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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Direito e Crença na Mudança


Pode até ser que o direito sem coerção pouco se diferencie de uma regra moral de conduta; mas, sem crença, confiança não difere da norma à espera do sujeito. Na Modernidade Tardia, o direito revela toda sua complexidade. Do passado herda instituições e perspectivas, a exemplo da ideia de segurança jurídica (positivismo jurídico) e a prática da luta pelo direito.

No presente, tanto obedece à ânsia da instantaneidade, como previsto na noção de remédio jurídico, quanto se revela em perspectiva: princípios da preservação e da prevenção. Para o futuro, à medida em que não há futurologia na ciência, o direito se abre - por força da teleologia que lhe é característica -, à consecução das experiências de lutas passadas e presentes: a precaução, antes vivida como imobilismo, indica diagnóstico e escolha de meios. Em grande parte, provém dessa vivência individual e coletiva (em meio à pressão/coerção institucional e sistêmica) a perspectiva de que se misturam passado, presente e futuro.

Ocorre que ao absorvermos individualmente um fenômeno coletivo acabam por se misturar ou sobrepor efeitos contraditórios: a ânsia pela satisfação individual - datada de anseios presentes e imediatos - em contraponto com a institucionalização coletivista que se tem na produção pluralista do direito.

Então, sobrevivem/convivem gerações/dimensões diversas do direito, algumas como ideal, referência valorativa, outras já firmadas como direito positivo: o secular e o contemporâneo, ora em diálogo ora em disputa. A mesma relação pode ser vista em outra angulação - é certo que a instituição (secularização) é superior aos indivíduos; porém, a instituição também não é constituída de indivíduos e suas normativas, mas dotados de objetivos diversos? O que permite que esta contradição não se dissolva é a pressão exercida pela aceitação e coerção, agindo como amálgama e instrumento de continuidade e de preservação.

Assim, se por um lado é possível falar do direito sem coerção (direitos humanos), por outro, não há eficácia jurídica sem aceitação e, na impossibilidade desta, imposição. Ou seja, se há direito sem coerção, o mesmo não se diz sem força e eficácia (os direitos humanos são ideais em vias de positivação). Por exemplo, os direitos humanos são ideais coletivos que se positivam em decorrência da efetivação da luta política pelo direito realizada pelos indivíduos e seus coletivos, agindo nas e sobre (ou contra) as instituições.

Na luta política pelo direito confluem ou se encontram - seja para conservar, seja para modificar - o individual e o institucional. Portanto, há uma tensão inevitável entre o coletivismo e sua durabilidade, e o pragmatismo individual. Mas, além disso, visto pelo ângulo do passado, o direito (res)surge revolucionário; pela exposição do presente temos a certeza de que é conservador, como anti-utopia; já na visão de futuro é uma miríade ou utopia.

Assim, ainda se pode perceber o mesmo fenômeno de outro modo: revolucionário no olhar de longo prazo; transformador a médio prazo; conservador no curto prazo. O direito altera a própria sensação linear do tempo e, exatamente por isso, é um objeto válido para se investigar a Modernidade Tardia. Entre o passado e o futuro, na crise sistêmica ou institucional, o que é que perdura? Os institutos permanecem se adequados aos valores insurgentes, mas somente com a deposição do pragmatismo presencial. É o momento em que a durabilidade se enfraquece, é limitada ou é liquidada, a contradição se consagra, a linha do tempo se rompe.

Na crise institucional, os institutos e seus pretéritos se movimentam mais bruscamente e este deslocamento, mesmo que muito inclinado, sinaliza nova trajetória de equilíbrio. Por fim, se outros (ou os mesmos) institutos não estão equilibrados, é porque a crise não acabou - não há regra para que a crise sistêmica tenha curta duração, seus efeitos podem ser sentidos em espasmos de maior ou menor durabilidade.

Vinício Carrilho Martinez
Prof. Dr. do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia

Fátima Ferreira P. dos Santos
Mestre em direito - UNIVEM

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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