas ou demonstraram interesse sexual pelas meninas foram rapidamente encaminhados ao tratamento psicológico, porque se detectou forte inclinação à pedofilia. E, obviamente, não poderiam patrulhar em rondas escolares.

            Outro recurso de seleção é a exigência de nível superior, mesmo que seja para o ingresso nas patentes iniciais. Porém, a seleção só terá significado de relevância se a carreira for atrativa. Com soldos que obrigam fazer bicos legais ou não, excluindo-se os oficiais, é óbvio que sem compensação a carreira não atrairá os de melhor desempenho futuro. Sempre será vista como uma escolha por exclusão, quando não resta alternativa para a vida profissional. Guardadas as proporções é o que ocorre com a imensa maioria dos professores no país – e sem professores motivados e qualificados toda formação de base e, posterior, qualificação profissional serão comprometidas.         

            O que é educação para servir?

            É sem dúvida uma educação republicana, afinal, além dos “nobres” valores, os policiais são servidores públicos. Se não tem apreço pelos direitos humanos, ao menos que se comportem de acordo com o manual. E, por certo, o manual não ensina a tratar mal o contribuinte, o cidadão e nem mesmo o “marginal” – via de regra, um pobre marginalizado pela realidade da exclusão.

Então, trata-se de educar para servir ao público e este público tem o nome legal de povo. Indistintamente, se pobre ou rico, todos deveriam ser “adequadamente tratados” e ainda que, na essência da sociedade capitalista, o rico seja sempre melhor tratado, pois o poder econômico compra tudo – inclusive a dignidade do policial mal selecionado, mal treinado, mal remunerado, mal intencionado.

            O retorno desse ciclo vicioso – que começa muito mal – é o desenvolvimento de inúmeras doenças psíquicas e morais, dentre as quais a prática da tortura como espécie de rotina funcional. O policial que não tortura é equivalente daquele que não cumpriu a missão (i)legalmente designada. É visto como um fraco e costuma ouvir o grito de guerra que se alastrou pelo Brasil afora: “Pede pra sair”.

Em verdade, quem já pediu pra sair e se desligou da coisa pública, do senso de responsabilidade com o coletivo, é o próprio Estado que aplica uma das piores políticas públicas do mundo, em termos de segurança pública. E isso, por certo, sem contabilizar que a segurança é privatizada um pouco mais todos os dias. Portanto, pobres de todos nós, que padecemos com a insegurança pública.

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos



[1] http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-tortura-no-brasil-e-uma-politica-de-estado-5761.html.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Necropolítica e luta de classes no Rio de Janeiro - O fim do Estado

Necropolítica e luta de classes no Rio de Janeiro - O fim do Estado

A chacina ou o massacre – como se queira chamar – levados a cabo pelas forças policiais do Rio de Janeiro, a mando do Governador do Estado, no dia 28

Educação e Sociedade: Sociologia Política da Educação

Educação e Sociedade: Sociologia Política da Educação

O leitor terá a seguir apresentação do mais recente livro de Vinício Carrilho Martinez, professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Ace

Ela pensa? - a inteligência desumana

Ela pensa? - a inteligência desumana

Tanto fizemos e desfizemos que, afinal de contas, e ainda estamos no início do século XXI, conseguimos produzir uma inteligência desumana, absolutam

Pensamento Escravista no Brasil atual

Pensamento Escravista no Brasil atual

          Esse texto foi pensado como contribuição pessoal ao Fórum Rondoniense de Direitos Humanos – FORO DH, na fala dirigida por mim na mesa Enfr

Gente de Opinião Domingo, 9 de novembro de 2025 | Porto Velho (RO)