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Vinício Carrilho

Direitos Humanos e Segurança Pública


A definição que podem envolver segurança pública e direitos humanos traz a ideia de que o Estado exerce o monopólio do uso legítimo da força física (violência) por meio da Segurança Pública e que os direitos humanos realizam a síntese jurídica que defende a diversidade sociocultural. A ideia da “unidade na diversidade” deve estar presente tanto na Segurança Pública quanto no abrigo dos direitos humanos. Neste sentido, os direitos humanos recobrem toda a vida social, do meio ambiente à inclusão digital, passando pela saúde e educação (e, é óbvio, pela Segurança). Do mesmo modo que são direitos de civis e militares, de homens e mulheres, de soldados e “bandidos”. Não há que se falar, portanto, em “humanos direitos” como se, ironicamente, quisesse-se dizer que fossem direitos reservados a uma classe ou grupo social.

Também não faz nenhum sentido se limitar a discussão aos famosos “direitos de presos”. É claro que há direitos básicos aos que estão reclusos sob a custódia do Estado e o primeiro deles é igual ao de todos os que estão livres: não ser morto. Este medo da “morte violenta” (o que autorizaria a organização do Estado) está na base de alguns direitos essenciais e, evidentemente, na justificativa da Segurança Pública. O sentimento generalizado de insegurança social, por esta via institucional, tem algumas raízes no próprio Estado: a violência social que se alimenta da precariedade das políticas públicas e a violência policial. No aspecto institucional, chega-se à conclusão de que a certeza de impunidade e uma cultura organizacional herdada de uma estrutura policial repressora de quase 100 anos de existência, são fatores importantes nesse cenário de violência policial. Pode-se afirmar que a própria estrutura das corporações favorece, estimula esse tipo de comportamento. Há falhas na formação dos profissionais; há falhas na execução, fiscalização, supervisão e gerenciamento das ações operacionais e administrativas que envolvem as atividades da polícia ostensiva. O resultado é esse. Faz-se a mesma coisa, obtém-se a mesma coisa! Não há evolução, não há continuidade, não há efetividade nas ações.

Em exemplo negativo, com relação ao uso da força por integrantes de forças públicas brasileiras, entende-se que o direito à vida tem sido, de certa forma, banalizado. Como explicar os casos de abordagens policiais com uso da força letal em razão de condutores de veículos terem desobedecido, se é que desobedeceram, ordem de parada de policiais? Há, pelo menos em tese, uma nítida inversão de valores. Como justificar que uma transgressão aparentemente irrelevante no contexto de segurança pública, porque configuraria apenas infração administrativa de trânsito (ainda que de natureza grave), resultasse em ação letal por parte de agentes públicos, tendo como resultado a morte dos supostos transgressores? Não há registros nesses casos, ao menos preliminarmente, de ter havido grave ameaça à vida dos profissionais envolvidos.

Agentes públicos devem estar preparados para avaliar situações e escolher, acertadamente, a melhor forma de intervenção. Não se pode admitir a prática da ação violenta para, só depois da morte estabelecida, buscar-se justificativas que possam abalizar o procedimento adotado. Há necessidade de enfatizarmos, ainda por ocasião da formação, que deve ser antecedida por um bom recrutamento e seleção, no que se refere à razão da existência das forças de defesa social. Qual é o seu papel na sociedade? Para quem prestam serviços? Quais os limites de sua atuação? Quais as necessidades para que prestem um efetivo e bom serviço?

Lembre-se que em dezembro de 2010 o governo federal, através da Portaria Interministerial nº4226, estabeleceu procedimentos e orientação às forças públicas federais e aos Estados com relação ao uso da força. Pergunta-se: até que ponto suas importantes orientações foram absorvidas pelas forças públicas estaduais? Não se refere a simplesmente inseri-las em suas diretrizes, mais sim em efetivamente empregá-las em suas rotinas de trabalho. Ainda em 2010, o governo federal apresentou a Portaria interministerial nº 02, que trata dos Direitos Humanos para os profissionais de segurança pública. Quais os resultados dessa iniciativa? Quanto evoluímos nos aspectos nela contidos? O que deve haver é estrutura, foco e empenho em prestar um bom serviço à comunidade. Enquanto vivemos em um mundo de aparências não haverá direito algum que resista e nenhuma integridade que sobreviva, estando-se livre ou preso.

Enfim, a Unidade na Diversidade da Humanidade pode ser um indicativo do núcleo ou do eixo a que a Ética Social vem se estruturando ao longo da história humana. Este núcleo diretivo da ação humana pode ser visto, antropologicamente, na presença majoritária ou universal de muitos elementos unificadores e afirmativos das principais características humanas. Este núcleo humanizador, em uma sentença, deve reunir fórmulas sociais que abriguem em consonância a Segurança Pública e os direitos humanos. Do contrário, resta somente a violência a serviço do Estado e não necessariamente em defesa da sociedade.

Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)

Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas

Rogério Torres Cavalcanti
Tenente-Coronel da Polícia Militar do Estado de Rondônia
Especialista em Segurança Pública

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